segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Solidões






 
 Arte de Toulouse Lautrec

Eles têm razão
essa felicidade
pelo menos com maiúscula
não existe

ah, mas se existisse com minúscula
seria semelhante à nossa breve
pré-solidão

depois da alegria vem a solidão
depois da plenitude vem a solidão
depois do amor vem a solidão

já sei que é uma pobre deformação
mas o certo é que nesse durável minuto
a gente se sente
só no mundo

sem posses
sem pretextos
sem abraços
sem rancores

sem as coisas que unem ou separam
e nesta única maneira de estar só

a gente sequer tem piedade de si mesmo
os dados objetivos são como segue

há dez centímetros de silêncio
entre tuas mãos e minhas mãos

uma fronteira de palavras não ditas
entre teus lábios e meus lábios

e algo que brilha um pouco triste
entre teus olhos e meus olhos

claro que a solidão não vem sozinha
se a gente olha por sobre o ombro seco
de nossas solidões
vê um longo e compacto impossível

um singelo respeito por terceiros ou quartos
esse percalço de ser boa gente

depois da alegria
depois da plenitude
depois do amor
vem a solidão

está certo
mas
o que virá depois
da solidão

às vezes não me sinto
tão só
se imagino
ou melhor se sei
que além da minha solidão
e da tua
ainda estás aí
mesmo que se perguntando sozinha
o que virá depois
da solidão.

Mário Benedetti





Nenhum comentário:

Postar um comentário

Que bom que você veio! A casa é sua, puxe uma cadeira... aceita um café, uma água, ou prefere algo mais forte?