Tela “Operários”, de Tarsila do Amaral
Todos os punhais que fulgem nos gritos,
todas as fomes que doem no pão,
todo o suor que luz nas estrelas,
todas as cruzes no peso dos braços,
todos os crimes nas penas das pombas,
todas as lanças nos dedos de reza,
todas as feridas que cheiram nos cravos,
todas as sedes com asas nas nuvens,
toda a inveja na limpidez dos espelhos,
todos os soluços para ressuscitar os filhos mortos,
todos os desejos nos alçapões do Frio,
todos os assassinos que andaram ao colo das mães,
todos os olhos pegados nas jóias das montras,
todos os atestados de pobreza com lágrimas de carimbo,
todos os murmúrios do sol, no quarto ao lado, à hora da morte...
Tudo, tudo, tudo
se condensou de repente
numa nuvem negra de milhões de lágrimas
a humilharem-me de ternura
- eu que quero ser alheio, duro, indiferente...
... enquanto os Outros dançam, cantam, bebem,
vivem, amam, riem, suam
neste pobre planeta
magoado das pedras e dos homens
onde cresceu por acaso o meu coração no musgo
aberto para a consciência absurda
deste remorso sem sentido.
José Gomes Ferreira
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