Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

"Jogo da Verdade"


A verdade é um labirinto.
Se digo a verdade inteira,
se digo tudo o que penso,
digo com todas as letras,
com todos os pintos nos is,
seria um deus-nos-acuda,
entraria um sudoeste
pela janela da sala.
Então eu digo
a verdade possível,
e o resto guardo
a sete chaves
no meu cofre de silêncios.

Roseana Murray

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Imagem daqui

Quero te dar um vestido com um desenho que ainda
não sei como será
Penso frutas, dragões, sereias
Fantasias que nem ainda sei bordar
Mas quero te dar um vestido, quem sabe de areia
Quem sabe de uma linha que não se saiba coser
Penso te dar um vestido bordado de ambos os lados
do querer
Nem te quero vestir
Nem quero que o vejas nem que o queiras talvez
quero te dar um vestido que a minha alma deseja

José Carlos Capinan

terça-feira, 28 de dezembro de 2010


Imagem Google

Lava devagar o rosto na água do arco-íris.
Bebe seu chazinho de pétalas de rosa branca -
amarela não, que dá azia.
Escova devagar as asas, pluma por pluma.
Só depois de bem bonita é que bate de leve na porta
da nuvem ao lado.

Caio Fernando Abreu

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

"Vivência"


Imagem Google

Se sua rua porventura aparecer
coberta de pétalas caídas
pela inclemência
de um vento qualquer,
não faça nada.
Deixe-a assim desordenada
e descabida.
São reticências que sobraram da estação passada.
Acabarão varridas pela própria vida.

Flora Figueiredo
In Amor a Céu Aberto


domingo, 26 de dezembro de 2010


Imagem Google

Tem os que passam
e tudo se passa
com passos já passados

Tem os que partem
da pedra ao vidro
deixam tudo partido

E tem, ainda bem,
os que deixam
a vaga impressão
de ter ficado

Alice Ruiz


sábado, 25 de dezembro de 2010

"É Natal"


Imagem Google


O Natal chegou
em minha casa.
Uma criança,
signo de pureza,
alegria e verdade,
adentrou a minha porta.
Um menino
espírito de luz,
símbolo do Amor,
de Fé e Esperança,
nasceu em meu coração.
É Natal.

Luiz Carlos Amorim


Um Natal abençoado a todos vocês, meus queridos!



sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

"Versos de Natal"


Imagem Google

Espelho, amigo verdadeiro,
Tu reflectes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exacto e minucioso,
Obrigado, obrigado!

Mas se fosses mágico,
Penetrarias até ao fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do Natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.

Manuel Bandeira


quinta-feira, 23 de dezembro de 2010


Pintura de Pierre August Renoir

Hoje arrumo as flores
em cima da mesa
as frutas na memória
quero um dia bem simples
alguma luz pousada
na superfície da água
hoje chamo para mim
amorosas palavras
que vivam um dia
perto do meu coração
que corram pela casa
com sua mistura de mel e espanto

Roseana Murray


quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

"Sabina on the Grass", de Donald Zolan

Virgem! filha minha
De onde vens assim
Tão suja de terra
Cheirando a jasmim
A saia com mancha
De flor carmesim
E os brincos da orelha
Fazendo tlintlin?
Minha mãe querida
Venho do jardim
Onde a olhar o céu
Fui, adormeci.
Quando despertei
Cheirava a jasmim
Que um anjo esfolhava
Por cima de mim.

Vinícius de Moraes

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

"Poemeto nº 5"


Imagem Google


E, quando te encontro, falo-te daqueles momentos
que se enterraram, tristes, sem a tua presença ...

Falo-te de nosso amor que me faz feliz e infeliz,
e de ti, que és a minha alegria e a minha doença.

Conto-te de mim, para que te preocupes, para que tomes
nos teus braços, com este jeito de ternura que é só teu,
com desvelos de enfermeira
e carinhos de amante,
como se eu fosse mais que teu amor:
-fosse aquele filho que não tens,
mas que esperas a cada instante.

J G de Araujo Jorge


segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

"Eu Ouço Música"


Fotografia de Bolivar Trindade

Eu ouço música como quem apanha chuva:
resignado
e triste
de saber que existe um mundo
do Outro Mundo...

Eu ouço música como quem está morto
e sente já
um profundo desconforto
de me verem ainda neste mundo de cá...

Perdoai,
maestros,
meu estranho ar!

Eu ouço música como um anjo doente
que não pode voar.

Mário Quintana

domingo, 19 de dezembro de 2010

"Ave da Alegria"

Fotografia de Katarina, aqui

Onde estavas,
ave livre da alegria?
Tuas asas
tornam mais claro o dia
para o eterno caminhante.
Atravessei, no silêncio,
a noite escura,
cruzei pontes
sobre abismos
à tua procura
e duvidei
de que um dia
te veria.
Onde estavas,
quando meu canto
era rouco,
quando o meu sonhar
era louco
e a lembrança
do teu vôo
esmaecia?

Cio Nascimento

sábado, 18 de dezembro de 2010

"15"

Imagem Google (autoria não mencionada)

De delicadeza me construo. Trabalho umas rendas
Uma casa de seda para uns olhos duros.
Pudesse livrar-me da maior espiral
Que me circunda e onde sem querer me reconstruo!
Livrar-me de todo olhar que quando espreita, sofre
O grande desconforto de ver além dos outros.
Tenho tido esse olhar. E uma treva de dor
Perpetuamente.
Do êxodo dos pássaros, do mais triste dos cães,
De uns rios pequenos morrendo sobre um leito exausto.
Livrar-me de mim mesma. E que para mim construam
Aquelas delicadezas, umas rendas, uma casa de seda
Para meus olhos duros.

Hilda Hilst

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

"Enfeites para a nossa alma"



Enquanto
a noite adormece,
tudo em volta
acontece.
Os sonhos surgem
com o tempo,
criam um
mágico momento
que transforma
tristeza em alegria
no calor da noite
que esfria...

E as estrelas,
brilhando
no firmamento,
atendendo
ao nosso intento,
enviam anjos,
enviam guias,
enviam luzes,
enviam calma,
enviam enfeites
pra nossa alma...

Hàmlid

Texto recebido por e-mail



quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

"Visto-me de Poesia"


Midsummer’s Eve, de Bryce Cameron Liston

Visto-me de poesia
Do mais belo traje que há
Caminho no jardim perfumado
Onde a vida acontece
Mesmo ali, ao meu lado

Cubro-me de lirismo
Do vermelho das rosas renascidas
Mergulho no pólen da vida
Onde brotam as palavras sentidas

Das palavras adubo a alma
No semear de versos enaltecidos
Na certeza certa de desbravar
Recantos ingloriamente escondidos

Vagueio ávida pelas palavras
Como um estranho vagabundo perdido
Bebendo em cada sílaba lavrada
O doce veneno proibido

Liliana Jardim

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010


aonr_dia_09_13

Ilustração de Norman Rockwell

A louca agitação das vésperas de partida!
Com a algazarra das crianças atrapalhando tudo
E a gente esquecendo o que devia trazer,
Trazendo coisas que deviam ficar...
Mas é que as coisas também querem partir,
As coisas também querem chegar
A qualquer parte! — desde que não seja
Esse eterno mesmo lugar...
E em vão o Pai procura assumir o comando:
Mas acabou-se a autoridade...
Só existe no mundo esta grande novidade:
Viajar!

Mário Quintana

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

",,, E a vida é assim"


Imagem Google sem autoria mencionada

Horas perdidas
minutos contados
questão de segundos.

Jaak Bosmans

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

"Poema"


Imagem Google (sem autoria mencionada)

De repente volta
o que nem sei se foi
sonhado ou vivido.
Que apelo me chega
desta voz que emerge
de tão fundas águas?
Alguém esquecido
no fundo dos tempos?
Meu anjo vencido?
Meu duplo secreto?
Que apelo indizível
me chama, me grita
que esqueça, que durma,
ou me divida em tantos
que nenhum seja eu?

Nem eu, nem ninguém.

Emilio Moura


domingo, 12 de dezembro de 2010

"Alfabeto"


Imagem daqui

É muito útil estudar
o alfabeto das flores miúdas
esquecidas na beira dos caminhos.
Pequenas florezinhas amarelas
como mensagens perdidas.
Elas dizem sim à vida, ao Sol,
à chuva, sim ao amor que nasce
todos os dias, invisível,
e com sua luz ilumina a Terra.

Roseana Murray


sábado, 11 de dezembro de 2010

"Cor-respondência"


"Sealed With a Kiss", fotografia de Mandy Lynne

Remeta-me os dedos
em vez de cartas de amor
que nunca escreves
que nunca recebo.
Passeiam em mim estas tardes
que parecem repetir
o amor bem feito
que voce tinha mania de fazer comigo.
Não sei amigo
se era o seu jeito
ou de propósito
mas era bom, sempre bom
e assanhava as tardes.
Refaça o verso
que mantinha sempre tesa
a minha rima
firme
confirme
o ardor dessas jorradas
de versos que nos bolinaram os dois
a dois.
Pense em mim
e me visite no correio
de pombos onde a gente se confunde
Repito:
Se meta na minha vida
outra vez meta
Remeta.

Elisa Lucinda


sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

"Mulher de Minutos"


Fotografia de David Hamilton

Não sou mulher de minutos
Daquelas que os segundos varrem
Para debaixo do tapete sujo
Não pinto os cabelos de fogo
Nem faço tatuagem no umbigo
Me recuso a usar corpetes e cinta-liga

Há sementes em meu ventre
São poemas que ainda não reguei
Prefiro guardá-los em silêncio
Até que o tempo amadureça meus minutos
E a vida me contemple com seus frutos

Não borro meus cílios com a solidão da noite
Nem pinto meu rosto com a palidez das manhãs
Meu corpo é feito de marés
Onde navegam mil anseios
Veleiros sem direção
Estou sempre na contramão

Mônica Montone


quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

"Transfiguração"

Imagem Google

Numa luz verde, velada,
contra o céu de opala e nácar,
os arranha-céus,
ao anoitecer,
são estalagmites
em gruta de bruma,
onde gotejam estrelas.



Helena Kolody
in Viagem no Espelho


quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

"II"


Imagem Google

A casa tinha os ouvidos virados para o mar.
Era branca como a maioria das casas antigas.
No telhado o vento e a chuva escorregavam, só os raios de sol permaneciam por mais tempo.
Quase não havia paredes por serem tantas as portas e janelas.
A casa era mais um entrar e sair do que um ficar.
Muitos passavam.
Eu passei.
Mas essa casa continua em mim.
Em minha pele seu cheiro se percebe de longe.
Sua forma não sai dos meus olhos.
E os passos de quem ali viveu ainda se arrastam em meus ouvidos.

Geraldo de Barros, aqui


terça-feira, 7 de dezembro de 2010

"Tapeçaria"

Imagem: Google

A Vida escolhe
a tela, as linhas
e as dores.

Tuca Kors


segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

"Silenciosamente"

Imagem Google

Seguiremos assim, juntos, felizes,
juntos, felizes, pela vida afora...
- Tu, no silêncio em que mais coisas dizes!
- Eu, no silêncio em que me encontro agora!

Meu passo há de seguir por onde pises!
E a tua mão, que em minha mão demora,
há de, com o tempo, até criar raízes,
unindo vida a vida, hora por hora...

Seguiremos assim, como bem poucos,
bendizendo na nossa trajetória
os que souberam como nós ser loucos...

Loucos de amor, ébrios de amor - seguindo
para um mundo de sonhos, para a glória
do silêncio que vamos repartindo!

J. G. de Araujo Jorge
in Bazar de Ritmos


domingo, 5 de dezembro de 2010

"Paradoxo"


Imagem daqui

A dor que abate, e punge, e nos tortura,
que julgamos às vezes não ter cura
e o destino nos deu e nos impôs,
é pequenina, é bem menor, e até
já não é dor talvez, dor já não é
dividida por dois.

A alegria que às vezes num segundo
nos dá desejos de abraçar o mundo,
e nos põe tristes, sem querer, depois,
aumenta, cresce, e bem maior se faz,
já não é alegria, é muito mais
dividida por dois.

Estranha essa aritmética da vida,
nem parece ciência, parece arte;
compreendo a dor menor, se dividida,
não entendo é aumentar nossa alegria
se essa mesma alegria
se reparte.

J.G. de Araujo Jorge


sábado, 4 de dezembro de 2010


Faça o que lhe digo.
Solte primeiro uma borboleta.
Se não amanhecer depressa,
solte outras de cores diferentes...

Aníbal Machado


sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

"Assim"


[moonlight_vintage_romance.jpg]
Imagem daqui

Eu te amo
de um amar antigo
- sabor de antigamente
no velho caderno das lembranças -

Eu te amo assim,
de um amar antigo,
intocado,
abstrato,
indizível,
atemporal.

Assim.

Mila Ramos


quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

"Da Inutilidade"


Muzzled Mouth, de Harold Kryvi

Há muito me cansam
estas bocas mudas
que não mudam nada.

Ademir Antonio Bacca


quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

"Metonímico"

Imagem daqui

Enquanto repouso:
janelas
e quando já
nelas: cotovelos
de
lembranças

Carlos Vogt


terça-feira, 30 de novembro de 2010

"Prospecção"


Imagem da Web

Não são pepitas de oiro que procuro.
Oiro dentro de mim, terra singela!
Busco apenas aquela
Universal riqueza
Do homem que revolve a solidão:
O tesoiro sagrado
De nenhuma certeza,
Soterrado
Por mil certezas de aluvião.
Cavo,
Lavo,
Peneiro,
Mas só quero a fortuna
De me encontrar.
Poeta antes dos versos
E sede antes da fonte.
Puro como um deserto.
Inteiramente nu e descoberto.

Miguel Torga


segunda-feira, 29 de novembro de 2010

"Três Caminhos"

Imagem Google

Percorri tantos caminhos,
tantos caminhos andei.
O primeiro era de nácar,
de rosa pura o segundo.
O terceiro era de nuvem,
no terceiro te encontrei.
O primeiro já trazia
teu nome brilhando no ar.
Não era nome de terra:
cantava coisas do mar.
Logo senti que o segundo
já era estrada de encantar.
Mas o terceiro, o terceiro
quantas voltas não foi dar!
Deixou meu corpo na terra,
meu coração no alto-mar.
Virou vento, virou bruma,
perdeu-se, rápido, no ar.

Emilio Moura


domingo, 28 de novembro de 2010

"Colecionador de Quimeras"

Imagem Google

Quando as minhas angústias
começam a morder-me
ponho-lhes a trela
saio à rua a passeá-las
e deixo-as ladrar
ao tédio transeunte.

Depois ponho-lhes asas
e deixo-as voar
como pássaros
em busca de primaveras
imprevisíveis.

António Tomé



sábado, 27 de novembro de 2010

"O Dia e a Noite'


andrew myers
Fotografia Andrew Myers

Não se discute o dogma.
Não se dicute o amor.
Não se discute a poesia.

Semeai enigmas.
Semeai ternuras.
Semeai sonhos, tristezas,
deslumbramentos.

Mas esse avanço das rosas
pressentindo meu corpo esverdeado;
acabará o amor;
e que poderei apresentar a Deus?

Murilo Mendes
in "O sinal de Deus - Poemas em Prosa" - Livro Segundo



sexta-feira, 26 de novembro de 2010

"Cançoneta"


Imagem Google

Um colarzinho de contas no pescoço,
as mãos sumindo num amplo regalo.
Os olhos passeiam em torno distraídos
e já não têm mais com que chorar.
A seda, que é quase violeta,
faz o rosto parecer mais pálido.
A franja, de cabelos tão lisinhos,
já chega até quase as sobrancelhas.
Não se parece em nada com um vôo
esse jeito lento de andar
como se numa jangada pisasse
e não nas pranchas firmes do assoalho.
A boca pálida, entreaberta,
o fôlego cansado, ofegante...
contra o peito treme o ramalhete
deste encontro contigo que não houve.

Anna Akhmátova
(tradução de Lauro Machado Coelho)


quinta-feira, 25 de novembro de 2010

"Contemplação"

Imagem daqui

Deito meus olhos
no berço do horizonte.
Re_colho Deus.

Tuca Kors


quarta-feira, 24 de novembro de 2010

"À Vida"

Imagem daqui

Não roubarás minha cor
vermelha, de rio que estua.
Sou recusa: és caçador.
Persegues: eu sou a fuga.
Não dou minha alma cativa!
Colhido em pleno disparo,
curva o pescoço cavalo
árabe
e abre a veia da vida.

Marina Tzvietáieva

terça-feira, 23 de novembro de 2010

"Verde e Azul"

Imagem daqui

É preciso saber ir embora
E contudo ser como as árvores:
como se a raiz ficasse na terra
como se a paisagem passasse por nós e não nos movêssemos.
É preciso conter a respiração
Até que o vento afrouxe
E o ar estranho comece a girar à nossa volta
Até que o jogo de luz e de sombras
De verde e de azul
Revele os velhos padrões
E nos sintamos em casa, onde quer que seja.

Hilde Domin


segunda-feira, 22 de novembro de 2010

"Canção Para Dar Coragem"

Imagem daqui

I
Nossos travesseiros estão molhados
pelas lágrimas
de sonhos alterados.

Porém novamente se ergue
a pomba
de nossas mão vazias
desamparadas.

Hilde Domin



domingo, 21 de novembro de 2010

"Um Jardim"


Imagem Google

Há um murmúrio de águas frescas, através
dos ramos das macieiras, as rosas ensombram
todo o solo, e das folhas trémulas
escorre o sonho.

Safo


sábado, 20 de novembro de 2010

"Receita Para Fazer o Azul"


Fotografia de Sakura

Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.

Por fim, peneira um resto de oiro da areia do meio-dia,
até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego
queimado.

Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma
vez ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto
de ocre na superfície dourada.
Podes, então, levantar a cor até à altura dos olhos,
e compará-la com o azul autêntico.

Ambas as cores te parecerão semelhantes,
sem que possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz — eu, Abraão ben Judá Ibn Haim,
iluminador de Loulé — e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu.

Nuno Júdice


sexta-feira, 19 de novembro de 2010

"Vende-se"


Imagem Google

Vende-se uma cama de casal
tamanho normal
ou troca-se por uma cama de solteiro;
ainda vai de brinde um travesseiro
e uma colcha rendada,
que está um pouco amassada
e só traz recordação.
Motivo: separação

Nelcí de Abdala


quinta-feira, 18 de novembro de 2010


Pintura de João Barcelos

Em todos os perdidos portos do mundo, sob o crepúsculo
balouçam barcos mansamente.
A brisa é uma carícia lenta
nos mastros e nas velas.
A voz da água é um segredo baixinho.
É preciso não acordar os homens.
É preciso que se encha o mundo de doçura infinita,
de infinito silêncio,
porque os homens estão fatigados, fatigados...

Tasso da Silveira
In:"Puro canto"


quarta-feira, 17 de novembro de 2010

"Ao Escrever Poemas"


Imagem Google

Tenho a mão pesada ao escrever poemas,
Abro, no papel, profundos sulcos, tipo, leito de um rio,
por onde navegam palavras, pensamentos, histórias,
coisas colhidas nas trilhas desta vida.

Não acaricio as palavras, espremo-as,
até ter delas seu sumo, seus significados.
Uso cores agressivas, por vezes exuberantes,
quando tento passar uma mensagem.
Quando falo de saudade prefiro o cinza,
nostalgia navega em branco e preto
e a revolta em águas barrentas, sempre!
Estou mais para a realidade, a vida me fez assim!

Tenho a mão pesada aos escrever poemas,
machuco o papel, até perceber que ali existe
sangue, suor, saliva, sentimento,
não sei escrever sem expor feridas.

Parir versos é remexer nas entranhas,
é cutucar cicatrizes, fazê-las ardidas,
só assim o poema sobrevive
e eu consigo exorcizar minha dor.



terça-feira, 16 de novembro de 2010

"Tarde"


Edgar Degas "Vor dem Spiegel"

Quando estiver velha, mente plana
e sem este desejo louco
com as Memórias dividindo minha cama
e a Paz dividindo meu fogo
Pentearei meus cabelos em dois coques
sob minha touca limpa arrumada
e olharei minhas mãos cansadas sem choques
no meu colo espalmadas
E terei robes de floridos panos
com rendas minha garganta beijando
mas oh, espero que esses abençoados anos
não estivessem se aproximando!

Dorothy Parker


segunda-feira, 15 de novembro de 2010

"Lua Alta"

Imagem Google

Lua alta
E por trás
de tantas nuvens
brilham estrelas...

Aqui,
por trás desta neblina,
brilho também.
Sozinha
e acomopanhada
de mim
e de mais ninguém...

Não direi mais nada
É o silêncio que mais convém...

Agradecida,
a lua
sussurra:
amém...

Ana C. Pozza


domingo, 14 de novembro de 2010

"Atitudes"

Fotografia Alicelink

Pise em seus anseios,
mas não sente no impossível.

Quebre o vidro do inconformismo,
mas não espalhe os cacos
pelo chão de estrelas.

Amasse o fermento vivo
de seu pensamento,
mas não tempere a realidade
com fantasia.

Engula o preparado
que lhe serve
na mesa da fatalidade,
mas não ignore
os farelos da motivação.

Adoce o refresco do desejo,
mas queira tomá-lo açucarado:
pode restar o azedo da decepção.

Rita de Cássia Alves
In Espaços do Coração


sábado, 13 de novembro de 2010

"Rosa Branca ao Crepúsculo"

Imagem Google

Inclinas triste o rosto
nas folhas, para a morte,
respiras luz fantástica
e emites sonhos pálidos.

Íntima como um canto,
à última luz flutua
no quarto, a tarde toda,
a doce fragrância tua.

No inefável se engaja
tua alma temerosa,
e vai rindo e morrendo
em meu peito, irmã rosa.

Hermann Hesse


sexta-feira, 12 de novembro de 2010

"Francesca"

Imagem daqui

Surgiste de dentro da noite
E havia flores em tuas mãos,
Agora surgirás de uma confusão de gente,
De um tumulto de conversas sobre ti.

Eu, que te vi surgir em meio às primícias
Zanguei-me quando disseram teu nome
Em locais baratos.
Eu quis que as frescas ondas pudessem fluir sobre minha mente,
E o mundo murchasse como folha seca,
Ou um pólen de dente-de-leão levado ao vento,
Para poder te ver de novo,
A sós.

Ezra Pound


quinta-feira, 11 de novembro de 2010

"Poemas aos Homens do Nosso Tempos"


"Passos perdidos", fotografia de Leonardo Amaro Rodrigues

(VIII)

Lobos? São muitos.
Mas tu podes ainda
A palavra na língua
Aquietá-los.

Mortos? O mundo.
Mas podes acordá-lo
Sortilégio da vida
Na palavra escrita.

Lúcidos? São poucos.
Mas se farão milhares
Se à lucidez dos poucos
Te juntares.

Raros? Teus preclaros amigos.
E tu mesmo, raro.
Se nas coisas que digo
Acreditares.

Hilda Hilst
“in” Poesia (1959-1979)


quarta-feira, 10 de novembro de 2010

"Pensamento Longe"


Imagem daqui

A leveza de teu vestido
E tuas mãos dizendo adeus.

Eu iria, mesmo com a certeza de não te encontrar,
E voltaria sem te ter visto,
Passeando com a tua lembrança.

Eu caminharia horas e horas pensando em ti,
Sem chegar nunca ao termo do caminho
Onde estivesse escrito: aqui se acaba o amor.

Dante Milano


terça-feira, 9 de novembro de 2010

Imagem Google

À meia-noite despeço-me do mundo
e corro a abrir a porta
dos meus sonhos.
Às vezes, com a pressa,
deixo cair na escada um sapatinho.
Quando de manhã alguém mo traz,
dizendo: deixas o sapato em qualquer lado,
volto a calçá-lo, distraidamente,
e vou ficando, outra vez,
desencantado.

Álvaro Guimarães


segunda-feira, 8 de novembro de 2010

"Soneto de Véspera"


Imagem Google

Quando chegares e eu te vir chorando
De tanto te esperar, que te direi?
E da angústia de amar-te, te esperando
Reencontrada, como te amarei?

Que beijo teu de lágrimas terei
Para esquecer o que vivi lembrando
E que farei da antiga mágoa quando
Não puder te dizer por que chorei?

Como ocultar a sombra em mim suspensa
Pelo martírio da memória imensa
Que a distância criou - fria de vida

Imagem tua que eu compus serena
Atenta ao meu apelo e à minha pena
E que quisera nunca mais perdida...

Vinicius de Morais


domingo, 7 de novembro de 2010

"Dia de Hoje"


Imagem daqui

Ó dia de hoje, ó dia de horas claras
Florindo nas ondas, cantando nas florestas,
No teu ar brilham transparentes festas
E o fantasma das maravilhas raras
Visita, uma por uma, as tuas horas
Em que há por vezes súbitas demoras
Plenas como as pausas dum vento.

Ó dia de hoje, ó dia de horas leves
Bailando na doçura
E na amargura
De serem perfeitas e de serem breves.

Sophia de Mello Breyner Andresen


sábado, 6 de novembro de 2010

"Janela Aberta"


Imagem Google

Chegaste em minha vida
como uma janela aberta
numa casa vazia e triste.

Trouxeste um dia de sol
um aceno de folhagem
um canto de pássaro.

Que importa se continuo
a ser a mesma casa
triste e vazia?

Debruçado à janela, agora,
posso te ver passar... todo dia...

J. G. de Araújo Jorge


sexta-feira, 5 de novembro de 2010

"Soneto 17"


Imagem Google

Se te comparo a um dia de verão
És por certo mais belo e mais ameno
O vento espalha as folhas pelo chão
E o tempo do verão é bem pequeno.

Ás vezes brilha o Sol em demasia
Outras vezes desmaia com frieza;
O que é belo declina num só dia,
Na terna mutação da natureza.

Mas em ti o verão será eterno,
E a beleza que tens não perderás;
Nem chegarás da morte ao triste inverno:

Nestas linhas com o tempo crescerás.
E enquanto nesta terra houver um ser,
Meus versos vivos te farão viver.

William Shakespeare


Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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