Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina
Mostrando postagens com marcador David Mourão Ferreira. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador David Mourão Ferreira. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Desassossego

 


Tu vens todos os dias à noitinha
e despes-te com tanta lentidão
com tanta lentidão que se adivinha
 a forma do teu próprio coração

 E quando vais é já noite fechada
não sei se vou ficar se vou sair
 não posso ter a alma sossegada
 sem saber se amanhã tornas a vir


 David Mourão-Ferreira 

 

 

sábado, 30 de maio de 2020

Sotto voce


Fotografia de Helder Reis

É possível que eu esqueça a liquidez da Lua
o sono dessa rua às três da madrugada
a longa caminhada orquestrada pela chuva
a sombra de uma luva em cima de uma vaga

É possível que eu esqueça o dia em que nasceste
Em que depois da luva apareceram as mãos
É possível que eu esqueça    Ou me seja indiferente

É possível que sim   É preciso que não

David Mourão-Ferreira
in Do Tempo ao Coração




quarta-feira, 27 de maio de 2020

Segredo

  
Arte:___Kassandra___ 

Nem o Tempo tem tempo
para sondar as trevas

deste rio correndo
entre a pele e a pele

Nem o Tempo tem tempo
nem as trevas dão tréguas

Não descubro o segredo
que o teu corpo segrega

David Mourão-Ferreira
in Música de Cama



 

Trono de luz e sombra


Fotografia de Helmut Newton
 
É nesse ponto
de tuas coxas
que o meu pescoço
implora a forca

Mas dás-lhe o trono
da luz da sombra
num sorvedouro
de rosas roxas

Agreste gosto
de úmida polpa
o que dissolvo
dentro da boca

Eis num renovo
mágica força
Rei me coroo
em tuas coxas

David Mourão-Ferreira
"XXII" in O Corpo Iluminado




sábado, 23 de maio de 2020

Labirinto ou não Foi Nada


 Imagem da Web

Talvez houvesse uma flor
aberta na tua mão.
Podia ter sido amor,
e foi apenas traição.

É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua ...
Ai de mim, que nem pressinto
a cor dos ombros da Lua!

Talvez houvesse a passagem
de uma estrela no teu rosto.
Era quase uma viagem:
foi apenas um desgosto.

É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua...
Só o fantasma do instinto
na cinza do céu flutua.

Tens agora a mão fechada;
no rosto, nenhum fulgor.
Não foi nada, não foi nada:
podia ter sido amor.

David Mourão-Ferreira
in "À Guitarra e à Viola"




quinta-feira, 21 de maio de 2020

Batismo


Imagem da Web
Para atrasar a morte vamos abrir a noite
com música de jazz
Percorrê-la depois
num barco de borracha
Celebrar o segredo
Enforcar a memória
Descobrir de repente
uma ilha que nasce dentro do teu vestido
Chamar-lhe Madrugada
Adormecer contigo

David Mourão-Ferreira





sexta-feira, 17 de abril de 2020

E por vezes as noites duram meses


 
Trabalho do artista surrealista brasileiro Marcel Caram
 
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos. E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos.

David Mourão-Ferreira




 

segunda-feira, 2 de março de 2020

Fico, depois, branco, a teu lado


 
Arte de Mirjan Appelhof
 
Fico, depois, branco, a teu lado,
sereno, alheio e, para cúmulo,
empedernido de cansado:
estátua jacente sobre o túmulo
do meu próprio passado.

Estaco ante o sono a recear
que por meus lábios alguém diga
o que ficou num fundo mar,
o que pertence à história antiga.

Mas, como um anjo, tu te inclinas
sobre o meu sono de acordado:
e dispersas as cinzas
do passado.

David Mourão-Ferreira






terça-feira, 12 de novembro de 2019

Tentei fugir da mancha mais escura


Colagem de Lucia de Moura Chamma

Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.

Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.

Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão …

Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que sem voz me sai do coração.

David Mourão-Ferreira



quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Noite apressada


Fotografia de Sofia Silvano

Era uma noite apressada
depois de um dia tão lento.
Era uma rosa encarnada
aberta nesse momento.
Era uma boca fechada
sob a mordaça de um lenço.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!

Imensa, a casa perdida
no meio do vendaval;
imensa, a linha da vida
no seu desenho mortal;
imensa, na despedida,
a certeza do final.

Era uma haste inclinada
sob o capricho do vento.
Era a minh'alma, dobrada,
dentro do teu pensamento.
Era uma igreja assaltada,
mas que cheirava a incenso.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!

Imensa, a luz proibida
no centro da catedral;
imensa, a voz diluída
além do bem e do mal;
imensa, por toda a vida,
uma descrença total!

David Mourão-Ferreira, in À Guitarra e à Viola


quarta-feira, 7 de novembro de 2018



imagem: Pinterest.com

Era uma folha pousada
no cotovelo do vento;
e pairava, deslumbrada,
entre morte e movimento.

Era uma folha: lembrava,
de tão frágil, o momento
em que a vida ficava
escrava do teu juramento.

Era uma folha: mais nada.
Antes fosse esquecimento!

David Mourão Ferreira




segunda-feira, 8 de outubro de 2018

A boca


Apenas uma boca. A tua boca
Apenas outra, a outra tua boca
É primavera e ri a tua boca
De ser agosto já na outra boca

Entre uma e outra voga a minha boca
E pouco a pouco a polpa de uma boca
Inda há pouco na popa em minha boca
É já na proa a polpa de outra boca.

Sabe a laranja a casca de uma boca
Sabe a morango a noz da outra boca
Mas sabe entretanto a minha boca

Que apenas vai sentindo em sua boca
Mais rouca do que a boca a minha boca
Mais louca do que a boca a tua boca.

David Mourão Ferreira 

Imagem: Google




Eram, na rua, passos de mulher.
Era o meu coração que os
soletrava.
Era, na jarra, além do malmequer,
espectral o espinho de uma rosa
brava.

Era, no copo, além do gim, o gelo;
além do gelo, a roda de limão .
Era a mão de ninguém no meu 
cabelo.
Era a noite mais quente deste
verão.

Era no gira-discos, o Martírio
de São Sebastião, de Debussy .
Era, na jarra, de repente, um lírio
Era a certeza de ficar sem ti.

Era o ladrar dos cães na
vizinhança.
Era, na sombra, um choro de
criança .

David Mourão Ferreira


Arte de Catrin Welz-Stein


quinta-feira, 8 de maio de 2014


Fotografia de © Marco San Martin 

Nós temos cinco sentidos: 
são dois pares e meio de asas. 

- Como quereis o equilíbrio?

David Mourão-Ferreira


sexta-feira, 13 de maio de 2011

"Despojo"


Maçã Mordida – Lou Poulit

Já depois de colhido
pela mão do segredo,
o amor foi cortado
com a faca do medo.
Das metades mordidas
na vertente das fugas,
tão-somente ficaram
remorsos, raivas, rugas.

David Mourão Ferreira

domingo, 23 de maio de 2010

"Crepúsculo"

.
Fotografia Magda Rosa
.
É quando um espelho, no quarto,
se enfastia;
Quando a noite se destaca
da cortina;
Quando a carne tem o travo
da saliva,
e a saliva sabe a carne
dissolvida;
Quando a força de vontade
ressuscita;
Quando o pé sobre o sapato
se equilibra...
E quando às sete da tarde
morre o dia
- que dentro de nossas almas
se ilumina,
com luz lívida, a palavra
despedida.

David Mourão-Ferreira

.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

"Natal, e Não Dezembro"

.
.
Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.

David Mourão-Ferreira

.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

.
.
É quando um espelho, no quarto, se enfastia;
Quando a noite se destaca da cortina;
Quando a carne tem o travo da saliva,
e a saliva sabe a carne dissolvida;
Quando a força de vontade ressuscita;
Quando o pé sobre o sapato se equilibra...
E quando às sete da tarde morre o dia -
que dentro de nossas almas se ilumina,
com luz lívida, a palavra despedida.
.
David Mourão-Ferreira

.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

"Os Teus Olhos"

.
.
Os teus olhos exigindo ser bebidos
Os teus ombros reclamando nenhum manto
Os teus seios pressupondo tantos pomos
O teu ventre recolhendo o relâmpago
.
David Mourão-Ferreira
.

sábado, 6 de setembro de 2008

"Blocos"

.
.
É isto
vivemos dentro
de grandes blocos de gelo
sem aquecermos ao menos
com os dedos outros dedos
No fundo de nós temendo
que um dia se quebre o gelo
.
David Mourão-Ferreira

Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

Postagens populares

Total de visualizações de página