Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina
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quinta-feira, 8 de maio de 2025

E chega um dia

 

Arte de Rosario Barrios Young


E chega um dia em que reconhecemos
finalmente
a injustiça das palavras -
exatamente as mesmas
para quem vai e para quem fica
um dia
em que não há mais passado para contar
nem mais futuro para viver
apenas uma velha cantiga a embalar
uma casa desaparecida
e este limbo ocasional
onde o corpo espera que anoiteça

Alice Vieira





quarta-feira, 3 de junho de 2020

Entrego-te as palavras mais brandas


Imagem: black-and-white.tumblr.com

entrego-te as palavras mais brandas
que entre os meus dedos construí
para alimentar de ti os recantos da casa
invadindo o coração da noite

entrego-te as palavras com a redonda luz
das maçãs sobre a mesa     e o rumor da água
rasgando o caminho da paixão
em horas que já não conseguimos     sem ajuda   recordar
mas que habitam a mais frágil memória de nós próprios

palavras jorrando dos meus olhos
invadindo-te o sono      e tropeçando
nas esquinas das frases que decoro
ao longo dos veios da tua pele

e a verdade é que nunca terei outra história
para além da que nos aconteceu
e que ficamos à espera de um dia perceber melhor

porque nunca ninguém se prepara convenientemente
para a chegada do amor
e ele é sempre um convidado estranho
sentado em silêncio na penumbra da sala
olhando os quadros      o chão      o teto

como um velho parente da província
com medo de dizer o que não deve

Alice Vieira
in Dois Corpos Tombando Na Água



 

terça-feira, 26 de maio de 2020

Devagar no centro do fogo

 
Arte de Schepniy Mykola

entra devagar no centro do fogo

guarda para dias mais trêmulos e inseguros
as perguntas os medos a dor
que sobra sempre do desejo

entra como quem morre no centro do fogo

e bebe a cinza
que desenha os contornos da cama
onde os joelhos se despem do frio
que os prende à terra

entra como quem arde no centro do fogo

e deita na água do meu corpo
as sementes acesas no tempo
que por única herança
terás de mim
entra devagar no centro do fogo

e
lavra-me

Alice Vieira
in Dois Corpos Tombando na Água




sábado, 11 de abril de 2020

Desenha com a ponta dos teus dedos

 
 Imagem da Web

Desenha com a ponta dos teus dedos
As fronteiras exatas do meu rosto
As rugas os sinais a cicatriz que ficou da infância
O lento sulco das lâminas onde no peito
Se enterra o mistério do amor

E diz-me
O que de mim amaste noutros corpos
Noutras camas noutra pele

Prometo que não choro mas repete
As palavras minhas que um dia sem querer
Misturaste nas tuas e levaste
Com as chaves da casa e os documentos do carro
- largaste sobre a mesa com o copo de gim a meio
Na primeira madrugada em que me esqueceste.


Alice Vieira
in "Arte poesia"
 
 
 
 

Guarda-me adormecida para sempre no teu peito


Arte: Serena Bonnano

Guarda-me 
adormecida para sempre no teu peito

ou deixa-me voar uma vez mais sobre 
esta terra de ninguém onde morro 
por qualquer coisa que me fale de ti

Há noites assim em que o silêncio 
se transforma ao de leve numa lâmina 
que minuciosamente rasga o linho 
onde ficou esquecido o corpo que habitamos
em provisórias madrugadas felizes

Depois é só abrir os braços e acreditar
que ainda faltam muitas horas para a partida
e que à-toa pelos corredores ainda escorre
uma razão primeira a trazer-me de volta

E eu adormecida para sempre 
no teu peito

E eu acorrentada para sempre 
no teu peito

E de novo entre nós aquele choro de quem
não teve tempo de preparar a despedida
com as palavras certas;
porque as palavras certas
estavam todas em histórias erradas
que outros escreveram em lugares nublados
que nem vale a pena tentar recompor

Muito ao longe uma voz desgarrada
estabelece o fim do verão

E eu adormecida para sempre 
no teu peito

e eu acorrentada para sempre 
no teu peito

Alice Vieira 



 

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Desenha com a ponta dos dedos


Imagem da Web 

desenha com a ponta dos teus dedos
as fronteiras exatas do meu rosto
as rugas, os sinais, a cicatriz que ficou da infância
o lento sulco das lâminas onde no peito
se enterra o mistério do amor
e diz-me o que de mim amaste
noutros corpos, noutras camas, noutra pele
prometo que não choro
mas repete as palavras um dia minhas
que sem querer misturaste nas tuas
e levaste com as chaves de casa e os documentos do carro
e largaste sobre a mesa com o copo de gim a meio
na primeira madrugada em que me esqueceste.

Alice Vieira
in Dois corpos tombando na água



O que verdadeiramente me dói não são as palavras

 
 Arte de Gustav Klimt
 
O que verdadeiramente me dói não são as palavras
que nestes anos todos ficaram por dizer
arrumadas entre os medos que não gritamos juntos
e os sonhos que não transpirei na tua pele

o que verdadeiramente me dói são os silêncios
que nunca habitamos do mesmo lado
porque o silêncio só pode ser partilhado
com aqueles que amamos até à loucura.
...

Alice Vieira
in "Dois Corpos Tombando na Água" 



 


terça-feira, 1 de outubro de 2019


Imagem: Pinterest

Guarda-me adormecida para sempre no teu peito
ou deixa-me voar uma vez mais
sobre esta terra de ninguém
onde morro por qualquer coisa que me fale de ti.
Há noites assim em que o silêncio se transforma
ao de leve numa lâmina que minuciosamente
rasga o linho onde ficou esquecido
o corpo que habitamos
em provisórias madrugadas felizes.

Alice Vieira


quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Amor e outros crimes em vias de perdão


Arte de Laurie Lipton

eu gostava de poder dizer
que entrei no teu corpo como um pássaro
espreitando de invisíveis ruínas
e que o som da tua voz bastava
para me salvar

mas de nada serve inventar palavras
quando as palavras que inventamos
não passam de frágeis lugares de exílio
dos gestos inventados fora de horas
delimitando o espaço de tantas mortes prematuras
de que juramos ressuscitar um dia

- quando os deuses se lembrassem
de acordar ao nosso lado

Alice Vieira, (excerto) in Dois Corpos Tombando Na Água



segunda-feira, 8 de outubro de 2018


É tão fácil amar lugares
que não existem

recordar praças e pontes e travessas
onde nunca morremos por ninguém

quartos na penumbra de estores corridos
sobre a sonolência dos gatos em agosto
onde nunca chegamos atrasados

o tampo de mármore de mesas de café
onde as nossas mãos não se esconderam
por alguém ter entrado antes de nós

é tão fácil lembrar nomes e rostos e destinos
e coloca-los em nossos ombros e festejar com eles

as luminosas horas em que a vida
nos rodeava a cintura como um amante possessivo
e nos repetíamos o nome das cidades

onde nada disso tinha acontecido

é tão fácil assim
dizer adeus
sabendo que Deus nem sequer assiste
à despedida.

Alice Vieira

Arte de Naoto Hattori



domingo, 21 de fevereiro de 2010

"Diz-me..."

.
.
Desenha com a ponta dos teus dedos
as fronteiras exactas do meu rosto
as rugas os sinais a cicatriz que ficou da infância
o lento sulco das lâminas onde no peito
se enterra o mistério do amor

e diz-me

o que de mim amaste noutros corpos
noutras camas noutra pele

prometo que não choro mas repete
as palavras um dia minhas que sem querer
misturaste nas tuas e levaste
com as chaves de casa e os documentos do carro
- e largaste sobre a mesa com o copo de gin a meio
na primeira madrugada em que me esqueceste.

Alice Vieira

.

Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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