segunda-feira, 21 de maio de 2012

"Cada Amor"


 The Fairy Frog – Digital Art by Tiana Fair – June 2009

O luar sobre a lagoa
cada amor em meu lugar
e já não ha metáforas - o belo
para mim é também o sapo.

Fernando Campanella 



domingo, 20 de maio de 2012

"Dias Inúteis"



Fotografia de Maggie Steber

Ficarão perdidos os dias que 
não tivemos juntos. 

Dias inúteis encostados a paredes 
e muros envelhecidos.

Dias sem calendário, horas evasivas 
e fugidias, desperdiçadas, afundadas 
em rios sem margens nem pontes. 

Noites, noites e mais noites deitadas fora 
como casas desabitadas. 

Carlos Lopes Pires

sábado, 19 de maio de 2012

"O Último Poema"



Fotografia de Justin Bailie

Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais 
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Manuel Bandeira

sexta-feira, 18 de maio de 2012




Fotografia de Alexander Paal

Fica sentida, não. É noite ainda.
Há uma escuridão enorme
na porta. Bate. Ouve? Pede
para entrar em tua casa. Não
abra. Fica quieta enquanto arde,
e esta solidão selvagem fecha
a passagem para fora. Ah, tudo
é breu e brisa na paisagem.
Mas o medo evapora. Sente?
Fica firme. Paciente. Da tua pele,
a aurora já prepara voo breve.

Katia Borges



quinta-feira, 17 de maio de 2012

"Miradoiro"



Fotografia de Joson

Não sei se vês, como eu vejo,
Pacificado,
Cair a tarde
Serena
Sobre o vale,
Sobre o rio,
Sobre os montes
E sobre a quietação
Espraiada da cidade.
Nos teus olhos não há serenidade
Que o deixe entender.
Vibram na lassidão da claridade.
E o lírico poema que me acontecer
Virá toldado de melancolia, 
Porque daqui a pouco toda a poesia
Vai anoitecer.

Miguel Torga

quarta-feira, 16 de maio de 2012

"Flor da Ausência"



Fotografia de Mike Grandmaison

Amarga
essa flor
que se chama amor.

Amarga
essa doçura
a flor da ausência.

Amarga
essa tristeza
que se chama despedida.

Amarga
essa flor do ventre
cujo nome é desejo.

É amarga a boca
que tem o sal da lágrima.

E nesse agridoce
permanece o jogo trágico
das palavras, Amada.

No chão em que piso
baila uma bailarina
cujo nome é solidão.

Joaquim Moncks


terça-feira, 15 de maio de 2012



Fotografia de Julian Calverley

Havia
na minha rua
uma árvore triste

Quebrou-a o vento

Ficou tombada,
dias e dias,
sem um lamento
(Assim fiquei quando partiste)

Saúl Dias


segunda-feira, 14 de maio de 2012

"Sr. Frio"



Desconheço a autoria da imagem


Por favor
detenha-se
nas noites.

proponho

tréguas, sr. frio...

C.Santana


domingo, 13 de maio de 2012

"Diante dos Dois Retratos de Minha Mãe"

.

Desconheço a autoria da imagem.

Amo minha mãe neste quadro plano
Pintada nos seus anos de menina
Face alva, olhar que ilumina
Tal qual um espelho veneziano

Aqui, minha mãe, não é mais suprema
Rugas marcam seu rosto conservado
Perdeu o brilho do tempo passado
De núpcias cantadas como poema.

Hoje eu comparo os dois descontente
A face alegre e a face triste
Densa névoa em áureo poente.

Mistério no meu coração persiste
Por que, aos lábios tristes, eu sorri?
E ao sorriso, chorei, quando o vi?.

Émile Nelligan

1879-1941


.

sábado, 12 de maio de 2012



Fotografia de Jack Spencer

Recordo-te a respirar ali
a casa no silêncio
o silêncio em ti
tu em mim
e depois não me lembro de mais nada

Sarah Adamopoulos


sexta-feira, 11 de maio de 2012



"Luz da Manhã", de Eduardo Ventura

Quando, daqui a umas horas a manhã vier, branca e fina,
saberei eu andar?
Conseguirei eu, lembrar-me, de como se põe um pé à frente
do outro? Sem cair...


Al Berto
in À Procura do Vento Num Jardim D'Agosto


quinta-feira, 10 de maio de 2012



Fotografia de Paula Marina

Tudo o que ficou por dizer
porque de repente
era a hora do combóio
ou um telefone longínquo tocava
ou um qualquer acidente aconteceu.

Tudo o que ficou por dizer
porque o pudor calou a voz
porque um orgulho surdo a interrompeu
porque as palavras talvez já nem chegassem
ou era tarde
e o cansaço aos poucos foi levando a melhor.

Tudo o que ficou por dizer
porque a dor doía em demasia
e era necessário que as palavras
fossem capazes de ser claras como o ar
porque as palavras traem
como gumes de facas que nos cortam.

Tudo o que ficou por dizer
porque a tristeza apertou tanto a garganta
que nenhum som saía
nem o olhar continha
em desespero
uma lágrima ainda assim contida.

Tudo o que ficou por dizer
porque o tempo urgente
se esvaía
e de repente já não estava
no lugar a quem havia que o dizer
quem ainda há pouco nos ouvia.

Tudo o que ficou por dizer
e tudo
o que ficou por dizer
ou tudo
sempre
por dizer.

Bernardo Pinto de Almeida


quarta-feira, 9 de maio de 2012

Precisava de falar-te ao ouvido



Desconheço a autoria da imagem

Precisava de falar-te ao ouvido
De manter sobre a rodilha do silêncio
A escrita.
Precisava dos teus joelhos. Da tua porta aberta.
Da indigência. E da fadiga.
Da tua sombra sobre a minha sombra
E da tua casa.
E do chão.

Daniel Faria


terça-feira, 8 de maio de 2012

"Pombas"



Imagem daqui

No corredor, plantação de celas,
pombas vêm, pombas voltam, a espaços.
Digo que meus olhos vão com elas...
Mentira. E as pernas? E os braços?

Levanta a espinha, Coração,
não vês que assim me tombas?
Amanhã, tu e a asa da minha mão
também irão como as pombas.

Luís Veiga Leitão
In "Longo Caminho Breve"


segunda-feira, 7 de maio de 2012

"Esta Saudade És Tu"



Desconheço a autoria da imagem

Esta saudade és tu.. . E é toda feita
de ti, dos teus cabelos, dos teus olhos
que permanecem como estrelas vagas:
dois anseios de amor, coagulados.

Esta saudade és tu ... É esse teu jeito
de pomba mansa nos meus braços quieta;
é a tua voz tecida de silêncio
nas palavras de amor que ainda sussurram.

Esta saudade são teus seios brancos;
tuas carícias que ainda estão comigo
deixando insones todos os sentidos.

Esta saudade és tu ... É a tua falta
viva, em meu corpo, na minha alma, viva,
... enquanto eu morro no meu pensamento.

J. G. de Araújo Jorge


domingo, 6 de maio de 2012


Desconheço a autoria da imagem

A verdade, mais tola e mais simples, mais certa
e mais secreta
é que me fazes falta,
esse vácuo, esse oco sem precisão ou contorno,
sem nome ou lógica.
Tu me fazes falta e me fazes carregar comigo
uma ausência indefinível e perpétua,
 um esgar que é antes um tatear no vazio
do que um estender de mão em direção a algo.
Tu me fazes falta, me cavas um buraco,
pões em meu rosto um borrão que não me desfigura,
antes me torna um enigma para mim mesma.
E venho me definindo e me reconfigurando ao redor disto:
da tua falta.
Sou esta que se ressente da tua ausência
sem saber mais sequer como é a tua presença,
que forma tem o teu corpo, qual o cheiro do teu hálito,
qual a cor dos teus olhos, que gosto tem a tua boca assim que despertas.
E no entanto sei disso: me fazes falta,
essa falta ampla e completa que toma o dia
cada vez que me vem o teu nome,
essa falta que abre uma fresta no tempo,
que suspende os ruídos do mundo,
que modifica a direção do vento
e que toma o centro de mim
e ao redor da qual eu brinco de ser uma outra,
que eu inventei para parecer que continuei vivendo.

Patrícia Antoinette



sábado, 5 de maio de 2012

"Noutra Praia"



Fotografia de Ben Welsh

Mas tu pensas 
que o mar te não esqueceu:

por isso voltas cada ano a esta praia 
onde tudo o que permanece te ignora; 

e encaras o mar como se fosses tu, 
ainda tu, 
quem recebe na face a mudança dos ventos 

Luís Filipe Castro Mendes


sexta-feira, 4 de maio de 2012

"Para a Manhã"



Fotografia de Daniella Pagnoncelli

Rosa acordada, que sonhaste?
Nas pálpebras molhadas vê-se ainda
Que choraste... 

Foi algum pesadelo?
Algum presságio triste?
Ou disse-te algum deus que não existe
Eternidade? 

Acordaste e és bela:
Vive!
O sol enxugará esse teu pranto
Passado. 

Nega o presságio com perfume e encanto!
Faz o dia perfeito e acabado!

Miguel Torga


quinta-feira, 3 de maio de 2012

"Deixei de Ouvir-te"



Fotografia de Haroldo Brito

Deixei de ouvir-te. E sei que sou 
mais triste com o teu silêncio. 

Preferia pensar que só adormeceste; mas 
se encostar ao teu pulso o meu ouvido 
não escutarei senão a minha dor. 

Deus precisou de ti, bem sei. E 
não vejo como censurá-lo 

ou perdoar-lhe. 

Maria do Rosário Pedreira

quarta-feira, 2 de maio de 2012

"Carência"


Fotografia de Geo Rittenmyer

Não sei sobre pássaros,
não conheço a história do fogo.
Mas creio que minha solidão deveria ter asas.

Alejandra Pizarnik


terça-feira, 1 de maio de 2012

Sei agora como nasceu a alegria



Fotografia de Kirn Vintage Stock

Sei agora como nasceu a alegria,
como nasce o vento entre barcos de papel,
como nasce a água ou o amor
quando a juventude não é uma lágrima.

É primeiro só um rumor de espuma
à roda do corpo que desperta,
sílaba espessa, beijo acumulado,
amanhecer de pássaros no sangue.

É subitamente um grito,
um grito apertado nos dentes,
galope de cavalos num horizonte
onde o mar é diurno e sem palavras.

Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias.

Eugénio de Andrade