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eu sei que traí, mãe! 
Tudo porque já não sou o retrato adormecido 
no fundo dos teus olhos! 
Tudo porque tu ignoras 
que há leitos onde o frio não se demora 
e noites rumorosas de águas matinais! 
Por isso, às vezes, as palavras que te digo 
são duras, mãe, e o nosso amor é infeliz. 
Tudo porque perdi as rosas brancas 
que apertava junto ao coração 
no retrato da moldura! 
Mas tu esqueceste muita coisa! 
Esqueceste que as minhas pernas cresceram, 
que todo o meu corpo cresceu, e até o meu coração
ficou enorme, mãe! 
Olha - queres ouvir-me? -, 
às vezes ainda sou o menino 
que adormeceu nos teus olhos;
ainda oiço a tua voz: 
"Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal..." 
Mas - tu sabes! - a noite é enorme 
e todo o meu corpo cresceu... 
Eu saí da moldura, 
dei às aves os meus olhos a beber. 
Não me esqueci de nada, mãe. 
Guardo a tua voz dentro de mim. 
E deixo-te as rosas... 
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Eugenio de Andrade


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