Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

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Pega-me ao colo
E
Leva-me para dentro da tua casa.
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Despe o meu ser cansado e humano,
E
Deita-me na tua cama.
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E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus ... .!...
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Fernando Pessoa, Alberto Caeiro
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Se fosse Deus, pintava um quadro:
uma porta meio aberta e a escadaria suave;
no cimo, a minha mãe.
E arranjava maneira de o sorriso dela estar a dizer:
a porta está como a deixaste e
sei que me levaste os olhos.
Não dava nome ao quadro e
todos iam entender que era o retrato do céu.
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Zef
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Inflama-me, poente: faz-me
perfume e chama;
que o meu coração seja igual a ti, poente
descobre em mim o eterno,
o que arde, o que ama,
...e o vento do esquecimento
arraste o que é doente!
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Juan Ramón Jiménez

"Esperas"

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Não digas adeus, ó sombra amiga,
Abranda mais o ritmo dos teus passos;
Sente o perfume da paixão antiga,
Dos nossos bons e cândidos abraços!
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Sou a dona dos místicos cansaços,
A fantástica e estranha rapariga
Que um dia ficou presa nos teus braços…
Não vás ainda embora, ó sombra amiga!
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Teu amor fez de mim um lago triste:
Quantas ondas a rir que não lhe ouviste,
Quanta canção de ondinas lá no fundo!
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Espera… espera… ó minha sombra amada…
Vê que p’ra além de mim já não há nada
E nunca mais me encontras neste mundo
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Florbela Espanca
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Amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma dos homens.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranqüilos e escuros
como os sofrimentos dos homens.
Amo ainda mais uma coisa de nossos grandes rios:
sua eternidade.
Sim, rio é uma palavra mágica
para conjugar eternidade...
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Guimarães Rosa

"Vivência"

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Se sua rua porventura aparecer
coberta de pétalas caídas
pela inclemência de um vento qualquer,
não faça nada.
Deixe-a assim desordenada
e descabida.
São reticências que sobraram da estação passada.
Acabarão varridas pela própria vida.
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Flora Figueiredo

"Voz Ativa"

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Canta, poeta, canta!
Violenta o silêncio conformado.
Cega com outra luz a luz do dia.
Desassossega o mundo sossegado.
Ensina a cada alma a sua rebeldia.
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Miguel Torga

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

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Lês,
Como se eu sussurrasse em teus ouvidos
a poesia de minha alma.
O teu momento comigo é agora.
Podes sentir-me o hálito poético,
advinhar-me, saber-me.
Porém eu digo,
muito mais poesia está oculta,
Absorvida no silêncio que adormece entre o
momento em que escrevo e o instante em que me lês.
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Helen Drumond

"Mapa de Anatomia: O Olho"

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O Olho é uma espécio de globo,
é um pequeno planeta
com pinturas do lado de fora.
Muitas pinturas:
azuis, verdes, amarelas.
É um globo brilhante:
parece cristal,
é como um aquário com plantas
finamente desenhadas: algas, sargaços,
miniaturas marinhas, areias,
rochas, naufrágios e peixes de ouro.
Mas por dentro há outras pinturas,
que não se vêem:
umas são imagens do mundo,
outras são invetadas.
O Olho é um teatro por dentro.
E às vezes, sejam atores, sejam cenas,
e às vezes, sejam imagens, sejam ausências,
formam, no Olho, lágrimas.
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Cecilia Meireles
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Às vezes, tenho a impressão
de que não devia
publicar estas palavras
nascidas para viverem
em surdina ao teu ouvido.
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Às vezes penso que deveria
deixar no limbo do coração
estas palavras
de ti e para ti
e que tomaram imprevistamente
a forma de canção.
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Estas palavras que te colhem toda
e te deixam nua,
e me dão a impressão de que também
tenho nu o coração, em plena rua.
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J. G. de Araujo Jorge

"Fresta"

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Escorei a porta
Da despedida...
Deixei uma fresta
Para o teu arrependimento
Entrar...
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Cida Luz
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Aqui está minha vida - esta areia tão clara
com desenhos de andar dedicados ao vento.
Aqui está minha voz - esta concha vazia,
sombra de som curtindo o seu próprio lamento.
Aqui está minha dor - este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança - este mar solitário,
que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.
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Cecília Meireles

"Desencanto"

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Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
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Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... Remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
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E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
- Eu faço versos como quem morre.
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Manuel Bandeira

"Margaridas"

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Simples flores, lindas flores,
em laranja e branco vestidas.
Belas em sua despretensão,
quais alegres colegiais reunidas.
Minhas doces flores meninas,
segurem as brancas pétalas,
pois sinto o vento de outono vindo,
audacioso, levantar suas saias,
no lusco-fusco do dia findo.
Simples flores, encantadoras flores,
margaridas, meus amores!
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Lenise Marques

"Não Pise na Grama"

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Placa inútil e amarela:
"Não pise na grama."
Amarela
pela ausência de girassóis.
Inútil
porque não tenho os pés no chão.
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Fabio Rocha

terça-feira, 28 de outubro de 2008

"O Sol e a Lua"

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O Sol é força, energia!
A Lua é uma ave-maria!
Se o Sol morre combatendo,
em sangue rubro fervendo,
no incêndio de um fogaréu,
a Lua sempre falece,
rezando, triste, uma prece,
e com saudades do céu!
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E eu vos direi, como poeta,
que quando a Lua nos deixa,
quando ela desaparece,
rezando, triste, uma prece,
é porque vai, meus Senhores,
vai inspirar noutros mundos
outros poetas superiores
aos deste mundo de ateus,
outros poetas mais poetas,
mais cultos, mais inspirados,
e muito mais adiantados,
que estão mais perto de Deus!
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Catulo da Paixão Cearense

"Bebo Sozinho ao Luar"

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De um cântaro de vinho entre flores
Eu bebia sozinho. Ninguém comigo –
E então erguendo minha taça, pedi à
Clara lua
Que trouxesse minha sombra e fizesse de nós, três
Ai de mim, a lua não soube beber,
E minha sombra pendeu de mim
Ociosamente.
Ainda assim, por momentos tive amigos
Para me animar no fim da primavera...
Cantei. A lua me estimulou.
Dancei. Minha sombra cambaleou atrás.
Tanto quanto soube fomos joviais
Companheiros
Depois fique bêbado, e nos perdemos.
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Li Po
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Tuas mãos têm a idade do medo
trancadas por dentro da fé
colecionam quinquilharias
limpam a poeira dos quadros
viram as páginas dessa história
envelhecendo de hora em hora
apegadas ao que ficou preso
nas cores dum outro entardecer
são feitas de misericórdia, as tuas mãos
atiram esmolas aos pedintes
acenam esperança aos moribundos
conduzem à luz os desesperados
alimentam pacientemente os enfermos
estancam o fluxo nervoso da dor
mas não sabem afagar os anjos
que escapam do céu ao anoitecer
(és o deus que me vigia
os passos
o bufão que me perdoa
os erros
a mentira que me preserva
a sanidade
o sopro de loucura que me suspende
a vida)
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Douglas Dias

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

"Dono de Mim"

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Sinto que não minto
quando digo que teu amor pra mim é absinto...
Sinto que estremeço
quando em tuas mãos devagarinho eu amoleço...
Sinto-me na Lua
quando seu olhar me deixa inteiramente nua...
Sinto-me feliz
quando sei que o êxtase está por um triz...
Sinto-me em paz
com essa tranquilidade que só tua presença me traz...
E é me sentindo assim
que te tornaste o dono de mim.
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Alice Barollo
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Um dia
um dia eu
morrerei
de sol, de
vida acumulada
na convulsão
das ruas.
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um dia eu
morrerei e não
podia:
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há poemas escorregando de meus dedos
e um vinho não
provado
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Eunice Arruda

"Propósito"

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Viver pouco mas
viver muito
Ser todo o pensamento
Toda a esperança
Toda a alegria
ou angústia - mas ser
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Nunca morrer
enquanto viver
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Eunice Arruda

"Ouvir Estrelas"

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"Ora (direis) ouvir estrelas!
Certo perdeste o senso!"
E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto ...
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E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
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Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas?
Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E vos direi:
"Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."
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Olavo Bilac

É possível falar sem um nó na garganta

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É possível falar sem um nó na garganta.
É possível amar sem que venham proibir.
É possível correr sem que seja fugir.
Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.
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É possível andar sem olhar para o chão.
É possível viver sem que seja de rastos.
Os teus olhos nasceram para olhar os astros.
Se te apetece dizer não, grita comigo: não.
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É possível viver de outro modo.
É possível transformares em arma a tua mão.
É possível o amor. É possível o pão.
É possível viver de pé.
Não te deixes murchar.
Não deixes que te domem.
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É possível viver sem fingir que se vive.
É possível ser homem.
É possível ser livre, livre, livre.
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Manuel Alegre



"Sonhos Elegantes"

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Meus sonhos foram ainda mais longe
Foram sonhos elegantes
Que vagaram pelas ruas de Montmartre...
(Sonhos de Sartre
Verdades outras)...
Lançaram beijos nas margens do Sena
Lamberam o Louvre pra esculpir poemas.
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Meus sonhos foram ainda mais longe
Foram sonhos elegantes
Que desfilaram pelas curvas de Gaudi...
(Sonhos de artista
Pés de Arlequim)...
Andaram nus em noites de Sevilha
Pararam o tempo em quadros de Dali.
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Meus sonhos foram ainda mais longe
Foram sonhos elegantes
Que passearam pelos parques de Lyon...
(Sonhos de dama
Céus de néon)...
Pintaram mãos em tardes quase eternas
Trocaram anéis ao sino de outras eras.
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Meus sonhos foram ainda mais longe
Foram sonhos elegantes
Que nos cantaram nos becos do mundo...
(Sonhos perdidos
De um vagabundo)...
Dançaram em todos os chãos desta terra
Fizeram amor em meio a uma guerra
Depois morreram tremendo de frio
Num canto escuro.
Pobres sonhos moribundos...
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Raiça Bomfim

"Abrindo Aspas" para Roseana Murray

Hoje é dia de "ABRE ASPAS" para a poesia...
Blogagem Coletiva, deixando a Blogosfera mais bonita...
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Hoje é dia de blogagem coletiva! Fui convidada a publicar uma poesia que eu goste aqui no Interlúdio e adicionar uma pequena biografia sobre o autor/a. Amo diversos poetas, mas hoje vou homenagear uma autora especial. Chama-se Roseana Murray. Ela é conhecida no meio literário como escritora de literatura infantil... Como poesia não tem idade, sou fã dessa poetisa.
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Saiba mais sobre Roseana Murray:
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Roseana Murray
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Roseana Murray nasceu no Rio de Janeiro em 1950 e mora na cidade de Saquarema. É bacharel em Língua e Literatura Francesa. Em 1980, teve seu primeiro livro publicado. Hoje somam mais de 40 obras, algumas delas premiadas pela Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil e Associação Paulista de Críticos de Arte. É voluntária de "Rodas de Leitura", direcionada para adolescentes e para a comunidade da Saquarema.
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Quando eu morrer
Me amarre em teu corpo
Com as vigorosas cordas
Da palavra.
Quando eu for só palavra
Me amarre em teus olhos
Com as frágeis cordas
Da memória
Quando eu for apenas
Uma fragrância longínqua,
Toque os sinos
Da minha poesia
Para lembrar
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Roseana Murray
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Quando tudo o que se pode
Oferecer,
Tudo o que a alma fabrica
São flores semi-vivas
Num jardim desolado,
Quando ao invés de uma guirlanda
De girassóis
Só pétalas descoloridas,
Frágeis raízes
E um chão sem alimento,
Quando a corda do enforcado
Habita nossa garganta,
É hora de partir
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Roseana Murray
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Escavar o tempo
Até que as unhas sangrem
E os tijolos roídos
Apareçam por debaixo do muro
Espesso dos pensamentos.
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Escavar o tempo
Até que as cordas se rompam,
As que amarram os ventos
E as tempestades
E a memória serpente
Enterrada,
Possa deslizar.
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Roseana Murray
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Como se fosse fácil,
eu me divido em dois
e enquanto a metade fica
bordando invisíveis luares,
a outra, que também sou eu,
anda solta pelos mares.
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E enquanto a metade fica
trançando o azul das tardes,
a outra, que também sou eu,
anda louca pelos ares.
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Roseana Murray

"Desejo"

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Quero asas de borboleta azul
para que eu encontre
o caminho do vento
o caminho da noite
a janela do tempo
o caminho de mim.
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Roseana Murray

domingo, 26 de outubro de 2008

"Jogo da Verdade"

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A verdade é um labirinto.
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Se digo a verdade inteira,
se digo tudo o que penso,
se digo com todas as letras,
com todos os pingos nos is,
seria um deus-nos-acuda,
entraria um sudoeste
pela janela da sala.
Então eu digo a verdade possível,
e o resto guardo
a sete chaves
no meu cofre de silêncios.
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Roseana Murray
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A minha intimidade é pequena
cabe na minha boca
e desliza por entre os dentes;
se a descubro a fingir que é saliva
engulo-a,
não quero vê-la alheia nas palavras
nem perdê-la com um beijo
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Ana Merino
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Tarde pintada
Por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida,
Não é comigo.
Eu, simplesmente, digo
Que há fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, como as vinhas.
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Miguel Torga
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A vida sempre foi boa comigo.
Quando soube que o meu coração
estava carregado de sombras,
e que ele só se alimentava de luz,
abriu uma janela no meu peito
para que por ele possam entrar
o resplendor do orvalho,o fulgor das estrelas
e o invisível arco-íris do amor.
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Thiago de Mello

"Infinito Particular"

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Eis o melhor e o pior de mim
O meu termômetro, o meu quilate
Vem, cara, me retrate
Não é impossível
Eu não sou difícil de ler
Faça sua parte
Eu sou daqui, eu não sou de Marte
Vem, cara, me repara
Não vê, tá na cara,
sou porta bandeira de mim
Só não se perca ao entrar
No meu infinito particular
Em alguns instantes
Sou pequenina e também gigante
Vem, cara, se declara
O mundo é portátil
Pra quem não tem nada a esconder
Olha minha cara
É só mistério,
não tem segredo
Vem cá, não tenha medo
A água é potável
Daqui você pode beberS
ó não se perca ao entrar
No meu infinito particular
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Arnaldo Antunes
Marisa Monte
Carlinhos Brown

Quero dar-te a coisa mais pequenina que houver

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Quero dar-te a coisa mais pequenina que houver
bago de arroz
grão de areia
semente de linho
suspiro de pássaro
pedra de sal
som de regato
a coisa mais pequena do mundo
a sombra do meu nome
o peso do meu coração na tua pele.
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Rosa Lobato de Faria
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Se o coração batesse mais
Não apanharia tanto
Seria um músculo bombado
Quem sabe, anabolizado
E sem razão, pobre coitado
Como bate naquela cadência
De um garoto que, sem paciência,
Nos empurra rumo ao abismo
Abismo que nem sempre é queda
Que nem sempre é pesar
Abismo que as vezes é o risco
Que encontramos ao amar
E o que somos sem riscos?
Ilustres coadjuvantes
Cabeças cheias de razão
Emoções insignificantes
Melhor o músculo fraco
Apanhando dentro do peito
Que o valente batendo insensato
Ao contrário, no lado direito...
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Angelo Portilho
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Sinto que minha alegria
permanece impessoal e sem brilho,
enquanto dela não participares
como confidente
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Rainer Maria Rilke
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Então a alma cansada
Dos belos sonhos despida
Chorando a passada vida
Só tem um canto:
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S
A
U
D
A
D
E
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Casemiro de Abreu
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Na dança dos dias
meus dedos bailaram...
Na dança dos dias
meus dedos contaram
contaram, bailando
cantigas sombrias...
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Na dança dos dias
meus dedos cansaram...
Na dança dos meses
meus olhos choraram
Na dança dos meses
meus olhos secaram
secaram, chorandopor ti,
quantas vezes!
..
Na dança dos meses
meus olhos cansaram...
Na dança do tempo,
quem não se cansou?!
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Oh! dança dos dias
oh! dança dos meses
oh! dança do tempo
no tempo voando...
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Dizei-me, dizei-me,
até quando?
até quando?
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Alda Lara
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Eu me descrevi num poema.
Rabisquei meus sonhos
com alusão à realidade
contornei minhas dúvidas
com versos de esperança
e desvendei meus mistérios
com o êxtase da vida.
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Lubarrel

"Tua Falta, Minha Loucura"

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A sensação é a de um grande vazio
um navegar solitário
sem rumo e sem destino
no agitado mar de meus encharcados olhos
e o velho e fraco coração
é aviso de medo e dor
alma já nem a tenho
eis que (tola) perdida em
pensamentos ancestrais
em minha fugas
ó o caminho triste e escuro
de um quarto de muitos
e coloridos sonhos
tomara não tenha
me esquecido de sonhar
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Tadeu Paulo

"Canção Mínima"

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No mistério do Sem-Fim,
Equilibra-se um planeta.
E, no planeta, um jardim, e,
no jardim, um canteiro;
no canteiro, uma violeta, e,
sobre ela, o dia inteiro.
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Cecília Meireles
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Atada a múltiplas cordas
Vou caminhando tuas costas.
Palmas feridas, vou contornando
Pontas de gelo, luzes de espinho
E degredo, tuas omoplatas.
Busco tua boca de veios
Adentro-me nas emboscadas
Vazia te busco os meios.
Te fechas, teia de sombras
Meu Deus, te guardas.
A quem te procura, calas.
A mim que pergunto escondes
Tua casa e tuas estradas.
Depois trituras.
Corpo de amantes
E amadas.
E buscas
A quem nunca te procura.
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Hilda Hilst
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Se prepare
não se assuste
não me apague.
Talvez você se depare
com seu medo
bem no meio
da sua coragem.
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Elisa Lucinda

"Quem Me Roubou a Razão?"

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Quem me roubou a razão e me fez poeta?
Quem me plantou esse verde dentro
E me fez desejar ser vento
E me fez desejar ser mar?
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Quem me colocou nas mãos este dardo imenso
De dar voz ao sofrimento
De dar cor as lágrimas que verto
De ser verbo e verso a chorar?
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Quem me traçou linhas e vida
E as juntou e as tornou uma
E se escrevo vivo e se vivo escrevo
E se as canto sou?
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Quem me roubou a razão e me tornou insana
E me deu a voz e me deu o verbo
Se não o quero nem murmurar?
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Encandescente
in Palavras Mutantes

"Felicidade"

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Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada:
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
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O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
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Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
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Existe, sim : mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
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Vicente de Carvalho

"Arrependimento"

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Se ao coração que chora fora dado
Em dose embora escassa, de beber
A taça misteriosa do esquecer,
Quanto ser viveria embriagado.
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Viver embriagado do viver
E não lembrar jamais o que é lembrado
Lembrar somente e apenas com cuidado
Que o cuidado maior é o de esquecer.
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Divina fantasia a de quem ama.
Viver a vida quando a vida é chama
Matar a sede quando a sede é de arte.
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O último mistério de querer-te,
Maior que a própria pena de perder-te,
Foi o arrependimento de buscar-te.
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Jandira Grillo

"Eu"

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Até agora eu não me conhecia.
Julgava que era eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.
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Mas que eu não era eu não o sabia
E, mesmo que o soubesse, o não dissera...
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim... e não me via!
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Andava a procurar-me - pobre louca!
-E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!
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E esta ânsia de viver, que nada acalma,
É a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!
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Florbela Espanca

Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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