Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Manhazinha


Foto de Saraka Nayurama 

enquanto dormes
eu me presenteio com os sorrisos que afloram
esqueço a tempestade da espera
os suspiros sem alívio

enquanto dormes
vigio os duendes faróis bruxas
expulso qualquer susto e abano
com leques das plumas imperiais

enquanto dormes
enfeito o mundo com rendas de bilro
fiadas no tear
a alegria que me trouxe de volta

Lucia De Moura Chamma





Nuvens são poema visual



Fotografia de Lucia de Moura Chamma 

Nuvens são poema visual
Veladas Voláteis Volúveis
Volumosas Virulentas Variadas
Vingança vã da natureza
Viva

Jeanne Duarte





Frágil


Imagem da Web 


e como dizer
que o mais, o mais foram remendos do mundo
na mais frágil tela

em branco

um quase poema, um rebento
tatuado no braço?

e como dizer
que da medula palavra
se fez pedra lume

pele escrita luz,
um silêncio que sobrou

do espaço que vai de mim
ao sedimento do poema?

Breve Leonardo





No sono o sonho acordado pulsa


 
Fotografia de Pol Kurucz 

no sono o sonho acordado pulsa:
pudesse cravaria dentes invisíveis
na carne adormecida: escreveria
no rosto o poema impossível
que de manhã revelaria o espelho:
faria na pele a cicatriz exata
que só o fogo roubado dos deuses
petrifica: o sonho luta contra o sono
para arrancar da lama o que se esconde
para florir no tédio do deserto
o mar vermelho que exército algum
jamais atravessará: mas acorda
o corpo e o sono esquece: segue
dia afora o sonho: cego
por entre a multidão que adormece

Carlos Moreira




segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Chove

 
Fotografia de João Torres

Chove. Há Silêncio
Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego...
Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece...
Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente...

Fernando Pessoa
in "Cancioneiro"



 

Olhar

 
Céu iluminado em Itatiquara, Araruama/RJ, foto minha

O que eu vejo
me atravessa
como ao ar
a ave

O que eu vejo passa
através de mim
quase fica
atrás de mim

O que eu vejo
- a montanha por exemplo
banhada de sol -
me ocupa
e sou então apenas
essa rude pedra iluminada
ou quase
se não fora
saber que a vejo.

Ferreira Gullar



O medo

 
Imagem via Pinteerest

O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no teto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
ótimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projetos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Alexandre O'Neill



A menina tonta



Imagem via Pinterest

Eu quero o arco-íris eu quero
diz a menina com fé.

(Seus olhos são duas lágrimas
boiando em folha de malva.)

- O arco-íris ninguém consegue
tocar com a ponta dos dedos.

- É razão do meu suspiro
tê-lo puro intacto virgem.

- Terás um vestido novo
listrado de sete cores
cada cor uma alegria.

- O vestido não tem asas
para passeios alados.
Quero das fitas do arco-íris
fazer os meus próprios trilhos
e sair andando ao léu
pelas varandas do céu
para conhecer países
que no mapa não existem
habitar outros planetas
mais habitáveis que este.

- Menina não sejas tonta
o arco-íris é apenas sonho
matéria de sonho é zero.

- Eu sonho por não poder
ter aquilo que mais quero:
quero aquilo que não tenho
ainda que não valha nada
por não poder alcançá-lo.
Se o pudesse não quisera
nem sonhara.

(Os olhos brilham que brilham
aos revérberos do arco-íris.)

Henriqueta Lisboa




Infância




 Imagem via Pinterest

E volta sempre a infância
com suas íntimas, fundas amarguras.
Oh! por que não esquecer
as amarguras
e somente lembrar o que foi suave
ao nosso coração de seis anos?

A misteriosa infância
ficou naquele quarto em desordem,
nos soluços de nossa mãe
junto ao leito onde arqueja uma criança;

nos sobrecenhos de nosso pai
examinando o termômetro: a febre subiu;
e no beijo de despedida à irmãzinha
à hora mais fria da madrugada.

A infância melancólica
ficou naqueles longos dias iguais,
a olhar o rio no quintal horas inteiras,
a ouvir o gemido dos bambus verde-negros
em luta sempre contra as ventanias!

A infância inquieta
ficou no medo da noite
quando a lamparina vacilava mortiça
e ao derredor tudo crescia escuro, escuro...

A menininha ríspida
nunca disse a ninguém que tinha medo,
porém Deus sabe como seu coração batia no escuro,
Deus sabe como seu coração ficou para sempre diante da vida
— batendo, batendo assombrado!

Henriqueta Lisboa



Antielegia etérea



Imagem via Pinterest 


Na medida em que caem
os frutos, caem os homens,
caem as folhas, o sol cai
para o alto com as estrelas.
E eu, como um tronco
envelhecendo, vou ficando
oco por dentro e começo
a ser ocupado pelos passarinhos.
Começo a ser passarinho
no tronco. Até que o musgo
no céu me torne eterno.

Carlos Nejar


Visitas



 Fotografia daqui

As horas vieram me dizer
Que estão, um pouco, agoniadas

Deve ser
Por causa da anunciada tempestade

Na sala, eu escuto um estranho burburinho
Seres alados habitam a chaminé

Meu café necessita imediata atenção

Da mesma forma, o canarinho da terra
Ele voa pela casa

Tento apanhá-lo, ele é veloz
Frágil

Graças ao encontro dos rodapés
Na terceira tentativa, tenho sucesso

Com o cotovelo, faço correr a janela
Estendo os braços para a liberdade

João Luis Calliari



 

Vigília





Fotografia de Man Ray

Meus fantasmas resolveram me visitar
Os de lá dos dias das noites
Os de antigamente ou não tão antigos
Dos mais recentes dos anteontens dos ontens
Vultos que me açoitam, devoram, mas fascinam
E atrasam meu hoje

A lembrança de cada gesto de cada beijo de cada transa
Dos manuseios das mãos concubinadas
Cada boca molhada, mordida de chama e júbilo

Ah, farei diferente já que o medo é essência da coragem
Entregarei os delírios à memória daquilo que fui
E ao que serei amanhã

Na pluralidade do que sou, deleitarei-me com e entre eles
Inventando os dias seguintes
Por entre frestas das persianas mal abertas

Lucia De Moura Chamma 



Mais que imperfeito



Greg Newington/Getty Images

Se julgas o meu caminho diverso,
prepara os teus olhos.
Em meu deserto,
verás, a bem da verdade,
o meu universo refletido
nas nuvens ardidas do céu.
O sol, em ocaso casual,
queimará as nuvens que já,
neste instante, voam livremente
livres, perdidas nas altitudes
da imensidão do meu verso.
Rebeldemente rebele-me.
Não há chuva que debele as chamas,
não há água que debulhe o fogo,
não há mágoa que revele o pouco
do calor que me empenhas.
A parte que me cabe,
apenas.

Eupaitio Caska




Sou um homem limpo


 
Fotografia do próprio poeta autor, em sua Facepage

sou um homem limpo:
uso meu nome para
escovar os dentes

trago no peito uma serpente
mordendo a própria cauda

mas é marca na pele
e travo de veneno
nos meus olhos
não se pressente

apesar de crápula
mentiroso e libertino

sou inocente

Carlos Moreira




Sede é como um rugido de rio



Imagem by Jodi

sede é como um rugido de rio
encontrando a margem da garganta

sede é peixe uterino
no oceano do corpo

visto por fora
despido no espelho
visível deserto de assombros

sede é a possibilidade de romper
o naufrágio e adejar na superfície

Carlos Orfeu



 

Alivio o olhar



Prainha, em Arraial do Cabo/RJ, fotografia minha

Alivio o olhar
no compromisso da espuma,
no compasso da fuga ao tempo,
submersão no mar que inunda os reflexos,
sonoridade que se entreabre no palco do horizonte.

Na afeição da luz
a benevolência dos ocasos, penumbra e riso sideral,
solstício do mundo que se entreabre a meus pés.

Paulo Costa 



 

Sem contemplações





 Fotografia de Laura Makabresku

Há momentos intermitentes
Em que rasgamos a pele.
Paramos para mais uma evasão,
Geramos o nada
De tão rotos que estamos de tudo,
Abrimos diante de nós o abismo
Invertemos o curso das horas
Em que não demoramos
Os longos dedos
Permeáveis à dor
Amarrotada no papel
Assim,
Sem contemplações.

 Leonora Correia



Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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