
— estou oca —
melhor louca
que assim pouca
Celina Portocarrero
Um poeta é um rouxinol que se senta na escuridão, e canta para se confortar da própria solidão com seus próprios sons. Seus ouvintes são homens arrebatados pela melodia de uma musica invisível, que se sentem comovidos e em paz, ainda que não saibam como nem porquê” (Percy Bysshe Shelley)
Não sabemos que fruto se pressente na boca,
confirmando um tempo de colheita.
Urgente se torna refazer o frágil
caminho das manhãs: um trajeto de água
nas pupilas dos pássaros, conquistando planícies,
fontes, lábios. Umas vezes vento, outras vezes barco,
mas sempre coniventes com a ilusão que se maneja
como um desvio para escapar à morte.
Setembro escreve-se a cor de mel,
quando a luz quase emerge da terra
e os dias, mais curtos, garantem que o sol
se reconcilie com a noite.
Graça Pires
in Ortografia do olhar
os dias iguais são ensaios
de eternidades
todos os dias são um só
dia
as dores: memórias
equecidas
as alegrias
o canto tardio
do pássaro ego
os lírios
tudo
como num grande e fugaz
delírio
Nydia Bonetti
Esse temporal a destempo, essas grades nas meninas dos meus
olhos, essa pequena história de amor que se fecha como um
leque que aberto mostrava a bela alucinada: a mais
nua do bosque no silêncio musical dos abraços.
Alejandra Pizarnik
Fotografia de Antonio Palmerini
principiou em mim
e terminou em algum lugar
em construção
quando se desliga a música
antes dela acabar
o ar fica freado
no espaço
vou para rua e não escuto
o murmurar do mundo
há tanto para se fazer
e quando algo começa
em algum ponto
e resolve continuar em mim
sinto que permanece para sempre
nunca há fim nos princípios
tudo é eterno e inacabado
Lara Amaral
Foto gratuita de Pixabay
À beira d'água moro,
à beira d'água,
da água que choro.
Em verdes mares olho,
em verdes mares,
flor que desfolho.
Tudo o que sonho posso,
tudo o que sonho.
E me alvoroço.
Que a flor nas águas solto,
e em flor me perco
mas em saudade volto.
Cecília Meireles
in Metal Rosicler´
Ponho o meu dedo sobre os teus lábios
para que não fales.
Hoje doem-me as palavras.
E só o silêncio se ajusta
à tristeza de ter as asas molhadas
e ser ave ferida agarrada ao chão.
Ponho os teus braços à volta do meu corpo
para que me abraces sem nada dizer,
com todas as tristezas presas na garganta
onde tantos gritos se calam.
Encosto o meu corpo ao teu,
sinto os mudos abismos da tua pele
e tomo as tuas mãos entre as minhas
para que dances comigo... neste silêncio.
Ana Mateus
Imagem da Web
O arco-íris cai não interferindo
Nas cores do quadro. O pintor
Agradece. O peixe lento
Que o pintor trouxe ao mundo tem
Cores despropositadas, porém não há nenhuma razão
Para apontar aos peixes a responsabilidade
De um erro, afinal,
Estético.
Quanto à literatura: não falha na cor,
Mas jamais acerta nas palavras.
Gonçalo M. Tavares
Diante deste lago
tão vasto que parece um mar
ouço o leve ruído das suas pequeninas ondas
estirando-se na areia.
Um lago é uma água prisioneira:
só o mar atira para fora
para longe
Mas o mar está preso à terra.
Ana Mateus
Foto de Cruzin Canines Photography
Te amo com amor de passarinho.
Sujo de lírios e acácias.
Enamorado por rosas e violetas
E enfeitado de girassóis,
Te amo com amor de passarinho.
Perfumado de arco-íris e magnólias
Que levanta voo de meu corpo.
E viaja no tempo.
Morgado Mbalate
Imagem via Pinterest
~ excerto ~
Não sei que nome chamar-te.
Nem onde estão os passos
que quero sombra dos meus.
Talvez eu seja um livro cansado
de tanto me leres,
ou tão-pouco saibas
onde ficou o marcador de página
O eterno é tão efêmero
que nem damos pelo presente.
Francisco Valverde Arsenio
A saudade é um verbo estranho
Que se conjuga teimosamente no presente
Um espartilho da alma de aperto sem tamanho
Um olhar sem limite, mas onde só apanho
As letras que te fazem viva na minha mente.
E por ser um verbo sem qualquer conjugação
Sem ser aquela que ainda me traz a memória
Rompo o espartilho e grito que o meu coração
É um livro estranho onde vives pela minha mão
Em letras tortas que contam a nossa história.
João Dordio