Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

terça-feira, 31 de março de 2009

"Tarefa"

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Morder o fruto amargo e não cuspir
mas avisar aos outros quanto é amargo,
cumprir o trato injusto e não falhar
mas avisar aos outros quanto é injusto,
sofrer o esquema falso e não ceder
mas avisar aos outros quanto é falso;
dizer também que são coisas mutáveis...
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E quando em muitos a noção pulsar
— do amargo e injusto e falso por mudar —
então confiar à gente exausta o plano
de um mundo novo e muito mais humano.
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Geir Campos
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segunda-feira, 30 de março de 2009

"Um Pássaro Menor"

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"Bird by my window..." Fly by Michael Massimo
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Quis, de fato, que o pássaro voasse
E próximo ao meu lar não mais cantasse.
Cheguei à porta para afugentá-lo,
Por sentir-me incapaz de suportá-lo.
Penso que a inteira culpa fosse minha,
E não do pássaro ou da voz que tinha.
O erro estava, decerto, na aflição
De querer silenciar uma canção.
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 Robert Frost
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domingo, 29 de março de 2009

"Alba"

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"Luzes de outono" - de Augusto Peixoto
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Não faz mal que amanheça devagar,
as flores não têm pressa nem os frutos:
sabem que a vagareza dos minutos
adoça mais o outono por chegar.
Portanto não faz mal que devagar
o dia vença a noite em seus redutos
de leste - o que nos cabe é ter enxutos
os olhos e a intenção de madrugar.
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Geir Campos
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sábado, 28 de março de 2009

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foto daqui
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A minha história é simples.
A tua, meu amor,
É bem mais simples ainda.
Era uma vez uma flor.
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Nasceu à beira de um Poeta.
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-Vês como é simples e linda ?
(O resto... Conto depois.)
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Mas tão a sós, tão de manso,
Que só escutemos os dois!
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Sebastião da Gama
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sexta-feira, 27 de março de 2009

"Flor de Açucena

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Maja Desnuda, de Goya
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Quando acariciei o teu dorso,
campo de trigo dourado,
minha mão ficou pequena
como uma flor de açucena
que delicada desmaia
sob o peso do orvalho.
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Mas meu coração cresceu
e cantou como um menino
deslumbrado pelo brilho
estrelado dos teus olhos.
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Thiago de Mello
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quinta-feira, 26 de março de 2009

"De Rosas"

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imagem daqui
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Brindemos, amantes, a cada manhã
com um suave tilintar de pétalas,
com o mais fino licor de uma rosa
tão finita e sempre viva,
tão óbvia e super nova,
tão dolorosamente espinho
e ainda amorosamente rosa:
eis o amor em sua mais redundante
e ainda irretocável metáfora -
todo o resto é meramente prosa.
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Fernando Campanella
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quarta-feira, 25 de março de 2009

"Morrer... Dormir..."

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Morrer...Dormir... Nada mais!
Termina a vida
E com ela terminam nossas dores:
Um punhado de terra, algumas flores,
E às vezes uma lágrima fingida!
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Sim! Minha morte não será sentida;
Não deixo amigos, nem tive amores,
Ou se os tive, mostraram-se traidores,
Algozes vis de uma alma consumida.
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Tudo é podre no mundo. Que me importa
Que ele amanhã se esb'roe e que desabe,
Se a natureza para mim é morta!
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É tempo já que meu exílio acabe...
Vem, pois, ó morte, ao nada me transporta!
Morrer...Dormir...Talvez sonhar...Quem sabe?
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Francisco Otaviano
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terça-feira, 24 de março de 2009

"Ao Vento"

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Fica comigo, mas não posso pedir ao vento
que sopre ao alcance de meu ouvido,
ou à terra que abençoe nossos longos segredos -
nem mesmo da luz querer ouso
que se demore em meu abrigo.
Quando os dados lançados e até meu silêncio
contra toda certeza parecem que conspiram
- e caso os dedos do mundo
em suas recurvas unhas nos firam -
releva, e fica comigo, os anjos sabem mais alto
daquilo em que insisto, do que preciso.
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Fernando Campanella
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segunda-feira, 23 de março de 2009

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Perca
a noção
do perigo,
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faça
do relento
o seu abrigo:
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kamicase-se
comigo.
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Múcio Góes
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domingo, 22 de março de 2009

"Flores Amarelas"

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Para a tua pele
preparo a minha pele,
unto meu corpo
com a areia das horas.
. Vagarosamente mergulho
no leite da lua
e afio os dentes.
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Busco nos mapas
cidades não assinaladas,
aí te encontrarei
vestida com braçadas
de flores amarelas.
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Roseana Murray
In Recados do Corpo e da Alma
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sábado, 21 de março de 2009

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Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
- Eu soubesse repor -
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!
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Manuel Bandeira
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sexta-feira, 20 de março de 2009

"Revisitado"

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Bem vindo à minha casa
Mas se quiseres ir ao sótão
Leva as velas.
Algo ali vive que não suporta
A crua luz escancarada.
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Eu o revisito, tantas vezes,
E não me incomodam seus trastes,
Alguns ratos – eles me convivem,
Eu sou o velho hóspede da casa.
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Subo e desço, no cotidiano ato,
gosto de ir, às vezes, regar,
antes que esquecidas mal cheirem,
as flores de meu cercado.
(Com a palma lisa de meus olhos
Acaricio as ternas fugacidades.)
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Desço, e subo, vou por estes cômodos
Sonambulando.
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Acomoda –te em minha casa,
Mas se quiseres entrar
em meu sótão, acende as velas.
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Ali já estou aclimatado,
Sou amigo do gato, eu furto a luz
pelas mínimas frestas do telhado.
Ali todas artimanhas já incorporei.
Eu dos hábitos, eu me convivo -
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eu sou o velho fantasma da casa.
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Fernando Campanella
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quinta-feira, 19 de março de 2009

"Ser, Parecer"

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Entre o desejo de ser
e o receio de parecer
o tormento da hora cindida
Na desordem do sangue
a aventura de sermos nós
restitui-nos ao ser
que fazemos de conta que somos.
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Mia Couto
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quarta-feira, 18 de março de 2009

"Confissão"

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Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece... Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto.
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Mario Quintana
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terça-feira, 17 de março de 2009

"La Campanella"

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Aquela senhora
toca um piano na tarde,
La campanella, as teclas
ágeis ondulando em mimos,
em vibrantes sinos delicados.
Imersos, cada qual em sua estória,
uma sintonia de repente
nos toma, uma arte -
um rio profundo sem corte,
um certo azul que nos sonha.
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Fernando Campanella
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segunda-feira, 16 de março de 2009

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Acenda a lâmpada às seis horas da tarde
Acenda a luz dos lampiões
Inflame a chama dos salões
Fogos de línguas de dragões
Vagalumes numa nuvem de poeira de neon
Tudo claro à noite, assim que é bom
A luz acesa na janela lá de casa
O fogo, o foco lá no beco e um farol
Essa noite
Essa noite vai ter sol
Essa noite
Essa noite vai ter sol.
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Paulo Leminski
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domingo, 15 de março de 2009

TERTULIA VIRTUAL - DESEJO

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Hoje é dia 15, dia de TERTULIA VIRTUAL, uma adorável interação entre os Blogs participantes, promovida por Jorge Pinheiro (Expresso da Linha) e Eduardo P.L. ( Varal de Idéias). Neste mês de Março o tema é DESEJO.
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.Optei por postar três poemas dessa que considero a POETISA DO DESEJO:
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Os versos de Gilka falam do desejo da mulher de se libertar dos preconceitos e falsos moralismos do início do século passado (... que sobrevivem nos dias de hoje). Falam sempre sobre a condição feminina, de forma super audaciosa para sua época.
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Apreciem:
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Fecundação
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Teus olhos me olham
longamente,
imperiosamente
de dentro deles teu amor me espia.
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Teus olhos me olham numa tortura
de alma que quer ser corpo,
de criação que anseia ser criatura
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Tua mão contém a minha
de momento a momento
é uma ave aflita
meu pensamento
na tua mão.
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Nada me dizes,
porém entra-me a carne a persuasão
de que teus dedos criam raízes
na minha mão.
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Teu olhar abre os braços,
de longe,
à forma inquieta de meu ser,
abre os braços e enlaça-me toda a alma.
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Tem teu mórbido olhar
penetrações supremas
e sinto, por senti-lo, tal prazer,
há nos meus poros tal palpitação,
que me vem a ilusão
de que se vai abrir
todo meu corpo
em poemas.
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Esboço
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Teus lábios inquietos
pelo meu corpo
acendiam astros...
e no corpo da mata
os pirilampos
de quando em quando,
insinuavam
fosforecentes carícias...
e o corpo do silêncio estremecia,
chocalhava,
com os guizos
do cri-cri osculante
dos grilos que imitavam
a música de tua boca...
e no corpo da noite
as estrelas cantavam
com a voz trêmula e rútila
de teus beijos...
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Volúpia
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Tenho-te, do meu sangue alongada nos veios,
à tua sensação me alheio a todo o ambiente;
os meus versos estão completamente cheios
do teu veneno forte, invencível e fluente.
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Por te trazer em mim, adquiri-os, tomei-os,
o teu modo sutil, o teu gesto indolente.
Por te trazer em mim moldei-me aos teus coleios,
minha íntima, nervosa e rúbida serpente.
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Teu veneno letal torna-me os olhos baços,
e a alma pura que trago e que te repudia,
inutilmente anseia esquivar-se aos teus laços.
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Teu veneno letal torna-me o corpo langue,
numa circulação longa, lenta, macia,
a subir e a descer, no curso do meu sangue.
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Esta postagem faz parte da Tertúlia Virtual, promovida por Jorge Pinheiro (Expresso da Linha) e Eduardo P.L. ( Varal de Idéias).
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sábado, 14 de março de 2009

"Quem Ama é Diferente de Quem é"

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Todos dias agora acordo com alegria e pena.
Antigamente acordava sem sensação nenhuma; acordava.
Tenho alegria e pena porque perco o que sonho
E posso estar na realidade onde está o que sonho.
Não sei o que hei de fazer das minhas sensações.
Não sei o que hei de ser comigo sozinho.
Quero que ela me diga qualquer cousa para eu acordar de novo.
Quem ama é diferente de quem é
É a mesma pessoa sem ninguém.
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Alberto Caeiro
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sexta-feira, 13 de março de 2009

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A aurora chegou vestida de
cor-de-rosa, passou pela vidraça,
passou através de minhas pálpebras,
acordou meus olhos. Mas não me
acordou a alma,
que ficou dorme-não-dormindo,
boba e semi-iluminada...
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Paulo Mendes Campos
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quinta-feira, 12 de março de 2009

"Sem Ti"

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E de súbito desaba o silêncio.
É um silêncio sem ti,
sem álamos,
sem lua.
Só nas minhas mãos
oiço a música das tuas.
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Eugénio de Andrade
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quarta-feira, 11 de março de 2009

"Nas Nossas Ruas, Ao Anoitecer"

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Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.
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Cesário Verde
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terça-feira, 10 de março de 2009

"Autodefinição de Mulher"

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Quando cuidares de mim
Cuida de mim com cuidado
Não sou rouxinol de cetim
E nem sou um vaso quebrado
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Sou inteira, transparente
Algumas vezes opaca;
Vez em quando sou dolente
E em outras uma faca
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Tenho um peito de aço
E um coração de veludo
No meu ventre o melaço
Na cabeça quase tudo
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Mãos que oram bem-postas
Pernas que abrem compassos
Tenho um demônio nas costas
Tenho dois anjos nos braços
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Sou do revés, do festim
Aleatória ou do fado
Quando cuidares de mim
Cuida de mim com cuidado.
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José Magno
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segunda-feira, 9 de março de 2009

"O Sol Está Numa Tal Posição"

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O sol está numa tal posição,
que de todos os lados se vê o mesmo.

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Ah, que amor incontestado podemos dar e ser,
que esfera impecável, impoluta,
de sempre adiado horizonte,
continuando-se interminável,
na sucessão de si mesma,
afirmando sua duração,
............................
ah, que esfera podemos ser, em sonho,
talvez,em alma,
quem sabe,
que sol, que totalidade sem arestas,
que evidência inegável,
em que lugar, em que posição?
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Cecília Meireles
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domingo, 8 de março de 2009

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Adivinha
O que é impalpável
mas
pesa
o que é sem rosto
mas
fere
O que é invisível
mas
dói
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Teia
A teia, não
mágica
mas arma, armadilha
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A teia, não
morta
mas sensitiva, vivente
a teia, não
arte
mas trabalho, tensa
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A teia, não
virgem
mas intensamente
prenhe:
no
centro
a aranha espera.
*
Orides Fontela
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sábado, 7 de março de 2009

"Árias Pequenas. Para Bandolim"

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Antes que o mundo acabe,
Deita-te e prova
Esse milagre do gosto
Que se fez na minha boca
Enquanto o mundo grita
Belicoso. E ao meu lado
Te fazes árabe, me faço israelita
E nos cobrimos de beijos
E de flores
Antes que o mundo se acabe
Antes que acabe em nós
Nosso desejo.
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Hilda Hilst
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sexta-feira, 6 de março de 2009

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Você me deu a palavra tosco
eu te dei a palavra atarantada
você me deu tom zé
eu te dei o galeano
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você me trouxe mais loucura
eu te mostrei praticidades
você me faz bater palmas
eu te faço saltitar pela casa
você é letra e música
eu sou só palavra
eu te alimento
você me come
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a gente junto inventa o mundo
e se diverte
e anda por aí
a gente junto é melhor que sozinho
ainda é cada um
mas cada um ganha mais brilho
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adoro esse encontro
adoro a permanência
o desenho dos dias com você
adoro conviver
com você, viver
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Maria Rezende
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quinta-feira, 5 de março de 2009

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Vou vestir minha melhor roupa,
calça cor de areia em dia de sol,
camisa branca lavada em lua cheia
e sapatos ligeiros como os cervos
correndo na mata quando chove.
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Vou levar flores que nunca vi antes
e um presente com laço de fita.
Vou atento ao primeiro sorriso
que você vai dar ainda de longe
quando vir que estou chegando.
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Alvaro Bastos
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quarta-feira, 4 de março de 2009

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Na minha pupila tua imagem
Em meus lábios tua memória
Se moras em meu coração
Onde é que te ocultas?
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Al-Hallaj
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terça-feira, 3 de março de 2009

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Fome sem nome
Desejo de carne, de alma
De devorar ferozmente
Pedaços diferentes
Produzir saliva
Digerir idéias
Soluçar palavras
Satisfazer apetites
Temperar
Com outras raízes
Várias matizes
Prato pronto, nova fome
Antropofagia
Tudo se come.
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Gustavo Adonias Bastos
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segunda-feira, 2 de março de 2009

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Não vejo
A quem
Desejo,
Nem donde
Responde
Quem chamo.
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Aonde
Se esconde
Quem amo?
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Carlos Queiroz
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domingo, 1 de março de 2009

"O Olhar"

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É dentro do olhar que principia
essa penumbra que, expulsando o dia,
pouco a pouco enevoa tudo em volta
e onde era luz semeia escuridão.
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E é dentro do olhar que a solidão
origina a tristeza e a revolta.
Mas é também por dentro do olhar
que a manhã se ergue nua e anda à solta
e brilha intenso o verde-azul do mar.
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Torquato da Luz
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Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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