Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012




Adeus, tristeza: a vida
é uma caixa chinesa
de onde brota a manhã.
Agora
é recomeçar.
A utopia é urgente.
Entre flores de urânio
é permitido sonhar.

Affonso Romano de Sant'Anna 

A todos vocês que visitam o Interlúdio e o enriquecem com sua presença, seu carinho e seus comentários, que em 2013 possamos
sonhar mais, sorrir mais, amar mais...
ser mais felizes!


segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

"Na Hora de Por a Mesa"


Desconheço a autoria da imagem


Na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. Depois, a minha irmã mais velha
casou-se. Depois, a minha irmã mais nova
casou-se. Depois, o meu pai morreu. Hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais 
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. Cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde 
como sozinho. Mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
Enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.

José Luís Peixoto 


sexta-feira, 21 de dezembro de 2012



Desconheço a autoria da imagem

E as flores,
Já cansadas 
Do orvalho da noite
Se entregam,
Sem pudores,
Aos raios do sol

Juliana Tozzini


quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

"VII"



Desconheço a autoria da imagem
                                                                                                                                                     
                                                                                                                                                                     (Para Dyonélio Machado)

Recordo ainda... E nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui... Mas, ai,
Embora idade e senso eu aparente,
Não vos iluda o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai...
Que envelheceu, um dia, de repente!...

Mario Quintana
de Rua dos Cataventos


quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

"Ode ao Gato"



Fotografia de Peter Cairns & Mark Hamblin

Tu e eu temos de permeio
a rebeldia que desassossega,
a matéria compulsiva dos sentidos.
Que ninguém nos dome,
que ninguém tente
reduzir-nos ao silêncio branco da cinza,
pois nós temos fôlegos largos
de vento e de névoa
para de novo nos erguermos
e, sobre o desconsolo dos escombros,
formarmos o salto
que leva à glória ou à morte,
conforme a harmonia dos astros
e a regra elementar do destino.

José Jorge Letria
in "Animália Odes aos Bichos"


sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

"Cinzelação"



Pintura Digital, by Sr. do Vale

E quando o tempo terminar de esculpir meu corpo,
Com seus martelos pesados e seus cinzéis afiados, 
Dele tirando todo o excesso de vaidades e matérias,
E do corpo, enxuto de músculos e pecados, minh’alma se apartar,
Espero ser compreendido pelas dores que, sem querer, causei
E ser admirado pelas dores que sofri na calada de meu viver.

Se é que o juízo final é mesmo uma balança imparcial,
E minhas cinzas puderem ser divididas em duas partes e um peso só,
Então que uma porção seja jogada no inferno e a outra no paraíso.

Que eu possa, finalmente, descansar em paz.

Oswaldo Antônio Begiato


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

"Platéia"



Fotografia de Raphael Zanetti

Não sei quantos seremos, mas que importa?!
Um só que fosse, e já valia a pena.
Aqui, no mundo, alguém que se condena
A não ser conivente
Na farsa do presente
Posta em cena!

Não podemos mudar a hora da chegada,
Nem talvez a mais certa,
A da partida.
Mas podemos fazer a descoberta
Do que presta
E não presta
Nesta vida.

E o que não presta é isto, esta mentira
Quotidiana.
Esta comédia desumana
E triste,
Que cobre de soturna maldição
A própria indignação
Que lhe resiste.

Miguel Torga


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

"Queda"



"Coração Balão", de Amanda Cass

                                                                                                                                          (A João P. Vasco)

O meu coração desce,
Um balão apagado.

Melhor fora que ardesse
Nas trevas incendiado.

Na bruma fastidienta...
Como à cova um caixão.

Porque ante não rebenta
Rubro, numa explosão?

Que apego inda o sustem?
Átono, miserando.

Que o esmagasse o trem
De um comboio arquejando.

O inane, vil despojo.
Da alma egoísta e fraca...

Trouxesse-o o mar de rojo
Levasse-o na ressaca.

Camilo Pessanha
in Clepsydra


domingo, 9 de dezembro de 2012

"Oração de Uma Camponesa de Madagascar"



Imagem daqui

Senhor
Dono das panelas e marmitas

Não posso ser a santa que medita aos vossos pés.
Não posso bordar toalhas para o vosso altar.

Então, que eu seja santa ao pé do meu fogão.
Que o vosso amor esquente a chama que eu acendi
E faça calar minha vontade de gemer a minha miséria.

Eu tenho as mãos de Marta.
Mas quero também ter a alma de Maria.

Quando eu lavar o chão lavai, Senhor, os meus pecados.
Quando eu puser na mesa a comida, comei também Senhor,
junto conosco.

É ao meu Senhor que eu sirvo, servindo minha família.

Raimundo Cintra
Frei dominicano 


sábado, 8 de dezembro de 2012

"O Milagre"



Fotografia de Roman Vishniac

Dias maravilhosos em que os jornais vem cheios de poesia
e do lábio do amigo brotam palavras de eterno encanto
Dias mágicos... em que os burgueses espiam
através das vidraças dos escritórios, a graça gratuita da 
nuvens.

Mario Quintana
In: Sapato Florido


sexta-feira, 7 de dezembro de 2012




De que servem exércitos de canções
e o encanto das elegias sentimentais?
Para mim, na poesia, tudo tem de ser desmesurado,
e não do jeito como todo mundo faz.

Se vocês soubessem de que lixeira
saem, desavergonhados, os versos,
como dente-de-leão que brota ao pé da cerca,
como a bardana ou o cogumelo.

Um grito que vem do coração, o cheiro fresco de alcatrão,
o bolor oculto na parede...
E, de repente, a poesia soa calorosa, terna,
Para a minha e tua alegria.

Anna Akhmátova


quinta-feira, 6 de dezembro de 2012


Desconheço a autoria da imagem

Porque hoje é sábado
uma borboleta amarela
pousou no meu quintal.

Porque hoje é sábado
tem muito colorido lá fora,
muita luz, muito verde
e muito sol...

Não gosto desses dias de sedução.
O meu poeta sempre aparece
com a mania de cantar
esperanças, e sabe perfeitamente
que aprecio as combinações.

O cinza no peito não combina
com o amarelo e muito menos
com todo esse colorido
da estação.

Nathan de Castro

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

"A Companheira"


Desconheço a autoria da imagem


A lua parte com quem partiu e fica com quem ficou. E,
pacientemente, consoladoramente, aguarda os suicidas
no fundo do poço.

Mario Quintana
In: Sapato Florido


terça-feira, 4 de dezembro de 2012



Desconheço a autoria da imagem

E se não lembrares
Da palavra amor,
Que dediquei a ti
Lembre-se da palavra
Saudade
Que deixaste aqui.

Catarino Salvador


segunda-feira, 3 de dezembro de 2012



Desconheço a autoria da imagem

Já não é tempo de estio.
Parece que ela combina
Com meu coração vazio.

Então eu abro a cortina.
Olho pra fora... Espio...
Água leve que declina
Na extensão do meio-fio.

Dizem que chuvinha assim
São lágrimas dum Querubim
Que caiu em rodopio.

Feriu-se... Quebrou a asa...
Não pode voltar pra casa
E chora porque tem frio.

Jenario de Fátima


domingo, 2 de dezembro de 2012

"Guardados"




Como quando se tira um vestido velho do baú
Um vestido que não é para usar, só para olhar.
Só para ver como ele era...
Depois a gente dobra de novo e guarda.
Mas não se cogita em jogar fora ou dar.
Acho que saudade é isso

Lygia Fagundes Telles


sexta-feira, 30 de novembro de 2012

"A Hóspede"


Fotografia de Fernando Campanella


Não precisa bater quando chegares.
Toma a chave de ferro que encontrares
sobre o pilar, ao lado da cancela,
e abre com ela
a porta baixa, antiga e silenciosa.

Entra. Aí tens a poltrona, o livro, a rosa,
o cântaro de barro e o pão de trigo.

O cão amigo pousará nos teus joelhos a cabeça.
Deixa que a noite, vagarosa, desça.
Cheiram a relva e sol, na arca e nos quartos,
os linhos fartos,
e cheira a lar o azeite da candeia.

Dorme. Sonha. Desperta. Da colméia
nasce a manhã de mel contra a janela.
Fecha a cancela
e vai. Há sol nos frutos dos pomares.

Não olhes para trás quando tomares
o caminho sonâmbulo que desce.
Caminha - e esquece.

Guilherme de Almeida


quinta-feira, 29 de novembro de 2012



Desconheço a autoria da imagem

Repara nesses traços,
a giz, no chão
e como cada traço é
um dia, um gesto,
o que perdura de um sorriso

Repara como depois a água
devolve brilho polido
à rugosa superfície das coisas

Repara, por fim, como pareces
ficar parado, suspenso, no
precipício de um cruzamento
ou como, por erro de paralaxe,
sou eu que fico eternamente preso
à esquina, enquanto tu, leve como
um sorriso, a barba em novelo,
te afastas rua fora, ao
encontro do teu destino

Innersmile, daqui


quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Se cada dia cai, dentro de cada noite



Fotografia de Rafa Francioli


Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

Há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.

Pablo Neruda


terça-feira, 27 de novembro de 2012


Desconheço a autoria da imagem

A poesia nem sempre
adota a forma
de um poema

Depois de cinquenta anos
a escrever
a poesia
pode apresentar-se
ao poeta
na forma de uma árvore
de um pássaro
que voa
de luz

Adota a forma
de uma boca
refugia-se no silêncio

ou vive no poeta
livre de forma e de conteúdo

Tadeusz Rózewicz


segunda-feira, 19 de novembro de 2012

"Anunciação"


Desconheço a autoria da imagem


Amigo: a tua próxima presença
Anuncia-me o mistério ainda não revelado.

Virás como o sonho, na noite, caído sobre as pálpebras
E como a alvorada debruçada sobre o mundo.
Virás com o teu verbo quente e a tua mão leal
Para o aperto solidário que nenhum poder separará.
Virás juntar a tua vida à minha vida,
Comer o mesmo pão, sugar o mesmo sol.

E virás, com o silêncio das horas em que as nossas bocas
não saberão falar,
Para selarmos num poema eterno o milagre das nossas almas
reveladas,
A fecundar a poesia viva as nossas vidas que não queremos estéreis
e ignoradas.

Vasco Miranda


domingo, 18 de novembro de 2012

"Prece"



Fotografia de John Smith

Dá-me a lucidez das
correntezas para que eu descubra
entre as tristezas que se
avoluman algum
sorriso mesmo
que não seja para mim

Dá-me a serenidade de uma
estrela para que eu imagine
entre as lágrimas que não
me deixam qualquer
paz ainda
que breve

Dá-me a claridade das
luas cheias para que eu invente
entre as angústias que se esparramam um
horizonte mesmo
que se transmude em ilusão

Dá-me a esperança das
árvores para que eu teça
entre as ausências que se
imensificam uma sanidade ainda
que estofada de
delírios

Adair Carvalhais Júnior


quarta-feira, 14 de novembro de 2012

"Regresso ao Lar"



Fotografia de Fernando Campanella

Ai, há quantos anos que eu parti chorando
deste meu saudoso, carinhoso lar!
Foi há vinte?... Há trinta? Nem eu sei já quando!
Minha velha ama, que me estás fitando,
canta-me cantigas para me eu lembrar!

Dei a volta ao mundo, dei a volta à vida.
Só achei enganos, decepções, pesar.
Oh, a ingênua alma tão desiludida!.
Minha velha ama, com a voz dorida.
canta-me cantigas de me adormentar!

Trago de amargura o coração desfeito
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu ninho estreito!
Minha velha ama, que me deste o peito,
canta-me cantigas para me embalar!

Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
pedrarias de astros, gemas de luar.
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!
Minha velha ama, sou um pobrezinho
Canta-me cantigas de fazer chorar!

Como antigamente, no regaço amado
(Venho morto, morto!...), deixa-me deitar!
Ai o teu menino como está mudado! 
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!

Canta-me cantigas manso, muito manso
Tristes, muito tristes, como à noite o mar.
Canta-me cantigas para ver se alcanço 
que a minha alma durma, tenha paz, descanso,
quando a morte, em breve, ma vier buscar!

Guerra Junqueiro 
em Os Simples


terça-feira, 13 de novembro de 2012

"À Noite"



Desconheço a autoria da imagem

A música no jardim
tinha dor inexplicável.
Um cheiro de maresia
vinha das ostras no gelo.

Ele disse: "Sou fiel!"
e tocou-me no vestido.
Tão diverso de um abraço
era o toque dessas mãos.

Como quem acaricia
um gato ou um passarinho,
sorria, com os olhos calmos,
sob o ouro das pestanas.

A voz triste dos violinos
cantava, em meio à névoa:
"Dá graças a Deus que enfim
estás a sós com o amado".

Ana Akhmatova


segunda-feira, 12 de novembro de 2012




Gosto do mar desesperado
A bramir e a lutar
E gosto de um barco ainda mais ousado
Sobre esta rebeldia a navegar

Miguel Torga
in Diário


quarta-feira, 7 de novembro de 2012


By Kiyo Murakami

Ficou para trás, quente, a vida,
a marca colorida dos meus olhos, o tempo
em que ardiam no fundo de cada vento
mãos vivas, cercando-me...

Ficou a carícia que não encontro...
senão entre dois sonos, a infinita
minha sabedoria em pedaços. E tu, palavra
que transfiguravas o sangue em lágrimas.

Nem sequer um rosto trago
comigo, já ultrapassado em outro rosto
como esperança no vinho e consumado
em acesos silêncios... 

Volto sozinha
entre dois sonos lá 'trás, vejo a oliveira
rósea nas talhas cheias de água e lua
do longo inverno. Torno a ti que gelas

na minha leve túnica de fogo.

Cristina Campo


terça-feira, 6 de novembro de 2012

"O Que É Que Eu Digo À Saudade?"



Desconheço a autoria da imagem

(...) O que é que eu digo à saudade
sem teus olhos para me olhar
o que é que eu digo à saudade
sem teus lábios para beijar

O que é que eu digo à saudade
sem teu corpo para amar
o que é que eu digo à saudade
se não me vens abraçar

O que é que eu digo à saudade
sem teu cheiro respirar
o que é que eu digo à saudade
com tanto amor para dar (...)

Mário Rainho e José Luis Gordo
(do Fado "O que é que eu digo à saudade")


segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Deixa que a minha solidão


Fotografia de Hans Neleman

Deixa que a minha solidão
prolongue mais a tua
- para aqui os dois de mãos dadas
nas noites estreladas,
a ver os fantasmas a dançar na lua.
Dá-me a tua mão, companheira,
até o abismo da ternura derradeira

José Gomes Ferreira





domingo, 4 de novembro de 2012



Fotografia in Sepia "Many Dinners", de Gerrit Greve

O anoitecer situa as coisas na minha alma
Como as cadeiras arrumadas
Quando os amigos partiram...

Vitorino Nemésio


sábado, 3 de novembro de 2012



Fotografia de Adam Hester

É um minúsculo coração
Com a ponta para o ar;
Altivo símbolo de amar,
É um mais terno coração.

Que pranto verte, de amor,
Mais que lava, corrosivo,
Mais q' um adeus, desmedido,
Branco como branca flor!

Paul Verlaine 
(Tradução de Luiza Neto Jorge)


sexta-feira, 2 de novembro de 2012

"Soneto da Saudade"



Desconheço a autoria da imagem

O céu desperta triste, em tom cinzento,
qual lhe fora penoso um novo dia;
aos poucos, verte, em gotas, seu lamento...
um pranto ensimesmado, de agonia.

Um rouco trovejar, pesado, lento,
parece suplicar por alforria,
numrogo já exangue, sem alento...
a chuva... o cinza... a dor... a nostalgia...

O céu despertou triste... o céu sou eu,
perdida num sonhar que feneceu,
sou prisioneira à espera de mercê.

Sonhando conquistar a liberdade
desta prisão, que existe na saudade...
saudade, tanta, tanta... de você!

Patrícia Neme


quinta-feira, 1 de novembro de 2012



Fotografia de Monalyn Garcia

É preciso avisar toda a gente
Dar notícia, informar, prevenir
Que por cada flor estrangulada
Há milhões de sementes a florir.

É preciso avisar toda a gente
segredar a palavra e a senha
Engrossando a verdade corrente
duma força que nada a detenha.

É preciso avisar toda a gente
Que há fogo no meio da floresta
E que os mortos apontam em frente
O caminho da esperança que resta.

É preciso avisar toda a gente
Transmintindo este morse de dores
É preciso, imperioso e urgente
Mais flores, mais flores, mais flores.

João Apolinário


quarta-feira, 31 de outubro de 2012



Fotografia de Camile Moirenc

Todos estão sós no coração da terra,
Atravessados por um raio de sol:
E de repente é noite

Salvatore Quasimodo
(Tradução de Jorge de Sena)


terça-feira, 30 de outubro de 2012

"Quero Ser o Poeta da Noite



Fotografia de Georges Dudognon

Noite, velada noite,
faz-me teu poeta!
Deixa-me entoar as canções
de todos aqueles
que, pelos séculos dos séculos,
se sentaram em silêncio
à tua sombra!
Deixa-me subir ao teu carro sem rodas
que corre silencioso de mundo a mundo,
tu que és rainha do palácio do tempo,
escura e formosa!

Quantos entendimentos ansiosos
penetraram mudos no teu pátio,
vaguearam sem lâmpada pela tua casa,
à tua procura!
Quantos corações, que a mão do Desconhecido
atravessou com a flecha da alegria,
romperam em cânticos
que sacudiam a tua sombra
até aos alicerces!

Faz-me, ó noite,
o poeta destas almas despertas
que contemplam maravilhadas,
à luz das estrelas,
o tesouro que encontraram
de repente;
o poeta do teu insondável silêncio,
ó noite!

Rabindranath Tagore


segunda-feira, 29 de outubro de 2012



Imagem daqui

No espaço entre
nós transitam
estrelas e horas

Frágeis que sempre
parecem
incertas

Um imenso luar inscreve teu
cheiro nas memórias do
meu corpo

E a poesia busca
alcançar a mudez que as
lágrimas carregam no

Espaço onde se
encontram teu sorriso e meus
olhos 

Adair Carvalhais Júnior


domingo, 28 de outubro de 2012


"The Garden of  Love", de Walter Crane

Deixa-me amar-te com ternura, tanto
Que nossas solidões se unam
E cada um falando em sua margem
Possa escutar o próprio canto.

Deixa-me amar-te com loucura, ambos
Cavalgando mares impossíveis
Em frágeis barcos e insuficientes velas
Pois disso se fará a nossa voz.

Deixa-me amar-te sem receio, pois
A solidão é um campo muito vasto
Que não se deve atravessar a sós.

Lya Luft


quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Cansei os braços


Desconheço a autoria da imagem


Cansei os braços
a pendurar estrelas no céu.
Destino dos fados lassos.
Tudo termina em cansaços
braços
e estrelas
e eu.

António Gedeão


quarta-feira, 24 de outubro de 2012



Fotografia de Tareq Albohy

Aquele que amo
Disse-me
Que precisa de mim.

Por isso
Cuido de mim
Olho meu caminho
E receio ser morta
Por uma só gota de chuva.

Bertold Brecht


terça-feira, 23 de outubro de 2012

"A Lua das Águas"


Fotografia de Brian Gordon Green

Anoitece
e uma lua cheia surge 

espalhando esplêndidas paisagens sobre as águas
no teu corpo
e nos teus olhos.

Dímitra Mandrá
(tradução de José Carlos Marques)



segunda-feira, 22 de outubro de 2012



"Mulher Surrealista", de João Sebastião

Tudo em meu corpo adoece.
Tudo em meu corpo adoece quando choro.
Tudo em meu corpo chora.
Choro em todos os meus cantos.
Choram cantos e todos
choram todos os cantos.
Meus cantos são todos os cantos que choram.
Tenho muitos cantos
e eles choram.
Me alargo em tudo
e tudo me alaga.
Me alaga o rio quando choro.
O rio me alaga e me alarga.
Chora um rio em mim.
Um rio é um canto meu que chora.
Meu avesso é um canto meu que floresce.
Meu avesso é um canto meu que chora e floresce.
Quero florescer como choro que brota
e como rio que alaga quando me deito.

Adriana Monteiro de Barros


domingo, 21 de outubro de 2012

"Breve"



Desconheço a autoria da imagem

Breve
o botão que foste
e o pudor de sê-lo.
Breve
o laço vermelho
dado no cabelo.
Breve
a flor que abriu
e o sol mudou.
Breve
tanto sonho findo
que a vida pisou.

João José Cochofel


sábado, 20 de outubro de 2012

"Fragmento Vida"



Desconheço a autoria da imagem

Postais,
envelopes,
letras, 
capitulo
de história
vivida,
amigos
à distancia. 
A vida
se compõe
de pedacinhos
de saudade. 

Delores Pires
In: A Estrela e a Busca


sexta-feira, 19 de outubro de 2012

"Saudade"


Desconheço a autoria da imagem

De quem é esta saudade
Que meus silêncios invade.
Que de tão longe me vem?

De quem é esta saudade,
De quem?

Aquelas mãos só carícias,
Aqueles olhos de apelo,
Aqueles lábios - desejo...

E estes dedos engelhados.
E este olhar de vã procura,
E esta boca sem um beijo...

De quem é esta saudade
Que sinto quando me vejo?

Gilka Machado
in"Velha Poesia"


quinta-feira, 18 de outubro de 2012



Desconheço a autoria da imagem

Beija-flores pendurados
nas flores
são coloridos
trapezistas
fazendo acrobacias
e distribuindo beijos
no azul do dia
beija-flores 
são beijos voadores.

Roseana Murray


terça-feira, 16 de outubro de 2012

"Lições"


Fotografia de Pauline St. Denis

Não aprendi a colher a flor
sem esfacelar as pétalas.
Falta-me o dedo menino
de quem costura desfiladeiros.

Criança, eu sabia
suspender o tempo,
soterrar abismos
e nomear as estrelas.
Cresci,
perdi pontes,
esqueci sortilégios.

Careço da habilidade da onda,
hei-de aprender a carícia da brisa.

Trémula, a haste
me pede
o adiar da noite.

Em véspera da dádiva,
a faca me recorda, no gume do beijo,
a aresta do adeus.

Não, não aprenderei
nunca a decepar flores.

Quem sabe, um dia,
eu, em mim, colha um jardim?

Mia Couto


segunda-feira, 15 de outubro de 2012


Desconheço a autoria da imagem

Baila no meu peito
uma dor, anda, pula
deita, dança, baila dor,
bailando nos lábios,
dor bailarina
anda vem menina
dançar comigo
atrás da cortina
anda vem menina
deitar comigo
que a noite termina
anda vem comigo
ou de uma vez por todas
me elimina

Alice Ruiz


domingo, 14 de outubro de 2012

"A Palavra Impossível"


Desconheço a autoria da imagem

Deram-me o silêncio para eu guardar dentro de mim
A vida que não se troca por palavras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
As vozes que só em mim são verdadeiras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
A impossível palavra da verdade.

Deram-me o silêncio como uma palavra impossível,
Nua e clara como o fulgor duma lâmina invencível,
Para eu guardar dentro de mim,
Para eu ignorar dentro de mim
A única palavra sem disfarce -
A Palavra que nunca se profere.

Adolfo Casais Monteiro



Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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