sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

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Derramei três lágrimas:
a primeira escorreu pela face e perdeu-se na boca;
a segunda morreu achatada contra o assoalho;
a terceira caiu na tua mão.
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E foi a que mais doeu.
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Caio Fernando Abreu
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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

"Silêncio"

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Silêncio, eis a tarefa de todos os gatos.
Poucos sabem perscrutar
(talvez ninguém em plenitude)
o grau de solidão necessária
ao saber auto suficiente
para ser felino e doméstico
em sua tarefa de monge guardião do
inextricável
em quem o homem não percebe
a metafísica natural,
recolhimento
saber
sensualidade e aceitação.
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Artur da Távola
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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

"Sobre a Ambição"

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de pó
Deus o fez.
Mas ele, em vez
de se conformar,
quis ser sol, e ser mar,
e ser céu... Ser tudo, enfim.
Mas nada pôde! E foi assim
que se pôs a chorar de furor...
Mas ah! foi sobre sua própria dor
que as lágrimas tristes rolaram. E o pó,
molhado, ficou sendo lodo - e lodo só!
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Guilherme de Almeida
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terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

"Souvenir"

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É tão simples o que espero,
E tão raro o que me falta,
Tão delicado, sutil e singelo
Como o assovio de uma flauta.
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A delicadeza é só o que salva.
E a solidão é só o que resta:
É o souvenir de uma valsa
Que dancei nalguma festa.
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Mas meu par foi-se embora
E levou consigo a orquestra
Deixou somente esta senhora...
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Que espera, quem sabe um dia,
Receber aquele gesto que a faria
Dançar sua alegria como outrora...
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Rachel Rabello
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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

"Interlúdio"

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Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.
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Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.
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És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
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Fernando Pessoa
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domingo, 22 de fevereiro de 2009

"Com Agulhas de Prata"

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Com agulhas de prata
de brilho tão fino
bordai as sedas do vosso destino.
Bordai as tristezas
de todos os dias
e repentinamente as alegrias.
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Que fiquem as sedas
muito primorosas
mesmo com lágrimas presas nas rosas.
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Com agulhas de prata
de brilho tão frio...
ai, bordai as sedas, sem partir o fio!
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Cecília Meireles
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sábado, 21 de fevereiro de 2009

"Sabedoria"

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Enquanto disputam os doutores gravemente
sobre a natureza
do bem e do mal, do erro e da verdade,
do consciente e do inconsciente;
enquanto disputam os doutores sutilíssimos,
aproveita o momento!
Faze da tua realidade
uma obra de beleza
Só uma vez amadurece,
efêmero imprudente,
o cacho de uvas que o acaso te oferece.
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Ronald de Carvalho
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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Havia uma palavra

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Havia uma palavra
Havia uma palavra no escuro. Minúscula.
Ignorada. Martelava no escuro.
Martelava no chão da água.
Do fundo do tempo, martelava.
Contra o muro. Uma palavra. No escuro.
Que me chamava.
De Matéria Solar
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Eugénio de Andrade
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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

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Coroai-me
Coroai-me de rosas,
Coroai-me em verdade,
De rosas — rosas que se apagam
Em fronte a apagar-se tão cedo!
Coroai-me de rosas
E de folhas breves.
E basta.
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Ricardo Reis
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terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

"A Fome do Primeiro Grito"

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XII
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Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
desejasse.
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Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
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Te olhei. E há um tempo.
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
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Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.
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Hilda Hilst
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"Leveza"

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Leve é o pássaro:
e a sua sombra voante,
mais leve.
E a cascata aérea
de sua garganta,
mais leve.
E o que se lembra, ouvindo-se
deslizar seu canto,
mais leve.
E o desejo rápido
desse mais antigo instante,
mais leve.
E a fuga invisível
do amargo passante,
mais leve.
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Cecília Meireles
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"Alegoria do Dia e da Noite"

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São dois cavalos de variado porte,
Cavalgando-os por sonhos, pesadelos,
Descubro o colorido de seus pêlos,
Atento aos pontos cardeais da morte.
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Talvez ao branco, ao preto me reporte,
Levam-me (sem ouvir os meus apelos)
Aonde não sei. Quem poderá detê-los?
Assim talvez à ilha do sonho aporte.
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Soam os dois quais músicas em dueto
E, ao vê-los, minhas lágrimas estanco,
Atos do herói que antes não fui – cometo,
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Poemas de amor do coração arranco.
– Sou noite e morte no cavalo preto,
Sou dia e vida no cavalo branco.
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Colombo de Souza
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"Cantarei o Amor"

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Acima de tudo cantarei o amor
O de Cristo e Confúcio, o de Romeu e D. Juan,
acima de tudo cantarei o amor
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Em todos os momentos, lascivos ou gloriosos,
mansos ou eróticos,
unindo dois ou arrastando milhões,
nascido da ternura ou da revolta,
procriando seres ou idéias,
acima de tudo cantarei o amor.
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O amor-cimento e força -
que constrói e ilumina
que convoca e conquista,
- bola de neve do Bem inevitável -
acima de tudo cantarei o amor.
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E o tirarei do coração
como a hóstia do cálice
ou o sol, da manhã,
ou a espada, da bainha,
- fulcro para a alavanca do meu verso
mover o mundo -
acima de tudo cantarei o amor.
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J.G. de Araújo Jorge
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"Depois do Amor"

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Gosto de te ver assim dolente
Largada, lânguida, luxuriosa
Espirais do cigarro se evolando
E esse olhar perdido
Depois do amor.
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Gosto de te ver assim, um lago calmo,
Brisa suave de uma tarde sonolentaT
epidez, tibieza,
A carne mole após o esgar abrupto
De depois do amor.
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Olhos semicerrados, lentos
Vontade diluída no azul
Satisfeita, preguiçosa, lassa,
Entorpecida, enternecida
Gosto de te ver depois do amor.
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José Magno
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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

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Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas
que parecem negativas, e foram sempre positivas
para mim: Silêncio e Solidão.
Essa foi sempre a área da minha vida.
Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos
mundos geométricos, onde relógios revelaram o segredo
de seu mecanismo e as bonecas, o jogo do seu olhar
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Cecília Meireles
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E assim seguimos a nossa estrada: eu e minha esperança.
Com a bagagem cheia de nada e o coração transbordante de um quase tudo.
Mas andei dois passos e achei grande demais esse mundo para andarmos sós.
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Então chamei a menina (aquela que certo dia eu fui),
daí nós três demos nossas mãos e partimos por esse destino que queríamos ter traçado,
mas que sei que já tem seus próprios caminhos.
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Cáh Morandi
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Foi há muito tempo,
mas descobri que não é verdade o que dizem a respeito do passado,
essa história de que podemos enterrá-lo.
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Porque de um jeito ou de outro, ele sempre consegue escapar.
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Khaled Hosseini
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"A Pálida Luz da Manhã de Inverno"

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A pálida luz da manhã de inverno,
O cais e a razão
Não dão mais 'sperança, nem menos 'sperança sequer,
Ao meu coração.
O que tem que ser
Será, quer eu queira que seja ou que não.
No rumor do cais, no bulício do rio
Na rua a acordar
Não há mais sossego, nem menos sossego sequer,
Para o meu 'sperar.
O que tem que não ser
Algures será, se o pensei; tudo mais é sonhar.
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Fernando Pessoa
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... prá onde posso fugir?
você preenche o mundo inteiro
só me resta perder-me em você
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Ágata e a Tempestade
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domingo, 15 de fevereiro de 2009

Tertúlia Virtual - TEMPO DE POESIA

.Hoje é dia de Tertúlia Virtual... o o tema deste mês é "TEMPO".
.Fiel ao estilo do Blog, publico uma série de poemas, imagens e música sobre o tema.

.Agradeço ao Eduardo P.L. (Varal de Idéias) e ao Jorge Pinheiro (Expresso da Linha) mais uma oportunidade de participar!
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Eu Queria Ter o Tempo e o Sossego Suficientes

.. Eu queria ter o tempo e o sossego suficientes
Para não pensar em coisa nenhuma,
Para nem me sentir viver,
Para só saber de mim nos olhos dos outros, refletido.

. Alberto Caeiro
in "Poemas Inconjuntos"

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"Poeminha Sobre o Tempo"

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O despertador desperta,
acorda com sono e medo;
por que a noite é tão curta
e fica tarde tão cedo?
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Millôr Fernandes
in "Pif-Paf"
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"Tempo Revisitado"

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O tempo a que sempre regressamos
e nos visita um instante
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O tempo que depois destruímos
construímos e ali-
mentamos se nos
alimenta
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O tempo onde a luz buscamos e
a morte sempre
encontramos
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Casimiro de Brito
in "Mesa do Amor"
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"Tempo"

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Tempo — definição da angústia.
Pudesse ao menos eu agrilhoar-te
Ao coração pulsátil dum poema!
Era o devir eterno em harmonia.
Mas foges das vogais, como a frescura
Da tinta com que escrevo.
Fica apenas a tua negra sombra:
— O passado,
Amargura maior, fotografada.
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Tempo...
E não haver nada,
Ninguém,
Uma alma penada
Que estrangule a ampulheta duma vez!
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Que realize o crime e a perfeição
De cortar aquele fio movediço
De areia
Que nenhum tecelão
É capaz de tecer na sua teia!
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Miguel Torga
in 'Cântico do Homem'
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"Tempo"

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O tempo é um velho corvo
de olhos turvos, cinzentos.
Bebe a luz destes dias só dum sorvo
como as corujas o azeite dos lampadários bentos.
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E nós sorrimos,
pássaros mortos
no fundo dum paul
dormimos.
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Só lá do alto do poleiro azul
o sol doirado e verde,
o fulvo papagaio
(estou bêbedo de luz,
caio ou não caio?)
nos lembra a dor do tempo que se perde.
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Carlos de Oliveira
in 'Colheita Perdida'
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Eu fiz um acordo de coexistência pacífica com o tempo:
nem ele me persegue, nem eu fujo dele.
Um dia a gente se encontra...
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Mário Lago
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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

"Três Maria"

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Três garças na árvore, quando passo,
Três meninas... de que brincam?
Que sonhos em penugens terão?
Três senhorinhas no rio emplumadas
Quando já volto... o que bicam? nas águas rasas
O que pescarão?
Quando me vou, deixo três viúvas penadas:
Meus desejos, minhas três graças
Que deuses agora concederão?
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Fernando Campanella
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Se deixassem eu escolher um sabor para a vida
Queria que tivesse o gosto de biscoitos...
Aqueles dinamarqueses em latas azuis
E que a vida tivesse aquele mesmo tamanho,
Aquele mesmo peso e a mesma cor anil...
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(Que a vida fosse assim...)
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Que a vida me chegasse sempre assim:
Como um presente vindo de tuas mãos.
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Cáh Morandi
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Você é a parte que me falta,
Eu sou a peça que lhe completa.
Você é a definição da minha imagem,
Eu sou a continuação do seu pedaço.
Você é a forma que em mim se adapta,
Eu sou o molde em que você se encaixa.
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Sem você sou imperfeita
Você sem mim fica perdido...
E sigo assim inacabada,
Você continua desfeito.
Peças soltas sem sentido
Procurando em vão formar a imagem
Do desejo reprimido
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Leia Batista
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Tive saudades de mim
Quando hoje reparei em casa,
Nas fotos pela sala,
Nos objetos sobre os móveis,
Prestei atenção na música
E uma falta eu me fiz...
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Na hora que cinza jazia
Me reencontrei, me revi!
E tudo que (realmente) sou
Está em detalhes esquecidos...
Estou numa lembrança
Cobrindo-me do pó
De meus sonhos adormecidos
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Cáh Morandi
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"Luzes"

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Eu sei a lua, o sol e a cor dos teus cabelos,
quando na noite a estrela vem me brilhar versos.
E a cada linha e a cada ponto, em teus reflexos,
transcendo a dor e acendo as letras de escrevê-los.
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Misteriosa brisa acalenta as imagens
e nas manhãs despertam rimas no teu corpo.
No cais, um barco atraca sonhos no meu porto,
o mesmo sol, a mesma lua... E essas miragens.
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Eu sei o veio e o rio da paixão que emboca
águas de cachoeiras, lua, sol e os medos.
Eles espelham luzes de um beijo na boca.
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Sei um poeta e, agora, as penas destes dedos
voam nas folhas brancas de estrelas — gaivotas —,
para que à noite eu durma em paz, com meus segredos.
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Nathan de Castro
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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Porque tu és o mar que acolhe os meus destroços

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Fotografia de Kyle Thompson

Porque tu és o mar que acolhe os meus destroços.
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É apenas uma tristeza inadiável, uma outra maneira
de habitares em todas as palavras do meu canto.
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Tenho construído o teu nome com todas as coisas,
tenho feito amor de muitas maneiras, docemente,
lentamente, desesperadamente à tua procura,
sempre à tua procura até me dar conta que estás
em mim, que em mim devo procurar-te,
e tu apenas existes porque eu existo e
eu não estou só contigo mas é contigo que
eu quero ficar só porque é a ti, a ti que eu amo.
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Joaquim Pessoa



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"Indagação"

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Como é o corpo?
Como é o corpo da mulher?
Onde começa: aqui no chão
Ou na cabeleira, e vem descendo?
Como é a perna subindo e vai subindo
Até onde?
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Vê-la num corisco é uma dor
No peito, a terra treme.
Diz-que na mulher tem partes linda
E nunca se revelam. Maciezas
Redondas.
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Como fazem
Nuas, na bacia, se lavando,
Para não se verem nuas nuas nuas?
Por que dentro do vestido muitos outros
vestidos e brancuras e engomados,
Até onde? Quando é que já sem roupa
É ela mesma, só mulher?
E como que faz
Quando que faz
Se é que faz
O que fazemos todos porcamente?
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Carlos Drummond de Andrade
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"Sintomas de Ausência Tua"

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Chove lá fora e é inverno no meu peito
A tua ausência desenha um mundo cinza
O teu contágio latente manifesta
Garimpo o teu perfume rarefeito...
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Tudo em mim te cobra e te precisa.
Meu coração de válvula sangrenta
Me impregna na mente e me ordena:
“Te procurar feito louco entre as caras!”
Me põe na rua atropelando medos
Pra te encontrar no sul da madrugada
Nua de todo e qualquer que nos separe
Ardendo em febre e o amor preso entre os dedos.
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Altair de Oliveira
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"Alma de Palhaço"

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Desbotaram as cores,
envelheceram lembranças
da noite para o dia,
ou não?...
Nada mais de utopia ou fantasia
só a realidade nua e fria,
acabou a farsa!
Pincelo com fúria a tela sem vida,
uso cores das angústias sentidas.
Mascaro a pálida face,
uso massa ou argamassa
não quero que ninguém veja,
preciso de um disfarce
que endureça a tristeza.
Cubro de luto o corpo,
vivi por um amor bandido
hoje morto, banido!
Sob o manto do não ser
desvenda-se o não ter,
revela-se o não mais querer,
oposto do que pensei existir
desfaz-se o esforço de tanto insistir,
cai a lona...
Na trincada taça dos sonhos
transborda o sangue da dor,
sorvo da desilusão o amargor
de uma só vez!
Tranco os sonhos no armário escuro
e nesse circo desleal e impuro,
amordaço emoções, calo o verso.
Mesmo no reverso, acho forças para sorrir...
Coração trincado em estilhaços,
por fora, matéria feita de aço;
por dentro, chora minha alma de palhaço...
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Ana Peralva
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"Sete Poemas de Amor"

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:::::DO AMOR:::::
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I
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" O amor é isso
Um dar tomar-se
Sem compromisso."
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II
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"O amor é isso
Pouca nuvem
Muito viço"
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III
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"O amor é isso
Tu me acendes
Eu te atiço."
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IV
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"O amor é isso
De um barco
Passadiço"
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V
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"O amor é isso
Serviçal
E serviço"
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VI
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"O amor é isso
Cama e mesa
Com chouriço."
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VII
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"O amor é isso
Aparição
E sumiço."
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José Magno
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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

...
Procurarei meu rosto na água, no vidro, nos olhos alheios.
Duvidarei de mim, que me contemplo,
Da água, dos vidros , dos olhos que me refletem.

.Procurarei meu rosto dentro da terra, no chão do planeta onde vou ficar...
Em que pólo te poderei alcançar, ó rosto meu, incerto e fixo

Ó fugitivo predeterminado,
Ó eterno mortal?

.Procuro-te – para sentir o molde de onde vieste,
Ó cópia dolorida.

.Que conseguiste, afinal, preservar da essência a que pobremente serves?

.Cecília Meireles

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"Que Vos Daria?"

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Se tiverdes um dia um capricho, senhora,
Um capricho, um delírio, uma vontade enfim,
Não exijas o carro azul que monta a Aurora
Nem da estrela da tarde o plaustro de marfim;

.Nem o mar, que murmura e aí vai por mar em fora
Nem o céu doutros céus, elos de céu sem fim,
Que se isso fosse meu, já vosso, há muito, fôra.
Fôra vosso o que é grande e anda em torno de mim...

.Mostrásseis num só gesto ingênuo, um só desejo...
O universo que vejo e os outros que não vejo
Sofreriam por vós vosso último desdém.

.Que faríeis dos sóis, grãos vis de areias douro
Mulher! Pedi-me um beijo e vereis o tesouro
Que um beijo encerra e o amor que um coração contém.

.Luís Delfino
..

"Desencantado"

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Não me devolva o sapatinho que perdi
Prefiro o prazer da liberdade
dos meus pés descalços.
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Não me acorde do êxtase
provocado pela doce maçã enfeitiçada
que minha curiosidade me levou a provar.
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Não reduza meu espaço
Ao teu reinado.
Não me retire da minha torre
Prá me trancar em teu castelo.
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Domei dragões
e desfiz feitiços.

Já sou feliz pra sempre!
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Fabiane Ponte
..
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Silencioso dentro da noite
Fluir, leve andar
descalço inflar lentamente os pulmões
pesar cada passo sentir
cada instante entrar
silencioso dentro
da noite
como se ela
fosses tu
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Leo Lobos
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"Espera"

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Sabia que você não viria
E usei o tempo para me enfeitar
Preguei flores no cabelo
Dancei em frente ao espelho
Apenas pra te esperar
Rosea, linda e sorridente
Com estrelas no olhar
Me embrulhei toda pra presente
E me pus toda contente
Contar as horas pra você voltar
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Victtoria Rossini
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terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

"Marcas"

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Meus gatos deixam marcas pelas paredes
ao entrarem pelas janelas, na madrugada.
Homens me deixaram marcas de lágrimas no rosto,
ao saírem na madrugada.
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Ambas marcas facilmente removíveis
com água limpa.
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As marcas na alma?
Estas removo-as com poesia.
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Ivy Wyler
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"Faz-me o Favor"

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Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.
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É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das caras e dos dias.
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Tu és melhor - muito melhor! -
Do que tu.
Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.
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Mário Cesariny
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"Como É Por Dentro Outra Pessoa?"

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Como é por dentro outra pessoa?
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Como que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.
Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.
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Fernando Pessoa
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