Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

domingo, 30 de dezembro de 2018

A árvore


Imagem: Pinterest

Chegaste
com a tua tesoura de jardineiro
e começaste a cortar:
umas folhas aqui e ali
uns ramos
que não doeram...
Eu estava desprevenida
quando arrancaste a raiz.

Yvette Centeno




Imagem; Google

Acende os dedos, um por um
Concebe a tua mão assim luminosa
para que os tendões sejam tocados
e a nudez se mova lentamente
através das pálpebras.

Acende os dedos e os ombros
e respira a força interna de um nome
para que a água estale nos lábios.
Acende o lugar e a sombra
e mergulha o rosto no segredo do espelho.

Acende os dedos, um por um,
esses afinal os degraus que conduzem
à morada dos astros e das raízes.

Vasco Gato,
"O Lume nos Dedos" in IMO



Sue Law, UK sculptor and visual artist : The Life and Death of a Relationship, 2007

entre a saliva e os sonhos há sempre
uma ferida de que não conseguimos
regressar

e uma noite a vida
começa a doer muito
e os espelhos donde as almas partiram
agarram-nos pelos ombros e murmuram
como são terríveis os olhos do amor
quando acordam vazios

Alice Vieira
"6" in Amor e outros crimes em vias de perdão




Imagem daqui

Agora que as palavras secaram
e se fez noite
entre nós dois,
agora que ambos sabemos
da irreversibilidade
do tempo perdido,
resta-nos este poema de amor e solidão.

No mais é o recalcitrar dos dias,
perseguindo-nos, impiedosos,
com relógios,
pessoas,
paredes demasiado cinzentas,
todas as coisas inevitavelmente
lógicas.

Que a nossa nem sequer foi uma história
diferente.
A originalidade estava toda na pólvora
dos obuses, no circunstanciado
afivelar
dos sorrisos à nossa volta
e no arcaísmo da viela onde fazíamos amor.

Eduardo Pitta
in Marcas de Água



Balanço

Imagem: Pinterest

Balanço que vem e vai
Parece com o curso da vida
Balança mas não cai
E segue curando ferida

Na infância o balanço é puro
Na adolescência colorido
Não deixe que fique escuro
Na maturidade deixe florido

São tantos os balanços da vida
Sempre indo e vindo
São desafios na lida
O segredo é seguir sorrindo

Balanços são tantos
Aqui, ali e acolá
Se cair, não vale o pranto
Volte a balançar e sonhar

Anna Jailma



Imagem daqui

Sem alarde,
o jasmim cresce 
na tarde.

José Ruy Gandra

No balanço da poesia

Imagem: Pinterest

Balança vento, me faz ser ventania
e leva daqui esse verso tristonho
Faz o tempo voar, colado à alegria
que se perde nas asas quebradas de um sonho.

Balança esse grito abafado de medo
e libera a canção que trago no peito
Se for canção de amor não há porque segredo
Balança a minha voz, que canto de qualquer jeito

Balança a saudade, balança a lembrança
Sacode a minha vida, me faz ser nostalgia
Que nesse remelexo eu volto a ser criança
Que nesse embalo todo, sou pura poesia.

Charlyane Mirielle


Estado de poesia


Imagem: Google

Para viver em estado de poesia
Me entranharia nestes sertões de você
Para deixar a vida que eu vivia
De cigania antes de te conhecer
De enganos livres que eu tinha porque queria
Por não saber que mais dia menos dia
Eu todo me encantaria pelo todo do seu ser

Pra misturar meia noite meio dia
E enfim saber que cantaria a cantoria
Que há tanto tempo queria
A canção do bem querer

É belo ver o amor sem anestesia
Dói de bom, arde de doce
Queima, acalma
Mata, cria
Chega tem vez que a pessoa que enamora
Se pega e chora do que ontem mesmo ria
Chega tem hora que ri de dentro pra fora
Não fica nem vai embora
É o estado de poesia

Chico Cesar



Afazeres


Fotografia minha, vista da Ponte Rio-Niterói, 2018

limpou o céu de manhã não passou pano direito
deixou leite derramar no azul todo manchado
de nuvens muito pequenas

*líria porto



Haicai


Imagem Google

eu ostra cismo
cá com minhas pérolas
cacos no abismo

José Eduardo Agualusa
(em Teoria Geral do Esquecimento)



quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

O abismo



Não quero do voo
apenas o bater aflito do coração

Quero o que é meu por direito
também
o torvelinho o alvoroço
dos cabelos
que o vento despenteia

Dalva Nascimento



domingo, 2 de dezembro de 2018

Do tempo que passa




Arte de Koby Feldmos

Perdemos repentinamente
a profundidade dos campos
os enigmas singulares
a claridade que juramos conservar

mas levamos anos
a esquecer alguém
que apenas nos olhou.

José Tolentino Mendonça
in A Noite Abre Meus Olhos




quarta-feira, 14 de novembro de 2018


imagem daqui

Bem podias
trazer-me uma flor,
uma fatia de lua ainda morna,
algumas notas afinadas 
de violino ou piano…
Não me saem bem os versos
sem estas coisas
reservadas aos sonhos.
Bem podias
entrar no poema, agora
antes que seja tarde
e me encontres acordada.

Lídia Borges, in Seara de Versos 





imagem daqui

Cheguei à janela,
Porque ouvi cantar.
É um cego e a guitarra
Que estão a chorar.
Ambos fazem pena,
São uma coisa só
Que anda pelo mundo
A fazer ter dó.
Eu também sou um cego
Cantando na estrada,
A estrada é maior
E não peço nada.

Fernando Pessoa, in Poesias Inéditas 



terça-feira, 13 de novembro de 2018

Ciclo do Sabiá - II



pintura de Christian Schloe


Vi descer a tempestade,
Sabiá,
sobre nuvens tenebrosas.
Os homens, soltos, corriam,
Sabiá...
(De onde lhes vem tal pavor?)
- Presas morriam as rosas,
em seu destino de flor.

Nessa densa tarde escura,
Sabiá,
entre as batalhas do vento,
escutei pela montanha
tua voz tranquila e pura,
Sabiá,
- perfeita imagem do amor
em cristal de pensamento:
grande, claro e sofredor.

Debrucei-me no ar selvagem,
Sabiá,
para ouvi-la, tão serena,
sem medo do fim do mundo,
proclamar sua mensagem,
Sabiá.

Levarei para onde for
dois perfis da mesma pena:
meu silencio, teu clamor.

Cecília Meireles



Arte de Catrin Welz-Stein

às vezes a gente precisa
é de um bom banho de céu

que é pra gente se limpar
dos excessos
dessa vida terrena

ou simplesmente para lembrar
da natureza
p a s s a g e i r a
das
nuvens
que passam
feito
nós

Be Lins



A vida é uma hora



Arte por Nykolai Aleksander

A vida é uma hora,
mal nos dá tempo de amar tudo,
de ver tudo.
A vida sabe a musgo,
sabe a pouco a vida se não tiveres
mais mãos nas mãos que te deram.
No fim escolhemos um sítio perigoso,
um parapeito, uma via,
a ponta de um punhal onde passar a noite.

Gloria Fuertes, in Como cantava maio



quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Ato de contrição


imagem: google

Pelo que não fiz, perdão!
Pelo tempo que vi, parado,
correr chamando por mim,
pelos enganos que talvez
poupando me empobreceram,
pelas esperanças que não tive
e os sonhos que somente
sonhando julguei viver,
pelos olhares amortalhados
na cinza de sóis que apaguei
com riscos de quem já sabe,
por todos os desvarios
que nem cheguei a conceber,
pelos risos, pelas lágrimas,
pelos beijos e mais coisas,
que sem dó de mim malogrei

- por tudo, vida, perdão!

Adolfo Casais Monteiro




imagem: Pinterest.com

Era uma folha pousada
no cotovelo do vento;
e pairava, deslumbrada,
entre morte e movimento.

Era uma folha: lembrava,
de tão frágil, o momento
em que a vida ficava
escrava do teu juramento.

Era uma folha: mais nada.
Antes fosse esquecimento!

David Mourão Ferreira




Eu sou de ti


imagem: Alex Berkun

Eu sou de ti
Como a onda é do mar e o mar é do sonho;
Como o encanto é da noite e a seara é da foice;
Como a mó é do moinho e o céu é do luar.

Eu sou de ti
Como a luz é da manhã e a vela é do vento;
Como a voz da melodia e o porvir da fantasia;
Como a palha é do fogo e a cor é da romã.

Eu sou de ti
Como o mistério é do feitiço e os olhos são da alma;
Como o pão é da espiga e o som é da cantiga;
Como o segredo é da bruma e a espera é do cansaço.

Eu sou de ti
Como o campo é do jasmim e a fonte é da água;
Como a terra é da semente e a solidão é da vida;
Como a paixão é da saudade, como chegar é da partida;
Como o abismo é da ponte e o peito é da mágoa,
Como tu jamais serás de mim.

Margarida Faro 




imagem: facepage Fabrica de Escrita

És uma presença. Constante.
Como o fantasma bom que me guarda a casa;
um sorriso solto, um beijo calado, ponto de luz
para os olhos cansados de quem viaja.
És uma presença. Constante.
Como o que diziam do anjo da guarda;
um olhar que não procuro, mas, sei.

Jamais alguém tocará a minha alma
com amor semelhante.

Margarida Faro
em "44 Poemas"


Porque choras, Pai?


imagem: google

Porque choras, Pai? - perguntou
a Dora. Não choro, filha, estou a 
dar de beber a um peixe que 
existe dentro de mim.

Dora colou-me os braços
à volta do pescoço.

Pai, és um poeta! - murmurou
E tu um poema, respondi.

João Morgado
em "Diário dos Infiéis"




Silêncio


imagem: google

Há o silêncio dos que se encontram.
Há o silêncio dos que se afastam 

Não, por favor, nada digas 

Se chegas, não preciso de palavras 
Se partes 
de que me servem as palavras?

João Morgado
em "Marginália"



Amar-te



imagem: facepage Fabrica de Escrita

Beber-te
mesmo que sejas terra
Trincar-te
sabendo que és rio
Rasgar-te
apesar de seres pedra
Calcar-te
ainda que sejas ar
Amar-te
sentindo que és gelo.

João Morgado
em "Marginália"




Magnificat


imagem: google

Ai, a vida!
Quanto mais me magoa, mais a canto.
Mais exalto este espanto
De viver.
Este absurdo humano,
Quotidiano,
Dum poeta cansado
De sofrer,
E a fazer versos como um namorado,
Sem namorada que lhos queira ler.
Cego de luz, e sempre a olhar o sol
Num aturdido
Deslumbramento.
Cada breve momento
Recebido
Como um dom concedido
Que se não merece.
Ai, a vida!
Como dói ser vivida,
E como a própria dor a quer e agradece.

Miguel Torga
em "Antologia Poética"





imagem: google

Não. Não tenho limites.
Quero de tudo.
Tudo.
O ramo que sacudo
Fica varejado.
Já nascido em pecado,
Todos os meus pecados são mortais.
Todos são naturais
À minha condição,
Que quando, por exceção,
Os não pratico
É que me mortifico.
Alma perdida
Antes de se perder.
Sou uma fome incontida
De viver.
E o que redime a vida
É ela não saber
Em nenhuma medida.

Miguel Torga
em "Diário XIII"


Segredo


imagem daqui

Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar

Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar 

Miguel Torga



O adeus


imagem: google

É um adeus ... 
Não vale a pena sofismar a hora!
é tarde nos meus olhos e nos teus ...
Agora,
O remédio é partir discretamente,
Sem palavras,
Sem lágrimas,
Sem gestos.
De que servem lamentos e protestos
Contra o destino?
Cego assassino
A que nenhum poder
Limita a crueldade,
Só o pode vencer a humanidade
Da nossa lucidez desencantada.
Antes da iniquidade
Consumada,
Um poema de líquido pudor,
Um sorriso de amor,
E mais nada.

Miguel Torga


Noivado


imagem: Anton Surkov

Dá-me outra vez as mãos, recomecemos
O nosso idílio
Continuemos
Enamorados no jardim despido.
Interromper o beijo conseguido
À floração que temos
Era ficar serenamente à espera
Que viesse de novo a primavera
E nós não renascemos

Miguel Torga
em "Diário IV"



Noite


imagem: facepage Fabrica de Escrita

Noite, manto do nada
Onde se acolhe tudo,
Melodia parada
Nos ouvidos de um mudo.

Mãe do regresso, paz
Da batalha perdida;
Seiva morta onde jaz
A renúncia da vida.

Pecado sem perdão.
Aceno sem ternura
Noite, o meu coração
Anda à tua procura.

Miguel Torga
em "Diário III"



imagem facepage Fabrica de Escrita

Felizes são os que florescem
Os que não se esquecem
Que a simplicidade
É fonte de vida
Que vaidade
E coração
Vazios
São
Pó.

Vítor Ávila




Fotografia de Phoebe Rudomino

Às vezes, quando chove lá fora,
é como se chovesse também dentro de nós
e é como se a acidez das águas
nos corroesse por dentro
É como se a umidade tomasse conta de nós,
e com ela se entranhasse o frio
que não mais nos largará.

Às vezes, quando chove lá fora,
é como se ficassem toldadas as nossas memórias
e com isso nos escurecesse a alma
fazendo-a prisioneira
É como se se alagassem os nossos sentidos,
enchendo-se de desamor o coração
afogando-o de mágoas.

Paulla Joaquinito




O teu corpo


imagem: HaoJan

O teu corpo
É o meu recanto
É onde sonho
Onde descanso

Mas é também
Por onde corro
Por onde respiro
Onde não me canso.

José Gabriel Duarte
Em "As Cores do Desejo: Poemas improváveis"



Esse dia

imagem: google

Tudo soava a falso
espiral de dúvida
hipocrisia.

Em tudo faltava a cor
embriaguez de brilho
monotonia.

Em tudo havia silêncio
asfixia de vazio
demagogia.

Em tudo faltava amor
sede de sonho
fantasia.

Em tudo havia medo
mesmo em segredo,
até esse dia … 

José Gabriel Duarte


Flashes


imagem daqui

Ao acordar
o hoje pareceu-me
como ontem
ou como há tanto tempo
não porque nada
tivesse mudado
não porque tudo
estivesse parado.

Talvez seja apenas
mais um jogo do tempo
e quem o tenha perdido
ou esquecido hoje
seja eu ... 

José Gabriel Duarte 



imagem:google

Com a idade aprendemos
que o amor existe
na confluência de dois verbos
o verbo recordar e o verbo ensandecer.

A memória mais antiga que guardo do teu rosto
ainda vem prenhe de uma juventude
que eu próprio ajudei a dispersar
no vento
- enquanto lentamente enlouquecia
entre quartos antigos, livros por ler
e a sombra de gatos que percorriam de noite
os telhados do meu desassossego.

A matura idade aproximou-se dos portões
de loucura, desse limiar que reside
entre o desencanto e a mais pura solidão
- e foi aí que inscrevi o teu nome
como se nele coubesse inteira
a eternidade.

Não sei com quantas letras se escreve
a raiz do teu corpo.
Não sei com que outras mãos afagas
a sombra do desejo.

Não sei onde me escondo se perguntas
pelos ecos do passado

Sei apenas que perdurará para além da morte
o ser inteiro em ti

imperfeito
ausente
mutilado

mas enlouquecendo devagar nas tuas veias.

Manuel Alberto Valente
em "Poesia Reunida"




imagem facepage Fábrica de Escrita

Se me disseres que me amas, acreditarei.
Mas se me escreveres que me amas,
acreditarei ainda mais.

Se me falares da tua saudade, entenderei.
Mas se escreveres sobre ela,
eu a sentirei junto contigo.

Se a tristeza vier te consumir
e me contares, eu saberei.
Mas se a descreveres no papel,
o seu peso será menor.

Lembre-se sempre do poder das palavras.
Quem escreve constrói um castelo,
e quem lê passa a habitá-lo.

Silvana Duboc


Mágoas


Arte de Ana Luisa Kaminski

Quantas vezes abri a porta ao mar por tua causa,
Estendi-lhe a minha alma persa e o corpo de linho
E ele, no seu desalinho,
Inundava-me os lábios de chuva
E num suspiro peregrino
Com dor, com sal e olhar de viúva,
Suplicava-lhe uma pausa
Naquele desgovernado largar de águas.
Mas o mar,
Depois de entrar,
Mareava todas as mágoas
E os meus olhos eram o seu destino.

Luana Lua

A tua mão


imagem daqui

Quero tocar a tua mão
com a ternura
de uma gota de orvalho,
com a leveza
de um bater de asas,
com a saudade
das longas esperas,
com o calor
de um beijo de sol,
com o brilho azul
de um raio de luar.
Quero tocar a tua mão
com o ondular das vagas
que da minha transborda
e pousar,
em concha feita
de desejos guardados,
o meu lúcido amor
no teu corpo interdito...

Rita Pais




imagem: google

Gosto de gente que ri, chora,
se emociona com uma simples carta,
um telefonema,
uma canção suave,
um bom filme,
um bom livro,
um gesto de carinho,
um abraço,
um afago.

Gente que ama e sente saudades,
gosta de amigos,
cultiva flores,
ama os animais.

Admira paisagens,
poeira;
E escuta.

Artur da Távola



foto: george b.


Sou refém da lua cheia
ela entra pelo quarto
conhece-me os desejos
os beijos guardados
as sombras e crateras do meu cativeiro
sou refém da meia lua
ela me sabe os pedaços
tristezas e segredos
invade-me à madrugada
assiste o amor arder
sem endereço
sou refém de mim
a lua é pretexto

Alice Ruiz




Imagem daqui

Eu vou tirar do dicionário
A palavra você
Vou trocá-la em miúdos
Mudar meu vocabulário
e no seu lugar
vou colocar outro absurdo
Eu vou tirar suas impressões digitais
da minha pele
Tirar seu cheiro
dos meus lençóis
O seu rosto do meu gosto
Eu vou tirar você de letra
nem que tenha que inventar
outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
com quantos “nãos” se faz um sim

Eu vou tirar o sentimento
do meu pensamento
sua imagem e semelhança
Vou parar o movimento
a qualquer momento
Procurar outra lembrança
Eu vou tirar, vou limar de vez sua voz
dos meus ouvidos
Eu vou tirar você e eu de nós
o dito pelo não tido
Eu vou tirar você de letra
nem que tenha que inventar
outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
com quantos “nãos” se faz um sim"

Alice Ruiz


sábado, 27 de outubro de 2018

A verdade era bela


imagem: google

A verdade era bela,
como vinha nos livros.
À beirinha das águas
a verdade era bela.
Os que deram por ela
abriram-se e contaram
que a verdade era bela,
Quase todos se riram.
Os que punham nos livros
que a verdade era bela,
muito mais do que os outros.
A verdade era bela
mas doía nos olhos
mas doía nos lábios
mas doía no peito
dos que davam por ela.

Sebastião da Gama



Pequeno poema


Arte de Margarita Sikorskaia

Quando eu nasci,
ficou tudo como estava

Nem homens cortaram veias,
nem o sol escureceu,
nem houve estrelas a mais ...
Somente, esquecida das dores
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém ...

Para que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe ...

Sebastião da Gama

Silencia-me



Arte de Dorina Costras


O silêncio tem o sabor de amoras silvestres, negras e brilhantes como a noite que abraça os pensamentos.

Sentes o cheiro das estrelas?

Eu não o sinto; tenho a pele (ainda) impregnada dos toques macios e deslizantes, do silêncio a massagear o corpo.

Pressentes o rasto dos sonhos?

Dos sonhos que desenhei para ti, em estátuas e em nuvens, no silêncio do traço fino.

E passeio nos telhados de casas vazias, encontro o silêncio - o teu e o meu - que me grita, despenteia, empurra-me. Beija-me.

Ana Alvarenga





Imagem: Google


Esta noite, as minhas palavras voaram para junto de ti e fiquei só.
Só, preenchida de silêncios, vadios na noite quente.

Todas as palavras que te dei voltarão para mim.
Numa noite. Quente.
Espero-as
Descalça
Só.

Ana Alvarenga



Arte de Monica  Castanys


Se te despedires, fá-lo de mansinho,
nada de brusquidão.
Não me digas: "Vamos estar um tempo sem nos ver."
O que é o tempo?, responder-te-ia.
Uma ponte entre o adeus e o reencontro?
Se te despedires, que teu adeus me conforte,
que seja o bálsamo de minhas feridas,
que teus lábios me digam: "até depois",
"fazes já parte da minha vida",
que eu possa sentir que em todo o momento
nossas mãos se buscarão na sala de espera
e falaremos de amores, de como passa o tempo,
de quão interessante te acho.

Gloria Bosch






Diz-me por favor onde não estás
em qual lugar posso não te ver,
onde posso dormir sem te lembrar
e onde relembrar sem que me doa.

Diz-me por favor onde posso caminhar
sem encontrar as tuas pegadas,
onde posso correr sem que te veja
e onde descansar com a minha tristeza.

Diz-me por favor qual é o céu
que não tem o calor do teu olhar
e qual é o sol que tem luz apenas
e não a sensação de que me chamas.

Diz-me por favor qual é a noite
em que não virás velar meus sonhos.
Que não posso viver porque te espero
e não posso morrer porque te amo.

Jorge Luís Borges

Arte de Camille Claudel



Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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