quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Poema nonagésimo quarto


Arte do Pintor surrealista Alexander Sigov - 1955

Observo-te. Como um deus antigo que não sabe
escrever.

Os deuses, meu amor, não sabem escrever 
porque não precisam. Para isso criaram os poetas, 
os inquietos escribas do amor. 

Os que há milhares de anos 
continuam a beber e a fazer canções para acompanhar 
a bebida. 

E tratam das palavras como das rosas, e os poemas 
como terra perfumada para dar mais vida à vida. E acordam 
a água, sussurrando um nome de mulher. Porque o poeta 
não é só um poeta, é também um homem, um amante comum, 
com um amor comum e uma dor comum.

O poeta acredita, meu amor, que só um deus não é analfabeto:
aquele que sabe escrever até por linhas tortas.

Joaquim Pessoa, in Guardar o Fogo (Texto com supressões)

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