Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Murmúrio de ausência

 
Fotografia de Heloisa Hayon
 
as margens da lagoa
acompanham os passos da tua silhueta
reflexos de ti
invadem as águas serenas
e preenchem o meu horizonte
em ecos fugazes
assola-me o murmúrio da tua ausência.

João Carlos Esteves 
 
 
 
 


Vem comigo

 
Arte de Paolo Domeniconi

vem comigo
ver as pirâmides fantásticas do vento
no interior luminoso da terra encontrarás
o segredo de quartzo para desvendares o tempo
onde contemplamos a fulva doçura das cerejas

iremos para onde os restos de vida não acordem
a dor da imensa árvore a sombra
dos cabelos carregados de pólens e de astros
crescemos lado a lado com o dragão
o súbito relâmpago dos frutos amadurecendo
iluminará por um instante as águas do jardim
e o alecrim perfumará os notívagos passos
há muito prisioneiros no barro
onde o rosto se transforme e morre
e já não nos pertence

vem comigo
praticar essa arte imemorial de quem espera
não se sabe o quê junto à janela
encolho-me
como se fechasse uma gaveta para sempre
caminhasse onde caiu um lenço
mas levanto os olhos
quando o verão entra pelo quarto e devassa
esta humilde existência de papel

vem comigo
as palavras nada podem revelar
esqueci-as quase todas onde vislumbro um fogo
pegando fogo ao corpo mais próximo do meu

Al Berto
in Uma existência de papel




Colada à tua boca

 
 Arte colagem de Sergio Condeço 

Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas descomedida
Árdua
Construtor de ilusões examino-te sôfrega
Como se fosses morrer colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer.
 
Hilda Hilst
 
 
 
 

As palavras, quando não vens

 
 Arte de @evamilkonskaya

O dia ficou soturno,
fez-se tarde na manhã dos meus olhos.
Choveu na sombra do meu corpo,
em silêncio.
Ficou o tempo amortalhado
nas minhas mãos petrificadas,
sem préstimo,
frias.

Hoje não vieste;
Adiadas
ficaram as palavras que trazemos no olhar.

Antonio Patrício
 
 
 
 


Içar velas


 Arte de Linda Smith

E agora que derramaste
todos os mares
no meu olhar
só me resta içar velas ao vento
e navegar.
 
Antonio Patrício
 
 
 
 


quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Girassol noturno

 
Fotografia de Kel L

Circulo às tontas
ansiosa pelo lusco-fusco,
o legítimo anunciador da madrugada.

Busco repouso
enviesada
esperando o silêncio maior.

Invento purificações com água quente
sob luz de velas imaginárias,
num ritual santificado.

Não é de hoje que colho
com minhas mãos ásperas
essas dolorosas astúcias de salvação.

Isabella Maia
in Por Cada Uma
 
 
 

terça-feira, 25 de agosto de 2020

Há sempre um amor procurando seu nome

 
Imagem via Arte e Arti.net 

Há sempre um amor procurando seu nome
Na solidão do livro dos tempos.

Há sempre uma veste nupcial
Pendendo da guilhotina da noite.

Há sempre restos do Minotauro
A escurecer os campos tranquilos.

Há sempre um olhar espiando o horizonte,
Um olhar que não foi visto.

Murilo Mendes
 
 
 

Os homens vinham

 
  Fotografia de Sebastião Salgado
 
Os homens vinham e havia um caminho.
Continuavam, e o prumo os esperava,
e eles seguiam acreditando nisso:
sempre rumar — sempre sempre sempre.

Os homens nunca chegavam a algum lugar,
mas iam eternamente em busca de,
pois não queriam nem suportariam
entender a verdade do lugar nenhum.

José Inácio Vieira de Melo
in Sentido
 
 
 

Escrever nem uma coisa nem outra

 
 Arte de Yume Cyan

Escrever nem uma coisa
Nem outra -
A fim de dizer todas -
Ou, pelo menos, nenhumas.

Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar -
Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.

Manoel de Barros
 
 
 

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Canção

 
Fotografia de Man Ray, 1930

Quero um dia para chorar.
Mas a vida vai tão depressa!
– e é preciso deixar contida
a tristeza, para que a vida,
que acaba quando mal começa,
tenha tempo de se acabar.
Não quero amor, não quero amar...
Não quero nenhuma promessa
nem mesmo para ser cumprida.
Não quero a esperança partida,
nem nada de quanto regressa.
Quero um dia para chorar.
Quero um dia para chorar.
Dia de desprender-me dessa
aventura mal-entendida
sobre os espelhos sem saída
em que jaz minha face impressa.
Chorar sem protesto. Chorar.

Cecília Meireles
 
 

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Nem vem


Escultura em papel, por Polly Verity

nem vem
com chá
rivotril
mantra zen

um deus
que se preze
não dorme
meu bem

Carlos Moreira
 
 
 

O tempo corrói a vida

 
 Julien Mandel pour Alfred Noyer Studio 1920

O tempo
corrói a vida pelas bordas
insaciável
já devorou
mais da metade do que sou
...ou do que fui?
e nos setembros
ele arranca pedaços
inteiros

Nydia Bonetti 
 
 
 

Clarice

 
 Fotografia de Ivan Beoulve 

quando saio de mim
por aí
encontro
o outro
eu, e os outros
eus,
including clouds

Karina Rabinovitz
in Poesia pra caixinha [de fósforo]
 
 
 

Gestos

 
 Fotografia de  Ziqian Liu

O que vem de dentro
pudera nunca se exprimir
palavra
O que vem de dentro
é ouro
puro silêncio
pudera nunca se exprimir
mundo
O que vem de dentro
é tudo
só se pode exprimir
mudo

Tanussi Cardoso
 
 
 
 

Muito prazer

 
 The Old Piano Tree, California 

Sou um sujeito cheio de recantos.
Os desvãos me constam.
Tem hora leio avencas.
Tem hora, Proust.
Ouço aves e beethovens.
Gosto da Bola-Sete e Charles Chaplin.

O dia vai morrer aberto em mim.

Manoel de Barros
in Livro Sobre Nada
 
 
 
 

Alvissareira


 Arte de Christian Schloe

Tenho fome de boas-novas,
cartas com letra floreada,
postais, quem sabe,
de faróis
no Mar Vermelho.
Mas raro batem
à minha porta.
Por isso invento
meus milagres
(e então os lanço
dos telhados
em aviões de papel).

Ana Santos
 
 
 

Retrato para ser visto de longe

 
Fotografia de Anya Panchenko

Sou um ser, o outro é metade
que não sabe de onde veio.
Sou treva, sou claridade.
Solidão partida ao meio
e entre os dois a eternidade.

Sei quem sou, não me conheço.
Parado, estou sempre indo
para um país sem regresso.
Sou fonte e estou me esvaindo,
fluir sem fim nem começo.

Coração partido ao meio,
pulsando em cada metade.
O lirismo do espantalho
a espuma do devaneio.
Entre os dois a eternidade.

Francisco Carvalho
in Pastoral dos Dias Maduros
 
 
 

Inquebrável


 Arte surreal de Miles Johnston

O amor é um tiro no espelho
intangível ao corpo estilhaçado.

Harmônico silêncio de ruínas,
tão puro de beijar e se ferir
de inocência.

Raul Macedo
in Disjecta Membra



quarta-feira, 19 de agosto de 2020

É muito tarde

 
 Arte: Nirav Patel
 
É muito tarde.
O tempo implacável me consome
E destrói o vigor do corpo moço:
Apagou o fulgor do meu olhar
Roubou a altivez do seio cheio
Secou o rio manso do meu ventre
Cobriu de pergaminho a minha mão
É tarde, muito tarde
Mas… por dentro
Ainda bate, por ti, o coração.

Maria Aurora Carvalho Homem
in 'Discurso Amoroso'
 
 
 

Os meigos dedos das palavras

 

 Imagem da Web

E de mansinho as palavras chegam
tocam-me os silêncios do rosto
e escrevem os textos que me roubaram a voz.

Tão meigas e suaves, as palavras,
Só elas, a escorrerem tristezas na quietude
da noite molhada de vento...

Só as palavras, com dedos feiticeiros
a tecerem alquimias, a sararem feridas,
a encontrarem saídas e luzes em túneis escuros.

Ana Mateus

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Ora (direis) ouvir estrelas

 
 Alfred Stevens, "A Via Láctea"

Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".

Olavo Bilac



A mulher muito amada

 
 
Fotografia de William Klein

a mulher muito amada passou ligeira
deixando o silêncio como uma
sombra surgir pelas pedras
à minha frente

lembrei alguém do passado com seu olhar indagando
sobre um segredo ainda não dito nem revelado

é fácil banhar com água límpida
fria
meu rosto
a memória reencontra no mesmo instante teu corpo
em busca do meu para salvar minha existência
dizendo muda para não ir embora que já
era tarde para procurar meu caminho

foi difícil esquecer tua carne teu
sangue teu cheiro de mar
com o perfume de sal
entranhando minhas
narinas

não se espantem eu dizer a mesma coisa
meu amor continua igual em todas suas
formas as palavras mudam a cada
momento mas sua essência
seu significado é sempre
você
contemplando meu sono alcançando meu sonho

Franco Terranova



Invencível


 Imagem via Pinterest
 
No meio do ódio, achei que havia, dentro de mim, um amor invencível.
No meio das lágrimas, achei que havia, dentro de mim, um sorriso invencível.
No meio do caos, achei que havia, dentro de mim, uma invencível calma.
No meio do inverno, eu finalmente aprendi que havia em mim um verão invencível.
 
Albert Camus



domingo, 16 de agosto de 2020

Música de barro

 
Arte de  Ronit Baranga
 
As infinitas cores do amanhecer da liberdade
Trazem consigo uma nau frágil feita de estrelas do mar
E também de estrelas do céu mergulhadas em palavras sutis
Alguém escreve escravo do desejo de desertos inquietos
Escreve um canto de amor impossível em delírio
Parece-se com uma tempestade de beijos perdidos
Beijos servos de lábios e línguas ainda inexistentes
Percorrendo no corpo uma geografia de músicas de barro

Marco Guayba 
 
 
 
 

Gangorra

 
 Arte de Jiwoon Pak
 
Eu namoro a noite,
você apaga a lua;

eu perfumo o lençol,
você dorme na rua;

eu aprumo a estrela,
você a entorta;

eu colho a maçã,
você traz a lagarta;

eu rego o ipê,
você parte o galho;

eu tempero com sal,
você talha o molho;

eu lavo o cristal,
você trinca a ponta;

eu adoço com mel,
você passa do ponto;

eu beijo na boca,
você faz de conta.

Flora Figueiredo




Dentro dos olhos, uma cidade

 
 "Brugges, Reflexos" Carla Duclos 📷 Photography

Fotografei o centro da cidade que há em mim. Deserta.
É meia-noite
e um violino que não toca posso ver
pela janela
de uma casa entreaberta. A única
que não teme
aves noturnas gatos fantasmas
casa vazia sem telhado. Quatro paredes que resistem
e uma fresta
que dá pra dentro.

Nydia Bonetti 
 
 


sábado, 15 de agosto de 2020

Volta

 
 Foto: iStock 

esses dias de tédio
em que se tem tempo -
tempo só se arranja quando
não se tem

quando sobra desse jeito
a gente repete os assuntos
o ônibus chega rápido
e os trajetos ficam curtos

- de repente
readaptar-se à própria casa
como foi lá? bom

rever os gigantes, os mínimos
dedicar a eles igual dose
de carinho ou indiferença
usar as roupas que ficaram
meses dobradas no armário
com cheiro de sachê

nessas tardes sem compromisso
esticadas com rolo da macarrão
tudo é longo
nada dura

Alice Sant'Anna 
 
 
 

Os namorados pobres

 
  Imagem da Web

O namorado dá
flores murchas
à namorada
e a namorada come as flores
porque tem fome

Não trocam cartas
nem retratos nem anéis
porque são pobres

Mas um dia
têm muito medo
de se esquecerem
um do outro
então apanham
um cordel
do chão
cortam o cordel
e trocam alianças
feitas de cordel

Não podem
combinar encontros
porque não têm
número de telefone
nem morada
assim encontram-se
por acaso
e têm medo
de não se voltarem
a encontrar

O acaso
não os favorece

Decidem nunca sair
do mesmo sítio
e ficarem sempre juntos
para não se perderem
um do outro

Procuram um sítio
mas todos os sítios
têm dono
ou mudam de nome

Então retiram
dos dedos
os anéis de cordel
atam um anel
ao outro
e enforcam-se

Mas a namorada
tem de esperar
pelo namorado
porque o cordel
só dá para um
de cada vez

O namorado
descansa à sombra
da figueira
e a namorada
baloiça
na figueira

O dono da figueira
zanga-se
com os namorados pobres
porque julga
que estão a roubar figos
e a andar de baloiço

Adília Lopes 
 
 
 

Maríntimo

 
Fotografia de Pillery Teesalu
 
desde ontem - desde sempre
uma onda rebenta em meu peito
traz à tona o que vem lá do fundo
em forma de sonho e me tinge
de urgências

desde ontem - desde sempre

Líria Porto
 
 
 

Romance em doze linhas

 
 Imagem da Web

quanto falta pra gente se ver hoje
quanto falta pra gente se ver logo
quanto falta pra gente se ver todo dia
quanto falta pra gente se ver para sempre
quanto falta pra gente se ver dia sim dia não
quanto falta pra gente se ver às vezes
quanto falta pra gente se ver cada vez menos
quanto falta pra gente não querer se ver
quanto falta pra gente não querer se ver nunca mais
quanto falta pra gente se ver e fingir que não se viu
quanto falta pra gente se ver e não se reconhecer
quanto falta pra gente se ver e nem lembrar que um dia se conheceu.

Bruna Beber
in Rua da padaria
 
 
 

Lamentações - 1

 
 Imagem via Pinterest 

Amor?...
receios, desejos,
promessas de paraísos.

Depois sonhos,
depois risos,
depois beijos!

Depois...

E depois, amada?

Depois dores, sem remédio,
depois pranto,
depois tédio,
depois... nada!

Menotti Del Picchia
 
 
 
 

Horário de trabalho

 
Gustave Caillebotte - The Floor Scrapers – 1875
 
Depois das treze poderei sofrer: 
antes, não.
Tenho os papéis, tenho os telefonemas,
tenho as obrigações, à hora-certa.

Depois irei almoçar vagamente
para sobreviver,
para aguentar o sofrimento.

Então, depois das treze, todos os deveres cumpridos,
disporei o material da dor 
com a ordem necessária
para prestar atenção a cada elemento:
acomodarei no coração meus antigos punhais,
distribuirei minhas cotas de lágrimas.
Terminado esse compromisso, voltarei ao trabalho habitual.

Cecília Meireles
 
 
 

Sinfonia

 
 Arte de Michel Koven

Eros, escondido nas águas escolheu o veio mais íntimo
membrana minha para deflorar

caminha por meu charco destemido
conhece o que quer
trouxe consigo meus pedaços
voados desconexos esquecidos

aos bocadinhos ultrapassa o silêncio da margem
gota a gota limpa o visgo colhe as daninhas
batendo meu pasto

diante dele me reconheço

Lucia De Moura Chamma
 
 
 
 

jam session

 
Arte por @indg0

deixo o som
do teu soul
me tocar

jazzliricamente
soo azul
como um blues

Marina Rabelo

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Dentro de mim mora um peixe

 

Imagem via Pinterest

Dentro de mim mora um peixe
de olhos e escamas azuis: - navega
contra a corrente
no mar vermelho das minhas veias
e segue em busca da luz.
Desconhece as nascentes, pois
se formou no limbo:- meu coração.
Não quero. Não deixarei que parta
junto à primeira lágrima.
- Bicho de mim: - eu cuido.

Nydia Bonetti

 

 

Monocromático

 


Imagem da Web

monocromático - o dia padece
de mecanografias
não por acaso: - nostalgia
obcecante trilha
impermutável ciclo noite/dia
noite/dia
noite
perturbadora face oculta
.....................entre tantas

Nydia Bonetti

 

 

Para compor quintais



Observa atento
a passagem dos dias

Deveria ser assim o meu canto de amor?
Um passavento nas folhas?

Ontem mesmo avistei um fruto
e lembrei da árvore imensa
de onde desciam coloridas sedas
e formavam redes, tuas pontes.

E lá embaixo, zanzando
com os fones de ouvido,
eu estive lembrando
de algumas palavras
feitas de água e doçura
e do delicado pássaro
que hoje é só mais um andrajo
entre as coisas.

Tu que me ensinaste o mundo,
observaria atento, se soubesses o quanto
vivo e pertencido, embora sem jeito
meu amor é fruto
que se abre
em silêncio.

Alexandre Coutinho
 
 
 


terça-feira, 11 de agosto de 2020

Distância

 

 Imagem via Pinterest

 não possa tanta distância
deixar entre nós
este sol
que se põe
entre uma onda
e outra onda
no oceano dos lençóis

Paulo Leminski
in Caprichos & Relaxos

Caçada

 

 Desconheço a autoria da imagem

E o que é o amor
senão a pressa
da presa
em prender-se?

A pressa
da presa
em
perder-se.

Ana Martins Marques
in Da arte das armadilhas

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Há um país que cresce


Fotografia de Carlos Fernandes

Há um país que cresce com a
substância dos sonhos e
uma casa fechada em que os escombros
de luz suficiente se acumulam.
Esta pode não ser a vida que esperávamos,
mas é o lugar.

Aqui onde uma parede caída sobe
contra um céu de pedra e depois outra,
serão nossas palavras que nos dão abrigo.

O pouco que temos, o quanto temos aqui
na nossa frente.
Eu coloquei a janela, você coloca
as hastes, os tendões azuis, as frutas transparentes silenciosas.

Basilian Sanchez




Queria


Fotografia de Dalva Nascimento

Queria trazer-te
Um mar de serenidade,
Que te amenizasse a saudade,
Que sei que navega no teu peito.
E que nas margens da praia do passado
Continues a encontrar as pegadas
De quem caminhou a teu lado.
Porque permanecem aí
Fósseis de amor
Para suavizar a tua dor.

Mas queria também
Que o teu olhar procurasse o Sol
Em cada praia,
O brilho do amanhecer
Em cada dia,
Que o teu coração
Se alimente da alegria
Que vive nas memórias
Em ti guardadas,
E que os teus passos
Sejam sempre
Firmes testemunhos
De um amor vivido
E partilhado
Nas silenciosas alvoradas.

E que a caminhada
Seja feita de abraços fortes
E beijos debruados
Pelo luar das praias
De areias finas,
Onde os amigos
Amanhecem
Ao teu lado!

Ana Homem de Albergaria




segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Foi um abraço ou não sei

Fotografia de Dalva Nascimento

Foi o abraço ou o braço,
Já não sei
Foi a quentura do afago, o almejo
A ponte entre nós era o desejo
Que de tanto o desejarmos se perdeu.
Era o mar, eram as ondas e a areia
Eram os cânticos magistrais das conchas
E o murmúrio acidental das sereias
Que por um acaso se passeavam nesse dia
Entre um salpico almiscarado de maresia.
Era o sol que teimava em não ficar
E a vida que pedia a permanência
De um olhar em outro olhar.
E do mar a cumplicidade sobreveio
E o desejo que se perdera lá atrás
Despertou entrelaçado por um beijo.

Teresa Brinco Oliveira
in "Marginalia"




Travessura


Desconheço a autoria da imagem

Um dia tentei como criança uma travessura:
Atravessei a minha vida e, como ave,
como vento, varri com a memória
e passei, como pela primeira vez e só
para o outro passeio da rua.
Reconheci-me.
Era eu, num barco feito de asas,
qual imagem nova e nua.
Reconheci-te.
Eras tu, tripulante, marinheiro,
concha côncava que me recebias
como pérola a desvendar.
Numa noite de pequenas ondas
em que o mar beijava os nossos lábios,
senti-me perto, aconchegada e plena,
quase anêmona, quase coral,
Sou demoradamente tua!

Lilia Tavares





Ondulações

Fotografia de Heloisa Hayon

Sinto que não sou mais quem fui,
nem tu mais a maré que foste,
mas somos vaga que vai e volta,...
e mesmo que o vento sopre contra,
haverá ondulação outra vez.
Se as areias ocultarem os rochedos
eternizarei silenciosa a memória.

Jorge Lopes




Tu me bebes

Fotografia de Rala Choy

Tu me bebes
eu me converto na tua sede.
meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida.

Pudesse eu ser tu
em tua saudade ser a minha própria espera.
Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti.
E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.

Mia Couto




Saudades

Fotografia de Sven Kristian

Saudades
Saudade de tudo!...
Saudade, essencial e orgânica,
de horas passadas,...
que eu podia viver e não vivi!..
Saudade triste do passado,
saudade gloriosa do futuro,
saudade de todos os presentes,
vividos fora de mim!...
Pressa!...
Ânsia voraz de me fazer em muitos,
fome angustiosa da fusão de tudo,
sede da volta final
da grande experiência:
uma só alma em um só corpo,
uma só alma-corpo,
uma só,
um!...

Guimarães Rosa




Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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