segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Rosa Enluarada

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A rosa vermelha,
fresca e orvalhada,
sobre o teclado frio,
inerte, pousada
diz mais que muito.
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A rosa vermelha,
tenra e molhada,
sobre o teclado cria
e verte o dito quieto.
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A rosa vermelha,
infante e felina,
sobre o teclado ousa
dizer mais que muito.
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A rosa vermelha,
invade meus olhos.
Nada teme: inteira sua;
é lua nua em íntimo culto.
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Jairo De Britto
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domingo, 29 de novembro de 2009

Riachinho

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As águas claras
me contam segredos
de sol, de céu, de ar
e cantam acalantos
de ninar
enquanto correm ligeiras
da montanha para o mar.
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Roseana Murray
In Fardo de carinho


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sábado, 28 de novembro de 2009

Desconforto

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Acordou de manhã
e calçou seu destino.
Achou-o um pouco apertado,
mas ainda assim
seguiu seu caminho.
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Durante o dia, a dor aumentou.
Doía no carro, dóia na rua, doía no elevador.
Parou na calçada e chorou.
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Não sabia o que fazer.
Não sabia como se salvaria dessa teia.
Só não pensou no mais simples:
tirar os sapatos
e andar com os pés na areia.
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Moacir Caetano

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sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Ao Sol

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Imagem: "Pôr do Sol na Figueira da Foz", de Isabel
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Eu te saúdo, Sol das estações,
Na tua viagem pelos altos céus.
Rasto indelével no cimo dos montes,
Senhor amável de todas as estrelas.

Mergulhas sereno nas trevas do mar,
E nada te toca e nada tu sofres.
Depois te alevantas da calma das ondas,
Como jovem príncipe coroado de rosas.

Oração de tradição oral - Cultura Céltica
(gaélico escocês)
Trad.: José Domingos Morais
in Rosa do Mundo

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Este post (poema e imagem) foi gentilmente cedido ao Interlúdio pela amiga Isabel,
autora do Blog "Com Calma, Com Que Alma", recanto de lindas fotografias de sua autoria
e de poesias muito bem escolhidas.

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quinta-feira, 26 de novembro de 2009

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Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
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Alberto Caeiro
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quarta-feira, 25 de novembro de 2009

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Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.
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Álvaro de Campos
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terça-feira, 24 de novembro de 2009

Estamos Juntos

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Estamos juntos, quando a poesia nos toca
e entramos como reis no Reino do Silêncio...
Quando sentimos que tempo e risos e lágrimas e tudo
em nós madurece...
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Estamos juntos, quando a noite é fria ou o calor custa a suportar,
quando a solidão é mais solidão
e vemos a palavra Amor na boca de tantos ser profanada...
Oh! Ainda que nos separem oceanos,
estamos juntos, bem juntos, bem o sabes,
numa profunda companhia!
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Cristovam Pavia
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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Amor Como Em Casa

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Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.
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Manuel António Pina

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domingo, 22 de novembro de 2009

"Homem"

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Inútil definir este animal aflito.
Nem palavras,
nem cinzéis,
nem acordes,
nem pincéis
são gargantas deste grito.
Universo em expansão.
Pincelada de zarcão
desde mais infinito a menos infinito.
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António Gedeão
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sábado, 21 de novembro de 2009

"Lua Miúda"

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Mais do que
qualquer coisa,
nesta minha vida
de hospedeiro,
queria te amar
ardentemente
com minhas portas
escancaradas
e minhas janelas
descortinadas.
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Mas tu és estrela
e eu lua miúda.
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Oswaldo Antônio Begiato
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sexta-feira, 20 de novembro de 2009

"Clave de Sol"

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Faz música pra mim e coloca
em envelopes fechados por língua morna.
Faz versos nas costas da lua.
Dedilha nossos desafinos.
Na areia da praia anoitecida,
deita minha ausência e colhe os ruídos.
Oferece na concha das mãos.
Segredos. Canta baixinho e grita
desespero para abafar o silêncio das pausas.
Desatina mariposa,
asas de procura nos meus olhos acesos.
Desenha em ponta de agulha sobre a pele
e assina o nome por baixo.
Criptografia.
Espera.
Até ouvir meu riso com gosto de maçã
a provocar cócegas na saudade.
Ele faz música e promessas bordadas em gaze.
Eu sangro.
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Ane Aguirre

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quinta-feira, 19 de novembro de 2009

"Subversiva"

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 Imagem da Web

A poesia
quando chega
não respeita nada.
Nem pai nem mãe.
Quando ela chega
de qualquer de seus abismos
desconhece o Estado e a Sociedade Civil
infringe o Código de Águas
relincha
como puta
nova
em frente ao Palácio da Alvorada.
E só depois
reconsidera: beija
nos olhos os que ganham mal
embala no colo
os que têm sede de felicidade
e de justiça
E promete incendiar o país
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Ferreira Gullar




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quarta-feira, 18 de novembro de 2009

"Apegado a Mim"

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Floco de lã de minha carne,
que em minha entranha eu teci,
floco de lã friorento, dorme apegado a mim!
A perdiz dorme no trevo
escutando-o latir:
não te perturbem meus alentos,
dorme apegado a mim!
Ervazinha assustada
assombrada de viver,
não te soltes de meu peito:
dorme apegado a mim!
Eu que tudo o hei perdido
agora tremo de dormir.
Não escorregues de meu braço:
dorme apegado a mim!
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Gabriela Mistral
(Tradução - Maria Teresa Almeida Pina)


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terça-feira, 17 de novembro de 2009

"Diário de um Apaixonado"

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Sozinho, o apaixonado tem a caligrafia da tristreza.
Aproveita a neblina para deixar recados nas vidraças.
Redige o alfabeto emendado, não suporta as letras
separadas. Pára de repente o olhar e não avança.
Observa os cachorros como anjos atrapalhados
acomodando suas asas. Comove-se com o modo que
lambem as patas, os becos das patas. Capaz de olhar
longamente os cachorros dormindo, para não aprender
nada a não ser os cachorros dormindo.
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O apaixonado é um
comovido à toa.
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Fabrício Carpinejar
in "Diário de um Apaixonado. Sintomas de um bem incurável"

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segunda-feira, 16 de novembro de 2009

"Obrigado, Violinos!"

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Obrigado, violinos, por este dia
de quatro cordas.
É puro o som do céu,
a voz do ar.
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Pablo Neruda
in Últimos Poemas
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domingo, 15 de novembro de 2009

"Dá-me Tua Mão"

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Dá-me tua mão
E eu te levarei aos campos musicados pela
canção das colheitas.
Cheguemos antes que os pássaros nos disputem
os frutos,
Antes que os insetos se alimentem das folhas
entreabertas.
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Dá-me tua mão
E eu te levarei a gozar a alegria do solo
agradecido,
Te darei por leito a terra amiga
E repousarei tua cabeça envelhecida
Na relva silenciosa dos campos.
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Nada te perguntarei,
Apenas ouvirás o cantar das águas adolescentes
E as palavras do meu olhar sobre tua face muito
amada.
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Adalgisa Nery

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sábado, 14 de novembro de 2009

"Pintura"

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Eu sei que se tocasse
com a mão aquele canto do quadro
onde um amarelo arde
me queimaria nele
ou teria manchado para sempre de delírio
a ponta dos dedos.
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Ferreira Gullar
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sexta-feira, 13 de novembro de 2009

"A Criança Que Ri Na Rua"

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A criança que ri na rua,
A música que vem no acaso,
A tela absurda, a estátua nua,
A bondade que não tem prazo
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Tudo isso excede este rigor
Que o raciocínio dá a tudo,
E tem qualquer cousa de amor,
Ainda que o amor seja mudo
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Fernando Pessoa

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quinta-feira, 12 de novembro de 2009

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Repara no meu rosto e mede
a profundidade das minhas rugas.
Observa de perto o meu cabelo branco
e passa os dedos pelas minhas cicatrizes.
Tudo isso é a árvore que eu sou.
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Da copa inatingível e secreta
até ao abismo das fundas raízes.
Se me falares baixinho lembrarei
as suaves brisas de Outono e desprenderei
abraços dos meus ramos em folhas sedosas
para te atapetar o caminho.
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Se um dia te cansares de mim
corta-me. Serra-me ao meio. Arde-me.
Mas peço-te meu amor
aproveitando este vento da tarde:
nunca na vida me deixes sozinho.
A solidão secar-me-ia de dor.
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José António Gonçalves

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quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Recomecemos, então

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Recomecemos então, as mãos
palma com palma.
Diz, não digas, a palavra.
As palavras terão sentido ainda?
Haverá outro verão, outro mar
para as palavras?
Vão de vaga em vaga,
de vaga em vaga vão apagadas.
Seremos nós, tu e eu, as palavras?
Onde nos levam, neste crepúsculo,
assim palma a palma,
de mãos dadas?
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Eugénio de Andrade

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terça-feira, 10 de novembro de 2009

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Imagem daqui
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A exaustão
das cinco da manhã
e a noite em claro
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Gravo o poema,
que o peso da caneta
e eu nem Atlas
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Os olhos a fecharem-se
mais fortes que o desejo
(vontade de rimar
nestes espaços)
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(Se agora tu viesses
Dar-me um beijo
Com certeza adormecia
Nos teus braços)
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Ana Luísa Amaral

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segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Segredo

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Hoje é dia de Abrir Aspas Para a Poesia...
Blogagem Coletiva proposta pela Lunna do Blog "Teoria Impossíveis".
Esta é a terceira edição desta proposta, que consite em
escolher um poeta e uma poesia para deixar mais poética a blogosfera…
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E o INTERLÚDIO não podia ficar de fora... afinal, aqui é a casa da poesia!
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Nessa edição vou homenagear um poeta brasileiro, de Minas Gerais: Fernando Campanella, que tenho a honra de ter como amigo virtual aqui nesse cantinho da poesia.
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Aqui neste Blog tenho diversos poemas dele já postados, que você pode conferir aqui.
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Fernando Campanella é autor do Blog PALAVREARES, um espaço encantandor onde publica seus poemas, crônicas e fotografias.... Vale a pena uma visita sem pressa a esse espaço poético.
Clique aqui para conhecer o PALAVREARES.
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E aqui vai o poema de hoje:
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SEGREDO
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Imagino
que saio a pescar a luz na tarde,
meu samburá a tiracolo,
antes que os deuses do dia
atrelem as carruagens
e o sol se incline
no abismo da memória.
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Mudo as pedras.
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Imagino, então,
Dona Lua,
por puro encanto,
até as franjas do infinito
tecendo um halo
e capturando estrelas
no encalço.
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Imagino, imagino,
e deste imaginar me reincorporo,
chispo rudes pérolas:
alucino?
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Fernando Campanella
08 de Junho de 2007
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Este post faz parte da Blogagem Coletiva "Abre Aspas para a Poesia" proposta pela Lunna do Blog "Teorias Impossíveis". Obrigada, Lunna, é sempre um prazer participar.
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domingo, 8 de novembro de 2009

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No amor também as palavras
são necessárias. Os gestos talvez não bastem.
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Nem a chuva lá fora enquanto o amor se inflama.
Nem o sussurro nas árvores quando os corpos serenam.
Nem a melopeia das águas quando as bocas se esmagam.
Nem o fulgor dos olhos quando a paixão se impacienta.
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Penso no amor e logo invento palavras
e logo as palavras se põem ébrias.
Penso no amor e logo as palavras
se soltam como fogosas aves
a que não pergunto o rumo.
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Penso no amor e logo preciso
que as palavras digam
que amor é este em que penso
e em que grito.
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Fernando Namora

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sábado, 7 de novembro de 2009

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Apenas pelas folhas
a manhã se insinua
trazendo-nos a brisa
da tua face nua.
A árvore estremece
e os gestos repetidos
deixam talvez a curva
que passa nos sentidos.
Assim tu hás-de vir
em tudo o que esperamos,
chegando como os frutos
na direcção dos ramos
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Fernando Guimarães

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sexta-feira, 6 de novembro de 2009

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Imagem daqui
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Não é o coração
mas esta carne
em seu rumor.
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Não é o coração
mas teu silêncio
de intenso furor.
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Não é o coração
mas as mãos
sem corpo, vazias.
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Na grave melodia
de um instante
tu e eu
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em desequilíbrio
na infame
consistência
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de um absoluto
obstáculo.
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Ana Marques Gastão
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quinta-feira, 5 de novembro de 2009

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foto daqui
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O meu amor honra-me com prendas
e eu nada tenho para lhe dar. Talvez a Lua.
Afaga-me o cabelo e enche-o de nuvens
e eu só lhe posso retribuir com raios de sol.
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Debruça-me sobre um manto fresco de ervas
e brinca com as minhas orelhas. Dou-lhe,
em segredo, um sorriso, a que ela, logo, acode
com uma cascata líquida de risinhos cristalinos.
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À noite desculpa-se por não ter outras prendas
para demonstrar-me o seu verdadeiro amor.
É nesse momento que, então, envergonhado
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por ter menos do que ela, aproveito o escuro
do quarto e lhe pouso, devagar, sobre a almofada,
uma pétala, ainda viva, perfumada, duma flor.
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José António Gonçalves

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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

"O Coração"

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O coração é a sagrada pira
Onde o mistério do sentir flameja.
A vida da emoção ele a deseja
Como a harmonia as cordas de uma lira.
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Um anjo meigo e cândido suspira
No coração e o purifica e beija...
E o que ele, o coração, aspira, almeja
É o sonho que de lágrimas delira.
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É sempre sonho e também é piedade,
Doçura, compaixão e suavidade
E graça e bem, misericórdia pura.
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Uma harmonia que dos anjos desce,
Que como estrela e flor e som floresce
Maravilhando toda criatura!
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Cruz e Sousa

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terça-feira, 3 de novembro de 2009

"O vento"

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Por mais que tente, o vento
não consegue adormecer
se não tiver nada para ler.
Seja uma folha de tília,
de bambu ou buganvília.
É por isso que o vento
arrasta as folhas consigo,
até encontrar um abrigo,
onde possa adormecer.
Arrastou até a folha,
onde eu estava a escrever!
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Jorge Sousa Braga

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segunda-feira, 2 de novembro de 2009

"Verdade, Mentira"

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Verdade, mentira, certeza, incerteza...
Aquele cego ali na estrada também conhece estas palavras.
Estou sentado num degrau alto e tenho as mãos apertadas
sobre o mais alto dos joelhos cruzados.
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Bem: verdade, mentira, certeza, incerteza o que são?
O cego pára na estrada.
Desliguei as mãos de cima do joelho.
Verdade mentira, certeza, incerteza são as mesmas?
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Qualquer cousa mudou numa parte da realidade;
os meus joelhos e as minhas mãos.
Qual é a ciência que tem conhecimento para isto?
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O cego continua o seu caminho e eu não faço mais gestos.
Já não é a mesma hora, nem a mesma gente, nem nada igual.
Ser real é isto.
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Alberto Caeiro
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domingo, 1 de novembro de 2009

"Sonho"

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Quando cheguei na lua
montei nela como num cavalo manso,
trouxe comigo,
escondi dentro da fronha,
mas depois fiquei com pena
e devolvi pra noite.
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Leila Míccolis
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