Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

domingo, 28 de agosto de 2011

"Ética"


Cena do filme “Shortbus”, de John Cameron Mitchel

Vou falhando as pequenas coisas
que me são solicitadas.
Sentindo que as ciladas
se acumulam cada vez que falo.
Preferi hoje o silêncio.
A ausência de equívocos
não é partilhável.
No inegociável deste dia,
destituo-me de palavras.
O silêncio não se recomenda.
Deixa-nos demasiado sós,
visitados pelo pensamento.

Luís Quintais
in «Lamento», 1999


sábado, 27 de agosto de 2011

"Declaração de Bens"

“Criança no Jardim”, de Cybele Belschansky

Tenho graxas em meu coração
e begônias e quanto mais.
Tenho casas brancas e casebres
ou vetustas coloniais.

Tenho o susto dos pássaros
e o sono dos séculos
e um amor que nasce da água
e da manhã em paz.

Tenho armários embutidos cheios de sonhos
e canções que esperam nos portais.
Tenho contos de fadas não contados.
Tenho cômodos vazios, que cabem mais.

José Irmo Gonring
11.08.1949 in Água dos Dias e do Curso do Rio


sexta-feira, 26 de agosto de 2011

"Trabalho"


“The Evening Prayer”, de Jean François Millet - 1859

Um homem e uma enxada
até o sol se pôr
compõem poemas
que eu penso compor.

Lastimável mundo novo.

Em que esquina te perdestes,
admirável mundo velho?
E o homem, filho da terra,
irmão gêmeo da natureza,
em que sonho se perdeu?

Luiz Carlos Amorim
1953


quinta-feira, 25 de agosto de 2011

"O Pão"


Desconheço a autoria da imagem

O pão que mastigas
Com lascas de lua,
Penetra tua noite
E leva pelos caminhos da fome
Trigais ao vento.
Em tua memória
Marcaste com grãos
O atalho dos dias na floresta.
Retorna sobre ti mesmo
E terás descoberto o poema,
Colhe as espigas floridas de teu passo,
E terás descoberto a vida.

Paulo Bomfim
Poema da Descoberta, in Calendário


quarta-feira, 24 de agosto de 2011

"Esperança"


Fotografia de Maciej Dakowicz

Esperança
Quero que sejas
A última palavra
Da minha boca
A mortalha de sol
Que me cubra e resuma.
Mas como à despedida só há bruma
No entendimento
E o próprio alento
Atraiçoa a vontade,
Grito agora o teu nome aos quatro ventos.
Juro-te, enquanto posso, lealdade
Por toda a vida e em todos os momentos.


Miguel Torga


terça-feira, 23 de agosto de 2011

"Canção Em Outras Palavras"


Desconheço a autoria da imagem

O melhor cuidado com o amor
é deixar que floresça,
pois amor não se cultiva: é flor
selvagem, bela por ser livre.
Como as estações do ano, ele se abre,
dorme, e volta a perfumar a vida.
Amor é dom que se recebe
com ternura, para que não pereça
sua delicadeza em nossa angústia.
O amor não deve encerrar a coisa possuída,
mas ser parapeito de janela, ou cais
de onde se desprendam os revôos
e partam os navios da beleza
para voltar ou não, conforme amarmos:
nem de menos
nem de mais.

Lya Luft


segunda-feira, 22 de agosto de 2011


Desconheço a autoria da imagem

Um lugar deve existir
Uma espécie de bazar
Onde os sonhos extraviados
Vão parar
Entre escadas que fogem dos pés
E relógios que rodam pra trás
Se eu pudesse encontrar meu amor
Não voltava
Jamais.


Chico Buarque de Hollanda


domingo, 21 de agosto de 2011

Haikai

 
 
A folha caindo
esboça durante a queda
um balé de graça
 
Delores Pires

sábado, 13 de agosto de 2011

"Em Pé"


Imagem daqui

Continuo em pé
por pulsar
por costume
por não abrir a janela decisiva
e olhar de uma vez a insolente
morte
essa mansa
dona da espera

Continuo em pé
por preguiça nas despedidas
no fechamento e demolição
da memória

Não é um mérito
outros desafiam
a claridade
o caos
ou a tortura

Continuar em pé
quer dizer coragem

Ou não ter
onde cair
morto

Mario Benedetti


sexta-feira, 12 de agosto de 2011

"Canção em Campo Vasto"


Desconheço a autoria da imagem

Deixa-me amar-te com ternura, tanto
que nossas solidões se unam,
e cada um falando em sua margem
possa escutar o próprio canto.

Deixa-me amar-te com loucura, ambos
cavalgando mares impossíveis
em frágeis barcos e insuficientes velas,
pois disso se fará a nossa voz.

Ajuda-me a amar-te sem receio:
a solidão é um campo muito vasto
que não se deve atravessar a sós.

Lya Luft


quinta-feira, 11 de agosto de 2011

"Poema VIII"



Desconheço a autoria da imagem

Foi para ti que criei as rosas.
Foi para ti que lhes dei perfume.
Para ti rasguei ribeiros
e dei às romãs a cor do lume.

Foi para ti que pus no céu a lua
e o verde mais verde nos pinhais.
Foi para ti que deitei no chão
um corpo aberto como os animais.

Eugénio de Andrade


quarta-feira, 10 de agosto de 2011

"Intimidade"


Fotografia de Alvescatarina

No coração da mina mais secreta,
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,

Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,

No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade.

José Saramago


terça-feira, 9 de agosto de 2011

"Eternidade"


Desconheço a autoria da imagem

A vida passa lá fora,
Ou na pressa de uma roda,
Ou na altura de uma asa,
Ou na paz de uma cantiga;
E vem guardar-se num verso
Que eu talvez amanhã diga.

Miguel Torga


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

"Psicórdica"


Imagem daqui

Vamos dormir juntos, meu bem,
sem sérias patologias.
Meu amor, este ar tristonho
que eu faço pra te afligir,
um par de fronhas antigas
onde eu bordei nossos nomes
com ponto cheio de suspiros.

Adélia Prado



quarta-feira, 3 de agosto de 2011

"Solidão"


Desconheço a autoria da imagem

Alguém joga xadrez com minha vida, alguém me borda do avesso,
alguém maneja os cordéis.
Alguém me inventa e desinventa como quer: talvez seja esta a minha condição.
Alguém dirige o teatro de sombras no qual fui ré sentenciada.
Finjo entender de tudo: ando de um lado e outro, faço gestos com a mão,
cuspo as sementes do fruto entalado na garganta como um grito:
Alguém aí pode me ouvir?
Ninguém reage, ninguém tenta aplaudir:
Nesse reino todos usam disfarces, menos a solidão.

Lya Luft


terça-feira, 2 de agosto de 2011

"A Casa é Sua "

Desconheço a autoria da imagem

Não me falta cadeira
Não me falta sofá
Só falta você sentada na sala
Só falta você estar

Não me falta parede
E nela uma porta pra você entrar
Não me falta tapete
Só falta o seu pé descalço pra pisar

Não me falta cama
Só falta você deitar
Não me falta o sol da manhã
Só falta você acordar

Pras janelas se abrirem pra mim
E o vento brincar no quintal
Embalando as flores do jardim
Balançando as cores no varal

A casa é sua
Por que não chega agora?
Até o teto tá de ponta-cabeça
Porque você demora

A casa é sua
Por que não chega logo?
Nem o prego aguenta mais
O peso desse relógio

Arnaldo Antunes


segunda-feira, 1 de agosto de 2011


Desconheço a autoria da imagem

Sim.
Todos os poemas
são de amor.
Pela rima,
pelo ritmo,
pelo brilho
ou por alguém,
alguma coisa
que passava
na hora
em que a vida
virava palavra.

Alice Ruiz


Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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