segunda-feira, 31 de agosto de 2009

"Auto-análise"

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Se eu deitar num divã,
encontrarei o meu ego,
olhando firme, pra mim,
Só quer me ver este cego!
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Me deparar, vejam só, com coisas que sempre nego.
De sentir amargor na fruta doce que pego.
De castigar a lembrança, com imagens que renego.
De só gostar do que tenho, quando ao desprezo relego!
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Se eu deitar num divã,
perceberei o meu ego
dizer, zombando de mim:
- Depois eu, que sou o cego!
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. Naura Vieira dos Santos

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domingo, 30 de agosto de 2009

"Infância"

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foto: Edgard Thomas
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O que é aquilo
no bico do bem-te-vi?
Será minhoca, será capim?
Será a comida do filhote
ou um novo ninho no jardim?
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Fernando Campanella
1994

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sábado, 29 de agosto de 2009

"As Três Moiras"

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Lá, onde só a imaginação alcança,
fiam o destino dos homens, três tecelãs:
Clotho tece o fio da vida e da morte,
Láquesis decide o comprimento e sorte,
Átropos executa o corte.
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Lã que enrola o novelo da vida
que o tempo tempera e
Leva.
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. Kátia Cornélius

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sexta-feira, 28 de agosto de 2009

"Flecha ainda"

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No coldre a flecha é flecha ainda
na mão do arqueiro é mira
no teso do arco é seta
no ar voando rápido é sina
encravada na árvore é seiva
na fruta cortada: história
no alvo: conquista
e no corpo alheio é visita
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Helder Rodrigues

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quinta-feira, 27 de agosto de 2009

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Dentro do trem tem.
Dentro do trem estranho, estranhos têm. Alguns vêem, outros vêm. Alguns não,
outros lêem. Dentro do trem tem quem tem e quem não tem, também tem. Pára
na estação. Fica parado. Arranca, pára. Estranhos no trem têm.
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Tem trem e não tem também. Se vai, também vem. Se fica, arranca, pára, abre
portas também. Têm trens, apressados têm. Uns vêem, outros crêem. Têm trens,
rápidos trens. No horário, o trem vem. Abre portas, mostra o que contém. Tem trem. Forte trem. Estranhos têm. Fica trem. Vai trem. Pára trem. Abre portas trem.
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Vou eu também.
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Paulo Gontran Ramos

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quarta-feira, 26 de agosto de 2009

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Quem são?
Quem são estas crianças?
Com seus olhos baços e mortiços
Que mendigam pelos guetos, pelos becos...
Pelas ruas sem saídas de suas vidas.
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Quem são, essas crianças?
Que nos olham com seus olhos velhos,
Com seus rostos opacos e sonhos mortos,
De esperanças de uma vida risonha e feliz.
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Quem são, essas crianças?
Que nos atacam nas esquinas e se escondem da infância,
E nós fingimos não ver para não sofrer.
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Quem são essas crianças?
Que vão passando pela vida
sem levar nada.
E nós, deixando de olhar para não sentir.
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Marisa Cardoso Piedras

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terça-feira, 25 de agosto de 2009

"Amo(r)torneiro"

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No bonde gaiola da vida, João, condutor,
Sua solidão conduzia.
Na parada viu Maria, passageira,
Solitária à espera de um amor.
O coração disparou,
O bonde, ele parou,
Mas o coração descarrilhou.
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José Eduardo Boeira

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segunda-feira, 24 de agosto de 2009

"Previsão"

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A meteorologia
(palavra sem poesia)
avisa: chuva nem pensar,
continuará seco:
o pampa, a serra,
o planalto, o litoral...
a boca, a alma e o corpo,
seguem a previsão:
secos, (coisas do coração).

.Haydeé Schlichting Hostin Lima



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domingo, 23 de agosto de 2009

"Modernidades"

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Web
msn
orkut
scrap
blogs
emails...
. mesmo assim,
solidão em mim.
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. Eliane Alberche

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sábado, 22 de agosto de 2009

"Construindo o Ninho"

foto: João MacSantos
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Eu vi um pardal
com ervas esparsas
a construir seu ninho.
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Oh, jardineiro do instinto
(oh, mestre dos ventos)
eu toco vossos tons,
eu canto vossos atos -
eu danço a vós -
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sou vossa cria,
velai gentilmente
por minha poesia.
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Fernando Campanella

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sexta-feira, 21 de agosto de 2009

"Sinal Vermelho!

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Pare.
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Olhe.
.Escute.
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A vida está passando...
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Diego Araújo da Rosa
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quinta-feira, 20 de agosto de 2009

"Ícaro"

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Visto asas sobre as cinzas
e alço vôo
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Em atropelos de aeroplanos
bordo andorinhas no silêncio
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Danielle Ferreira Sibonis

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quarta-feira, 19 de agosto de 2009

"Jardineiro"

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Cultivo você em mim
como a uma orquídea, à sombra.
Cultivo você em mim
desta forma delicada, às vezes, travessa.
Cultivo você em mim
com certo desamparo e silêncio.
Cultivo você e a mim
com o zelo de um jardineiro ao seu jardim.
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Daniel Fernando Ribeiro

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terça-feira, 18 de agosto de 2009

"A Vida em Cenas"

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No circo, o homem pinta a cara
e faz piruetas para o povo sorrir;
no palco, o homem, num ato cênico,
teatraliza o real para o povo se divertir;
no palanque, o homem, num ato cínico,
realiza, teatral, o seu projeto pessoal,
com a cara lisa e o bolso cheio
do real alheio;
e ao povo enganado, nem pão nem circo.
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Carlos Alberto de Assis Cavalcanti
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segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Rotina

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Segunda de novo
outra vez segunda.
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E agora,
pra onde eu fujo,
dessa vida de ovo?
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Cláudia Alves

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domingo, 16 de agosto de 2009

"Sentido de Quê"

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Quem não ouve
Não vê
Quem não vê
Não sabe
Quem não sabe
Não ouve
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E o que houve?
Não sei
Não vi
Não ouvi
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Alexandre Voelcker

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sábado, 15 de agosto de 2009

"Trilhas"

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Urgência de ser eu mesmo,
cansaço de não me achar,
as rugas fizeram mapas
de não saber procurar.
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Corpos de tantas miragens,
versos de pouco dizer,
será que jamais me acabo
para, de novo, nascer?
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Alberto Cohen

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sexta-feira, 14 de agosto de 2009

"Haikai"

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Valeu mesmo a pena?
A cada milhão
duas pontes de safena?
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Rafael Vecchio

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quinta-feira, 13 de agosto de 2009

"Olá Passageiro"

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Olá passageiro!
desculpe-me
se roubo alguns segundos de sua viagem
mas são do poema
essas pequenas contravenções penais
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não vendo nada
muito menos propago qualquer religião
apenas convido-o
a olhar através da janela o que passa
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reescreva o que vê
como um jovem que descobre o amor
ou um velho que reencontra a alegria do viver
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saborear o mundo que nos rodeia
com o prazer da descoberta de um modo apaixonado e torto
é encontrar o verso livre em você
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Carlos Pessoa Rosa

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quarta-feira, 12 de agosto de 2009

"Aos Poucos"

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Aos poucos,
pelos vãos dos dedos,
pelos nãos dos medos,
pelas mãos dos ledos,
pelos sãos dos credos;
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perdemos um pouco
do tudo que temos.
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E nos escondemos no sorriso mudo dos profetas,
na esquálida esperança das garrafas vazias.
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Porque perdemos tudo:
as praças, as taças e os brinquedos;
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assim,
pelos vãos dos dedos.
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Marcelo Lopes

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terça-feira, 11 de agosto de 2009

"(H)ai, Kaí[na realidade] "

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(H)ai, Kaí[na realidade]
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Chocante é a água
Que brilha no olho
E vira uma lágrima
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Magali Velasco Eidt
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segunda-feira, 10 de agosto de 2009

"O Tempo Abandonado"

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Já reparou quanta poesia há num relógio parado?
Um relógio estragado é uma afronta, um protesto
Contra o tempo inventado pelos homens.
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Um relógio parado desafia a velocidade.
Um ponteiro estático não marca o tempo
Marca permanência. Exerce eternidade.
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O trágico silêncio dos ponteiros
É uma elegia às horas mortas
Cada ato de um relógio estragado
Desassossega o efêmero.
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Um relógio inútil desafia todos os minutos
Ilude o atraso, dói o tempo...
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Um tempo morto, esquecido abandonado.
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Jéferson de Souza Tenório

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domingo, 9 de agosto de 2009

"Disfarces"

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Quando travestida em matas
me faço abelha laboriosa, fecunda
fabricando o mel-do-monte.
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Quando travestida em mar
brinco ser golfinho azul e sem alarde
comungo alegria com sereias. Sem confronte.
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Quando travestida em rios
acalanto canoas no cais dos terraços
na hora em que o sol se esconde.
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Quando travestida em lagos
igual aos lagos de Monet
pinto ninféias sob pequenas pontes.
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Quando travestida em cidade. Deus!
Leio Quintana para disfarçar a saudade.
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Ivanise Mantovani

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sábado, 8 de agosto de 2009

"Estagiário"

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Tempo inimigo
Zombeteiro,
Não facilitador, ingrato
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Quando se acha
que realmente aprendeu alguma coisa,
Acabou o contrato.
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Eduardo Morais

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sexta-feira, 7 de agosto de 2009

"Epitáfio"

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Foi difícil me engolir?
Voltarei com bula
Em forma de elixir.
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Ana Mello

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quinta-feira, 6 de agosto de 2009

"Artesanato"

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Busco aquelas semanas
em que a avó trêmula
pintava bules de porcelana
e ouvia orquestra de orquídeas.
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Traço rascunhos
de um bule pintado
de cacos, quedas e
gemidos de valquírias.
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Sigo estradas tricotadas:
não há teor de mãos eruditas
ou chás de camomila.
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Bianca Zanini
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quarta-feira, 5 de agosto de 2009

"Juras de Amor"

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Juro pelos Girassóis de Van Gogh
Pelos Relógios Moles de Salvador Dali
Pelos versos de Fernando Pessoa
Pela Estátua de Davi
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Juro pela Odisséia de Homero
Pelo Édipo Rei de Sófocles
Pelas Sinfonias de Beethoven
Pela sapiência de Sócrates
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Juro pelo Dom Quixote de Cervantes
Pela Mona Lisa de Leonardo da Vinci
Juro pela Divina Comédia de Dante
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Juro por tudo em que me ufano
Pela sabedoria de Confúcio
Juro por Deus que te amo!
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Cosme Custódio

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terça-feira, 4 de agosto de 2009

"Aquecimento Global e o Universo Feminino"

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Calorões em pleno inverno.
Estaria a Mãe Terra
entrando na menopausa?
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Fernanda Lemos Tatsch

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segunda-feira, 3 de agosto de 2009

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Isso dentro dos teus olhos
que viaja
pula corda
e toca flauta
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seria um poema meu?
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Ana Luiza Trindade de Melo

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domingo, 2 de agosto de 2009

"Reflexo"

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. No quarto escuro
Um pé de vento
Chutou minha janela
E saiu andando.
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Um relâmpago clareou minha angústia.
Um trovão acordou minha noite.
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Tentei fugir pelo espelho,
Percebi que já estava dentro,
Eu era o reflexo do meu medo.

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Said Lucas de Oliveira Salomón

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sábado, 1 de agosto de 2009

"Inventário da Goiabeira"

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Meio século de idade
Atestados
Por barba de bode
Que pedem dos galhos
Declarações de amor
Gravadas no tronco
E um balanço
Que há muito tempo espera
Por criança que cresceu
E de goiabeira e folguedos
Infelizmente se esqueceu.
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Domingos Fábio dos Santos
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