sábado, 20 de abril de 2019


Arte de Oswaldo Guayasamín

pus a mão na boca para
amordaçar a dor, mas
era tão mais forte que
mesmo a mão gritou.

Bénédicte Houart




Amor como em casa


Tela de Sir Edward Poynter - "Evening at home" 

Regresso devagar ao teu 
sorriso como quem volta a casa. 
Faço de conta que não é nada comigo. 
Distraído percorro o caminho familiar da saudade, 
pequeninas coisas me prendem, 
uma tarde num café, um livro. 
Devagar te amo
e às vezes depressa, meu amor, 
e às vezes faço coisas que não devo, 
regresso devagar a tua casa, 
compro um livro,
entro no amor como em casa. 

Manuel Antonio Pina
in Ainda não é o fim nem o principio do mundo
Calma é apenas um pouco tarde





terça-feira, 9 de abril de 2019

Ilusão inalienável


Arte de Jéssica Peixoto

Ora, quero lá saber da chuva,
do vento que uiva lá fora,
do rio furioso que transborda,
dos raios, dos trovões,
de todas as intempéries!

Quero antes aquecer ilusões
à lareira, todos os serões,
de portas e janelas bem fechadas,
para que das chuvas ácidas
que afogam esse mundo estranho
no meu mundo nunca entre nada!

Bárbara Pais




Imagem: Google

Esquece o melhor que puderes.
Há drogas e cinemas (por
enquanto). Não vais ser tu a aprisionar
os gestos felizes ou sem rumo
de que ainda sou capaz.
Não é nada de pessoal, garanto-te.

Bebi sempre de mais, acordo
tarde e as crianças estão longe de ser
o meu animal doméstico preferido.
Detesto horários, famílias e obrigações.
Até a partilha dos lençóis,
quando não é o amor a rasgá-los.

Os dias, porém, depressa
nos obrigam ao esterco das rotinas,
ao desejo inútil de procurar
a morte noutros braços.

Mas não. Não vou mudar de marca
de cigarros nem de pasta
dentífrica. Acordo logo que puder,
já sabes. Telefono-te rouco,
eventualmente triste, a precisar
de alguma liberdade para poder provar,
sozinho, que a liberdade não existe
mas dá bastante jeito.

E no entanto, depois disto tudo,
é altamente provável que eu te queira
amar. Como não sei melhor, como sei.

Manuel de Freitas