Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Ao pé do ouvido

 

Odalisque, de Henri Matisse


tom semitom
nós a semi colcheia

amor assim
onde a pausa suspira
e alimenta

Lucia De Moura Chamma





sábado, 9 de novembro de 2024

Ton Sur Ton

 

Arte de Nina Urushadze


Entre o azul
Marinho
E o azul
Celeste
Um blues
Permanece


Cris de Souza





terça-feira, 29 de outubro de 2024

Repara

 

Art: Ariana Clarice Richards


Li, no jornal, que as acácias incendiaram as ruas
e a manhã rebentou-me no peito. Deliberadamente.

Repara como se encheu de pássaros a árvore
que desenhaste no meu peito. Repara como,
lentamente, anulamos a distância das mãos
e equacionamos a linguagem do afeto na curva
dos braços. Repara como nos emocionamos com a vida
e, em segredo, nos olhamos sem qualquer pudor.
Repara.

Graça Pires





segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Por que dizes:" meu amor"

 

Arte de  Catrin Welz Stein

Por que dizes:" meu amor"
com tamanha certeza,
Quando não te pertence
Nem o nome, existência,
sequer sentido ou noção?
Dizes amar, porém,
desconheces intento,
fazes eco, apenas,
a fonemas na boca,
sem significação.

Antes de orgulhar-te
seres do amor, dono,
vista-se de humildade,
traz doçura nos atos,
acende no peito, chama,
ardente, verdadeira
e entregue-se ao
sentir inquieto da
própria pulsação;

Aí, talvez, comeces
a perceber ínfima
parcela do imenso
mundo sem fronteiras,
onde o amor ensina
as artes da criação.

Calu Barros




domingo, 27 de outubro de 2024

As meninas que brincam nas praças

 

Arte de Ivan Cruz


São anônimas e puras as meninas
Que brincam nas praças.   Inspiradas
No dinamismo inocente
De estarem possuídas pelo sol.
Ainda existe
No fundo de todas as praças-parques
Um tempo piedoso gotejando o futuro
Através de tranças e sorrisos.

Somente meninas que brincam nas praças
Sabem colher a vida e retê-la
No coração das rosas.

Se elas sabem a profecia
Que palpita velada
No mistério dos lagos.

E há um instante
No fundo olhar dos meninos
Que só elas advinham
E eternizam.

São brancas e meigas
Como trapos de nuvens
As meninas que brincam nas praças
Quando fecundadas pela ingênua
Dádiva de luz
Que as adora.

Mas eis que a primeira estrela
Surpreende o adeus do sol
E um momento imóvel
Afugenta as meninas
Que brincam nas praças.

(E as praças ficam vazias
como a vida)

Roberto Piva





sábado, 19 de outubro de 2024

Cântico negro

 

Imagem via Google


Vem por aqui”- dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui”!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: “vem por aqui”?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
a ir por aí…

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?…
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos…

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
— Sei que não vou por aí!


José Régio




terça-feira, 15 de outubro de 2024

Panaceia desvairada



Imagem via Google


a sin-fonia
per-cussiva
ves-pertina
dos sapatos contra a calçada
somos
multidão de torres
em concreto armado
caminhando na
mesma direção –
destinos diferentes –

transe coletivo
coletando individualidades
dissidência controlada
permitida

cada um é um
um só

Sanchez







quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Uma palavra


Fotografia de Caspar Sejensen




este poema
é uma pergunta

cuja resposta
é uma palavra

uma palavra
que lhe corta
a pele com navalha
e lhe expõe
carne
nervos
veias

e mesmo assim
você quer
que eu pergunte

e mesmo assim
você quer
me dizer
essa palavra-única
que lhe rasga

tão íntima
e crua
num sopro
sedento
palavra-tua
até os ossos

e ao ler este poema
levanta os olhos
e me encara
oráculo
e a palavra saliva
na língua trêmula
esgueirando
entre os dentes
esfinge
“me devore”

Diana Pilatti





terça-feira, 24 de setembro de 2024

Exemplo

 

pintura de Ibotglese


O vendaval
à noite arrancou todas as folhas de uma árvore,
menos uma,
deixada
para balançar só num galho nu.
Com este exemplo
a Violência demonstra
que sim –
às vezes ela gosta de se divertir.

Wisława Szymborska





E no meio das trevas

 

Fotografia de Rosie Hardy

...
(excerto)

E no meio das trevas,
o coração a estalar de recordações e pranto,
sorvendo em haustos lentos o silêncio pálido
que marca o compasso dos sonhos,
imóveis ambos, da cabeça aos pés
a contemplar negros anos mortos
implacavelmente fixos na parede nua,
dir-se-iam efígies
gravadas em tumba nupcial
lado a lado da espada
à espera do rompimento final.

...

George Meredith


quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Essa que eu hei de amar perdidamente

 

Portrait of Edith Warren Millet, (1885)
Detail. by Jules Joseph Lefebvre (1836 - 1911)

Essa que eu hei de amar perdidamente um dia
será tão loura, e clara, e vagarosa, e bela,
que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela,
trazer luz e calor a essa alma escura e fria.

E quando ela passar, tudo o que eu não sentia
da vida há de acordar no coração, que vela…
E ela irá como o sol, e eu irei atrás dela
como sombra feliz… — Tudo isso eu me dizia,

Quando alguém me chamou. Olhei: um vulto louro,
e claro, e vagaroso, e belo, na luz de ouro
do poente, me dizia adeus, como um sol triste…

E falou-me de longe: "Eu passei a teu lado,
mas ias tão perdido em teu sonho dourado,
meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!

Guilherme de Almeida



terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Como chamar faca

 

Imagem via Pinterest

Como chamar faca
tanto aquela
enfiada na fruta
quanto aquela
enfiada no peito?
como chamar fruta
tanto o sol polpudo da laranja
quanto a lua doce da lichia?
como chamar peito
tanto o peso oco do meu coração
quanto o peso oco do seu coração?

Ana Martins Marques
em 'O livro das semelhanças'




Exercício de natação

 

Imagem via Google

O amor assemelha-se
a um exercício de natação(...):
é como se o outro fosse o próprio mar
que nos leva.

Lou Andreas-Salomé



Perdoa-me

 

Arte via Pinterest

Perdoa-me
porque
dos seres
que não amei
não amei
ninguém
mais do que tu.

Maria Gabriela Llansol
in "Livro de Horas III"




Porque tu me chamas

 

Imagem via Google

Não sei como entrar no teu bairro na tua vida,
a tua vida de puzzles e de palmeiras,
o teu bairro de lata e de armaduras.

Não sei como ir da minha vida à tua rua,
a tua rua cheia de perguntas,
a minha vida estranha sem respostas.

Mas chegarei.
Porque tu me chamas.

Belén Sánchez



A tua ausência me dói

 

Fotografia de Lex Kilgour

Quero dizer-te uma coisa simples: a tua
ausência dói-me. Refiro-me a essa dor que não
magoa, que se limita à alma, mas que não deixa,
por isso, de deixar alguns sinais – um peso
nos olhos, no lugar da tua imagem, e
um vazio nas mãos, como se tuas mãos lhes
tivessem roubado o tato. São estas as formas
do amor, podia dizer-te; e acrescentar que
as coisas simples também podem ser complicadas,
quando nos damos conta da diferença entre o sonho e a realidade.
Porém, é o sonho que me traz à tua memória; e a
realidade aproxima-te de ti, agora que
os dias correm mais depressa, e as palavras
ficam presas numa refração de instantes,
quando a tua voz me chama de dentro de
mim – e me faz responder-te uma coisa simples,
como dizer que a tua ausência me dói.

Nuno Júdice






Quis achar no teu corpo

 

Arte: Brune Compagnon Images

Quis achar no teu corpo uma loucura nova
alguma coisa viva
que lá não estava
e que era só minha
e que eu te emprestava.

Então, deu-me saudade
do tempo em que teu corpo
fruta à prova
já era, por si só, uma loucura nova.

Renata Pallottini







Deixei a luz a um lado

 

Imagem via Google


Deixei a luz a um lado e numa beira
da cama em desalinho me sentei,
sombrio, mudo, os olhos imóveis
cravados na parede.
Que tempo estive assim? Não sei; ao deixar-me
a horrível embriaguez da dor
já expirava a luz, e na varanda
ria o sol.

Não sei tão-pouco em tão terríveis horas
em que pensava ou que passou por mim;
recordo só que chorei e blasfemei
e que naquela noite envelheci.

Gustavo Adolfo Bécquer




Rebentação

 

Arte de Monia Merlo

Hoje sou eu que poso para o teu poema
como uma modelo numa cama de flores
que estaria
a vida inteira diante dos teus olhos
até ser só ossos, ouro, palavras, rebentação.

Ana Salomé









Quantas flores eu usava

 

Imagem via Pinterest


Foi assim que você pensou que eu ficaria no mundo,
usando flores em meu cabelo negro,
sempre escondidas no emaranhado dos cachos
sempre escondidas no emaranhado do caos
de minha cabeça negra.
Só você sabia quantas flores eu usava
porque agora eu já sei
que você dedicava as noites
à contagem. Deus não dorme
e você também não.

Matilde Campilho





Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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