segunda-feira, 31 de dezembro de 2012




Adeus, tristeza: a vida
é uma caixa chinesa
de onde brota a manhã.
Agora
é recomeçar.
A utopia é urgente.
Entre flores de urânio
é permitido sonhar.

Affonso Romano de Sant'Anna 

A todos vocês que visitam o Interlúdio e o enriquecem com sua presença, seu carinho e seus comentários, que em 2013 possamos
sonhar mais, sorrir mais, amar mais...
ser mais felizes!


segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

"Na Hora de Por a Mesa"


Desconheço a autoria da imagem


Na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. Depois, a minha irmã mais velha
casou-se. Depois, a minha irmã mais nova
casou-se. Depois, o meu pai morreu. Hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais 
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. Cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde 
como sozinho. Mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
Enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.

José Luís Peixoto 


sexta-feira, 21 de dezembro de 2012



Desconheço a autoria da imagem

E as flores,
Já cansadas 
Do orvalho da noite
Se entregam,
Sem pudores,
Aos raios do sol

Juliana Tozzini


quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

"VII"



Desconheço a autoria da imagem
                                                                                                                                                     
                                                                                                                                                                     (Para Dyonélio Machado)

Recordo ainda... E nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui... Mas, ai,
Embora idade e senso eu aparente,
Não vos iluda o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai...
Que envelheceu, um dia, de repente!...

Mario Quintana
de Rua dos Cataventos


quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

"Ode ao Gato"



Fotografia de Peter Cairns & Mark Hamblin

Tu e eu temos de permeio
a rebeldia que desassossega,
a matéria compulsiva dos sentidos.
Que ninguém nos dome,
que ninguém tente
reduzir-nos ao silêncio branco da cinza,
pois nós temos fôlegos largos
de vento e de névoa
para de novo nos erguermos
e, sobre o desconsolo dos escombros,
formarmos o salto
que leva à glória ou à morte,
conforme a harmonia dos astros
e a regra elementar do destino.

José Jorge Letria
in "Animália Odes aos Bichos"


sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

"Cinzelação"



Pintura Digital, by Sr. do Vale

E quando o tempo terminar de esculpir meu corpo,
Com seus martelos pesados e seus cinzéis afiados, 
Dele tirando todo o excesso de vaidades e matérias,
E do corpo, enxuto de músculos e pecados, minh’alma se apartar,
Espero ser compreendido pelas dores que, sem querer, causei
E ser admirado pelas dores que sofri na calada de meu viver.

Se é que o juízo final é mesmo uma balança imparcial,
E minhas cinzas puderem ser divididas em duas partes e um peso só,
Então que uma porção seja jogada no inferno e a outra no paraíso.

Que eu possa, finalmente, descansar em paz.

Oswaldo Antônio Begiato


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

"Platéia"



Fotografia de Raphael Zanetti

Não sei quantos seremos, mas que importa?!
Um só que fosse, e já valia a pena.
Aqui, no mundo, alguém que se condena
A não ser conivente
Na farsa do presente
Posta em cena!

Não podemos mudar a hora da chegada,
Nem talvez a mais certa,
A da partida.
Mas podemos fazer a descoberta
Do que presta
E não presta
Nesta vida.

E o que não presta é isto, esta mentira
Quotidiana.
Esta comédia desumana
E triste,
Que cobre de soturna maldição
A própria indignação
Que lhe resiste.

Miguel Torga


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

"Queda"



"Coração Balão", de Amanda Cass

                                                                                                                                          (A João P. Vasco)

O meu coração desce,
Um balão apagado.

Melhor fora que ardesse
Nas trevas incendiado.

Na bruma fastidienta...
Como à cova um caixão.

Porque ante não rebenta
Rubro, numa explosão?

Que apego inda o sustem?
Átono, miserando.

Que o esmagasse o trem
De um comboio arquejando.

O inane, vil despojo.
Da alma egoísta e fraca...

Trouxesse-o o mar de rojo
Levasse-o na ressaca.

Camilo Pessanha
in Clepsydra


domingo, 9 de dezembro de 2012

"Oração de Uma Camponesa de Madagascar"



Imagem daqui

Senhor
Dono das panelas e marmitas

Não posso ser a santa que medita aos vossos pés.
Não posso bordar toalhas para o vosso altar.

Então, que eu seja santa ao pé do meu fogão.
Que o vosso amor esquente a chama que eu acendi
E faça calar minha vontade de gemer a minha miséria.

Eu tenho as mãos de Marta.
Mas quero também ter a alma de Maria.

Quando eu lavar o chão lavai, Senhor, os meus pecados.
Quando eu puser na mesa a comida, comei também Senhor,
junto conosco.

É ao meu Senhor que eu sirvo, servindo minha família.

Raimundo Cintra
Frei dominicano 


sábado, 8 de dezembro de 2012

"O Milagre"



Fotografia de Roman Vishniac

Dias maravilhosos em que os jornais vem cheios de poesia
e do lábio do amigo brotam palavras de eterno encanto
Dias mágicos... em que os burgueses espiam
através das vidraças dos escritórios, a graça gratuita da 
nuvens.

Mario Quintana
In: Sapato Florido


sexta-feira, 7 de dezembro de 2012




De que servem exércitos de canções
e o encanto das elegias sentimentais?
Para mim, na poesia, tudo tem de ser desmesurado,
e não do jeito como todo mundo faz.

Se vocês soubessem de que lixeira
saem, desavergonhados, os versos,
como dente-de-leão que brota ao pé da cerca,
como a bardana ou o cogumelo.

Um grito que vem do coração, o cheiro fresco de alcatrão,
o bolor oculto na parede...
E, de repente, a poesia soa calorosa, terna,
Para a minha e tua alegria.

Anna Akhmátova


quinta-feira, 6 de dezembro de 2012


Desconheço a autoria da imagem

Porque hoje é sábado
uma borboleta amarela
pousou no meu quintal.

Porque hoje é sábado
tem muito colorido lá fora,
muita luz, muito verde
e muito sol...

Não gosto desses dias de sedução.
O meu poeta sempre aparece
com a mania de cantar
esperanças, e sabe perfeitamente
que aprecio as combinações.

O cinza no peito não combina
com o amarelo e muito menos
com todo esse colorido
da estação.

Nathan de Castro

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

"A Companheira"


Desconheço a autoria da imagem


A lua parte com quem partiu e fica com quem ficou. E,
pacientemente, consoladoramente, aguarda os suicidas
no fundo do poço.

Mario Quintana
In: Sapato Florido


terça-feira, 4 de dezembro de 2012



Desconheço a autoria da imagem

E se não lembrares
Da palavra amor,
Que dediquei a ti
Lembre-se da palavra
Saudade
Que deixaste aqui.

Catarino Salvador


segunda-feira, 3 de dezembro de 2012



Desconheço a autoria da imagem

Já não é tempo de estio.
Parece que ela combina
Com meu coração vazio.

Então eu abro a cortina.
Olho pra fora... Espio...
Água leve que declina
Na extensão do meio-fio.

Dizem que chuvinha assim
São lágrimas dum Querubim
Que caiu em rodopio.

Feriu-se... Quebrou a asa...
Não pode voltar pra casa
E chora porque tem frio.

Jenario de Fátima


domingo, 2 de dezembro de 2012

"Guardados"




Como quando se tira um vestido velho do baú
Um vestido que não é para usar, só para olhar.
Só para ver como ele era...
Depois a gente dobra de novo e guarda.
Mas não se cogita em jogar fora ou dar.
Acho que saudade é isso

Lygia Fagundes Telles