sábado, 11 de abril de 2020

Guarda-me adormecida para sempre no teu peito


Arte: Serena Bonnano

Guarda-me 
adormecida para sempre no teu peito

ou deixa-me voar uma vez mais sobre 
esta terra de ninguém onde morro 
por qualquer coisa que me fale de ti

Há noites assim em que o silêncio 
se transforma ao de leve numa lâmina 
que minuciosamente rasga o linho 
onde ficou esquecido o corpo que habitamos
em provisórias madrugadas felizes

Depois é só abrir os braços e acreditar
que ainda faltam muitas horas para a partida
e que à-toa pelos corredores ainda escorre
uma razão primeira a trazer-me de volta

E eu adormecida para sempre 
no teu peito

E eu acorrentada para sempre 
no teu peito

E de novo entre nós aquele choro de quem
não teve tempo de preparar a despedida
com as palavras certas;
porque as palavras certas
estavam todas em histórias erradas
que outros escreveram em lugares nublados
que nem vale a pena tentar recompor

Muito ao longe uma voz desgarrada
estabelece o fim do verão

E eu adormecida para sempre 
no teu peito

e eu acorrentada para sempre 
no teu peito

Alice Vieira 



 

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