domingo, 11 de maio de 2025

Pergunta-me

 

Fotografia de Mari Becker

Pergunta-me,
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue.

Pergunta-me,
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos.

Pergunta-me,
se voltei a te encontrar
de todas às vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser

se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente.

Qualquer coisa,
pergunta-me qualquer coisa,
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente,
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo, sem te responder
saibas o que te quero dizer.


Mia Couto





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