Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

quarta-feira, 31 de março de 2010

"Reinvenções Rosáceas"

.
.
A vida se refaz e reluz
a cada sorriso e manhã
a cada captura e vôo
a cada libertação
dos olhares, das linhas, da cor
se desfaz e russurge, vivaz
a cada reinvenção
dos matizes, sons e sentidos
a vida renasce e seduz...

Ana Luisa Kaminski

.

terça-feira, 30 de março de 2010

"Identidade"

.
.
Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

Mia Couto

.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Os amigos amei

.

Félix Vallotton
.
Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria —
por mais amarga.

Eugénio de Andrade
in "Coração do Dia"

.

domingo, 28 de março de 2010

"P de Palavra e Pedra"

.
Palavras às vezes pesam como pedras
ferem a boca como pedra que se mastiga.
Agudas, acertam rápidas como pedras
dirigidas
esfriam como pedras frias na boca
ressentida
pensam e pedram como pedras no caminho.

Ieda Estergilda de Abreu

.

sábado, 27 de março de 2010

"Estranheza do Mundo"

.

Ruud van Empel
.
Olho a árvore e indago:
está aí para quê?
O mundo é sem sentido
quanto mais vasto é.
Esta pedra esta folha
este mar sem tamanho
fecham-se em si, me
repelem.
Pervago em um mundo estranho.
Mas em meio à estranheza
do mundo, descubro
uma nova beleza
com que me deslumbro:
é teu doce sorriso
é tua pele macia
são teus olhos brilhando
é essa tua alegria.
Olho a árvore e já
não pergunto "para quê"?
A estranheza do mundo
se dissipa em você.

Ferreira Gullar




.

sexta-feira, 26 de março de 2010

"Un Ángel Gótico"

.
"Cupido" - William A. Bouguereau
.
Inmóvil, claramente
inhumano en la
pura catedral
vive un ángel.
Un ángel no tiene ojos.
Un ángel no tiene sangre.
Él no vive en la vida, él no vive
en la muerte, él está
vivo en la belleza.

Antonio Gamoneda

.

quinta-feira, 25 de março de 2010

"Soneto"

.
"Abraço" - Cibele Krukoski
.
Necessito de um ser, um ser humano
Que me envolva de ser
Contra o não ser universal, arcano
Impossível de ler

À luz da lua que ressarce o dano
Cruel de adormecer
A sós, à noite, ao pé do desumano
Desejo de morrer.

Necessito de um ser, de seu abraço
Escuro e palpitante
Necessito de um ser dormente e lasso

Contra meu ser arfante:
Necessito de um ser sendo ao meu lado
Um ser profundo e aberto, um ser amado.

Mário Faustino

.

quarta-feira, 24 de março de 2010

"Um Não Sei Quê"

.
Imagem: Google
.
Há em todas as coisas
um não sei quê
que sempre nos desafia
que sempre nos escapa

um não sei quê
que é tudo e nada
e só de olhos fechados
entrevemos
.
um não sei quê
que não é o mistério das coisas
mas sim o mistério dos homens
que interrogam o mundo.

Luís Ene

.

terça-feira, 23 de março de 2010

"Fotografia"

.
Imagem: Google
.
Não saio muito bem
em fotografias.
Porque meu melhor lado
a foto não pega.
Não me faz bela
ou me faz jus.

Porque meu melhor lado
não é o esquerdo.
Não é o direito.
É o de dentro.

Lilian Dalledone

.

segunda-feira, 22 de março de 2010

"Fantoche"

.
.
Sua mão retirada de repente e o fantoche,
agora, sem vida.
O boneco que animava o seu teatro
agora um pedaço de pano.
Tecido esquecido.
De volta prá caixa.
Mais uma vez, de uma hora para outra,
o vazio por dentro.
Sua ausência me transformando em trapo.

Eduardo Baszczyn

.

domingo, 21 de março de 2010

"Visitantes"

.
foto daqui
.
Os visitantes do outono têm humores chuvosos.
Cinzentos me procuram e se instalam em minha cama.
Sinto meus pés molhados,
meu coração encharcado, mas contente.
.
Os visitantes do outono são gentis e falam baixo.
Não querem incomodar, mas incomodam.
Chegam muito lentamente e permanecem.
Por tempo indeterminado.
.
Quando o outono acabar
vou conhecer o inverno e seus hóspedes gelados.
Sempre mais úmidos, talvez mais ternos,
mas nunca quentes, como os dos verões passados.
.
Visitantes que hoje dormem encantados.
.
Márcia Cavendish Wanderley

.

sábado, 20 de março de 2010

"Tristeza no Céu"

.
.
No céu também há uma hora melancólica.
Hora difícil, em que a dúvida penetra as almas.
Por que fiz o mundo? Deus se pergunta
E se responde: - Não sei.

Os anjos olham-no com reprovação,
e plumas caem.

Todas as hipóteses: a graça, a eternidade, o amor
caem, são plumas.

Outra pluma, o céu se desfaz.
Tão manso, nenhum fragor denuncia
o momento entre tudo e nada,
ou seja, a tristeza de Deus.

Carlos Drummond de Andrade

.

sexta-feira, 19 de março de 2010

.
.
Gente que anda pela vida
precisa andar distraída
(e as coisas distraem tanto!).

Mas eu, que fiquei parada,
como não encontro nada
para distrair-me – canto.

Cecília Meireles
In: Morena, Pena de amor -1.939

.

quinta-feira, 18 de março de 2010

"Para atravessar contigo o deserto do mundo"

.
.
Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento
.
Sophia de Mello Breyner Andresen

.

quarta-feira, 17 de março de 2010

.
Photo © Karla
.
Elas sobem paredes,
rondam portões,
derrubam cores aos borbotões.
Litigantes,
empurra-empurram-se
Buganvílias
em vicejante briga de família.

Flora Figueiredo

.

terça-feira, 16 de março de 2010

"Elegiazinha"

.
.
Gatos não morrem de verdade:
eles apenas se reintegram
no ronronar da eternidade.

Gatos jamais morrem de fato:
suas almas saem de fininho
atrás de alguma alma de rato.

Gatos não morrem: sua fictícia
morte não passa de uma forma
mais refinada de preguiça.

Gatos não morrem: rumo a um nível
mais alto é que eles, galho a galho,
sobem numa árvore invisível.

Gatos não morrem: mais preciso
- se somem - é dizer que foram
rasgar sofás no paraíso

e dormirão lá, depois do ônus
de sete bem vividas vidas,
seus sete merecidos sonos.


Nelson Ascher

.

segunda-feira, 15 de março de 2010

"Retalhos da Alma - CVI"

.
fotografia de Carlos Romão
.
O oceano deserto chora
pelas dores do tempo.
Implora ao rio uma
gota de alento.
.
Sede de oásis.
Medo da solidão!

Zena Maciel

.

domingo, 14 de março de 2010

"Manhãs de Domingo"

.
imagem daqui
.
Há um velho trem
a percorrer nas manhãs de domingo
os caminhos por onde andei
na minha infância que se foi
embarcada em seus vagões

no apito da velha maria fumaça
me deixo levar trilhos afora
toda vez que ela passa por aqui
e desperta o menino
que ainda corre, pés descalços
atrás de tantos sonhos
dentro de mim

Ademir Antonio Bacca

.

sábado, 13 de março de 2010

"Contradições Amorosas"

.
imagem daqui
.
Você, no alto dos seus belos olhos, diz ter medo
Eu, abaixo de sua linha da cintura, digo... eu sou o medo

Você, plantada na experiência, de uma longa vida, diz que sofreu
Eu, ainda cambaleante em meu triste corpo, digo que sangrei

Você, alinhada em seu perfil de estrela, afirma que chorou
Eu, mascarado em minha face de aço, saliento que me desmanchei em lágrimas

Você, ser sedento de paz e ternura, diz amar
Eu, impaciente e temeroso, digo ter dificuldades em entregar, arriscar e doar

Você, na intensidade de sua ansiedade, busca a felicidade
Eu, entregue às minhas eternas limitações, me apego à realidade.

Você, altiva e bonita, diz Sim e Não
Eu, cansado e sem esperanças, digo Não e Sim.

Lúcio Alves de Barros

.

sexta-feira, 12 de março de 2010

"Canção do Dia de Sempre"

.
imagem daqui
.
Abre a janela, e olha!
Tudo o que vires é teu.
A seiva que lutou em cada folha,
E a fé que teve medo e se perdeu.

Abre a janela, e colhe!
É o que quiser a tua mão atenta:
Água barrenta,
Água que molhe,
Água que mate a sede...

Abre a janela, quanto mais não seja
Para que haja um sorriso na parede!

Miguel Torga

.

quinta-feira, 11 de março de 2010

"Penugem"

.

fotografia de Patrícia
.
Flutuo
plano
desmaio
pouso numa flor
num galho

O vento me leva
o orvalho me pega
a água me carrega
a chuva me amassa
o sol me apruma

Tenho corpo d'alma
p
l
u
m
a

Líria Porto



.

quarta-feira, 10 de março de 2010

"A Pombinha da Mata"

.
fotografia Vinecosta
.
Três meninos na mata ouviram
uma pombinha gemer.

"Eu acho que ela está com fome",
disse o primeiro,
"e não tem nada para comer."

Três meninos na mata ouviram
uma pombinha carpir.

"Eu acho que ela ficou presa",
disse o segundo,
"e não sabe como fugir."

Três meninos na mata ouviram
uma pombinha gemer.

"Eu acho que ela está com saudade",
disse o terceiro,
"e com certeza vai morrer."

Cecília Meireles

.

terça-feira, 9 de março de 2010

"Pássara"

.
"Νίκη" - Paeonius. (séc V a.C.)
.
Desperta-me leve rumor de asas. Talvez seja apenas
um novo voo da ave que me habita, a irromper a madrugada
de onde venho, para ganhar o azul do azul!
E a pássara liberta do fundo do meu corpo-cárcere ao
alçar predestinado voo, alcançará o espaço adivinhado para
encharcar-se de vida-luz, sol-amor-nascente.
Sobrevoará a névoa da cidade, os rios em que deságuo
minhas fontes, irá além dos meus limites verticais, para
encontrar-se, serena ave-ávida, pousar em outra praia horizontal
e calma, de areias, ventos, dunas e poesia: encontro com a face
de minha alma!

Maria Lucia Nascimento Capozzi

.

segunda-feira, 8 de março de 2010

.
Cafayate-Campanario
.
Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.
E é tão lento o teu soar,
Tão triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.
Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho,
Soa-me na alma distante.
A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.

Fernando Pessoa

.

domingo, 7 de março de 2010

.
imagem daqui
.
Tenho saudades
do tempo em que
o mundo era pequeno.

Era só ali.

E eu cabia nos ramos
das acácias

e não sabia do longe que existia.

só do perto
que sentia.

Andrea Paes

.

sábado, 6 de março de 2010

.
.
A palavra
tem a sede
do peixe

escapa sempre
do poeta
em folha rasa

vai ao fundo,
volta à tona,
respira
e escapa do poema
outra vez

Ademir Antonio Bacca

.

sexta-feira, 5 de março de 2010

"Desconforto"

.
"O Homem Cansado", daqui
.
Acordou de manhã
e calçou seu destino.
Achou-o um pouco apertado,
mas ainda assim
seguiu seu caminho.

Durante o dia, a dor aumentou.
Doía no carro, doía na rua, doía no elevador.
Parou na calçada e chorou.

Não sabia o que fazer.
Não sabia como se salvaria dessa teia.
Só não pensou no mais simples:
tirar os sapatos
e andar com os pés na areia.

Moacir Caetano

.

quinta-feira, 4 de março de 2010

"Cantiga do Só"

.
"Padre Anchienta", by Portinari
.
Sem papel
escreveria como Anchieta à Virgem
nas areias brancas.

Sem praias, rabiscaria as paredes
ou riscaria o chão.
Sem chão, em suspenso, no espaço,
sem nada ver, sem nada encontrar,
ainda assim eu comporia
no ar,
no coração.

Se penso, ou sinto,
a emoção é palavra
e o silêncio é canção
ou hino.

- Que fazer?
É o meu destino.

J. G. de Araújo Jorge

.

quarta-feira, 3 de março de 2010

"As Doces Meninas de Outrora"

.
"Vintage Lori", by CherishedMemories
.
As doces meninas de outrora
amanheceram
vestiram os vestidos novos
pintaram as unhas de vermelho
por um instante resplandeceram
depois baixaram as cabecinhas louras
e envelheceram como as flores

Horácio Dídimo

.

terça-feira, 2 de março de 2010

"São Duas ou Três Coisas"

.
"The Woman in the Window" by Debi Coules
.
São duas ou três coisas que eu sei dela,
e nada mais além de seu perfume.
Sei que nas noites ermas ela assume
esse ar de quem flutua na janela,
como o duende fugaz que em si resume
um tempo que a ampulheta não revela:
o tempo além do tempo que só nela
navega mais que o peixe no cardume.
Sei que ela traz nos olhos esse lume
de quem sofreu e a dor tornou mais bela,
pois o naufrágio lhe infundiu aquela
vertigem que do alfanje é o próprio gume.
Sei que ela vive no halo de uma vela,
e queima, sem consolo, em minha cela.

Ivan Junqueira

.

segunda-feira, 1 de março de 2010

"Marinha"

.
Imagem daqui
.
Grito teu nome aos ventos.
Olha: há uma revoada marítima.
O horizonte se afasta, há um ritmo largo
de ondas que se espreguiçam.

Velas esguias,
para onde voam?

Sulcos de prata,
para onde levam?
Amiga, amiga! Ah, dize-me depressa:
Quem grita aos ventos o teu nome?
O mar, ou eu,
o grande mar que o está cantando

Emilio Moura

.

Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

Postagens populares

Total de visualizações de página