Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Sei agora como nasceu a alegria

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Sei agora como nasceu a alegria,
como nasce o vento entre barcos de papel,
como nasce a água ou o amor
quando a juventude não é uma lágrima.
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É primeiro só um rumor de espuma
à roda do corpo que desperta,
sílaba espessa, beijo acumulado,
amanhecer de pássaros no sangue.
.É subitamente um grito,
um grito apertado nos dentes,
galope de cavalos num horizonte
onde o mar é diurno e sem palavras.
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Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou
para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias.
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Eugénio de Andrade
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terça-feira, 29 de setembro de 2009

"Noutra Praia"

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Mas tu pensas
que o mar te não esqueceu:
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por isso voltas cada ano a esta praia
onde tudo o que permanece te ignora;
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e encaras o mar como se fosses tu,
ainda tu,
quem recebe na face a mudança dos ventos
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Luís Filipe Castro Mendes
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segunda-feira, 28 de setembro de 2009

"Para a Manhã"

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Rosa acordada, que sonhaste?
Nas pálpebras molhadas vê-se ainda
Que choraste...
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Foi algum pesadelo?
Algum presságio triste?
Ou disse-te algum deus que não existe
Eternidade?
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Acordaste e és bela:
Vive!
O sol enxugará esse teu pranto
Passado.
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Nega o presságio com perfume e encanto!
Faz o dia perfeito e acabado!
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Miguel Torga

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domingo, 27 de setembro de 2009

"Deixei de ouvir-te"

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Deixei de ouvir-te. E sei que sou
mais triste com o teu silêncio.
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Preferia pensar que só adormeceste;
mas se encostar ao teu pulso o meu ouvido
não escutarei senão a minha dor.
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Deus precisou de ti, bem sei.
E não vejo como censurá-lo
ou perdoar-lhe.
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Maria do Rosário Pedreira

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sábado, 26 de setembro de 2009

"Carência"

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foto: Rosie Hardy
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Não sei sobre pássaros,
não conheço a história do fogo.
Mas creio que minha solidão deveria ter asas.
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Alejandra Pizarnik

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sexta-feira, 25 de setembro de 2009

"Anímico"

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Nasceu no meu jardim um pé de mato
que dá flor amarela.
Toda manhã vou lá pra escutar a zoeira
da insetaria na festa.
Tem zoada de todo jeito:
tem do grosso, do fino,
de aprendiz e de mestre.
É pata, é asas, é boca, é bico, é grão de
poeira e pólen na fogueira do sol.
Parece que a arvorinha conversa.
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Adélia Prado

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quinta-feira, 24 de setembro de 2009

"Depois de Tudo"

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Mas tudo passou tão depressa
Não consigo dormir agora.
Nunca o silêncio gritou tanto
Nas ruas da minha memória.
Como agarrar líquido o tempo
Que pelos vãos dos dedos flui?
Meu coração é hoje um pássaro
Pousado na árvore que eu fui.
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Cassiano Ricardo
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quarta-feira, 23 de setembro de 2009

"Parada Cardíaca"

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Esta minha secura
essa falta de sentimento
não tem ninguém que segure
vem de dentro
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Vem da zona escura
donde vem o que sinto
sinto muito
sentir é muito lento
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Paulo Leminski

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terça-feira, 22 de setembro de 2009

"Exaltação"

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Venha
Venha uma pura alegria
Que não tenha
Nem a senha
Nem o dia
Abra-se a porta da vida
Sem se perguntar quem é
E cada qual que decida
Se quer a alma aquecida
No lume da nova fé.
Venha
Venha um sol que ninguém tenha
No seu coração gelado
Venha
Uma fogueira de lenha
De todo o tempo passado
..
Miguel Torga

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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

"Tempo de Poesia"

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Todo o tempo é de poesia
Desde a névoa da manhã
à névoa do outro dia.
Desde a quentura do ventre
à frigidez da agonia
Todo o tempo é de poesia
Entre bombas que deflagram.
Corolas que se desdobram.
Corpos que em sangue soçobram.
Vidas qu'a amar se consagram.
Sob a cúpula sombria
das mãos que pedem vingança.
Sob o arco da aliançada celeste alegoria.
Todo o tempo é de poesia.
Desde a arrumação ao caos
à confusão da harmonia.
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António Gedeão

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domingo, 20 de setembro de 2009

"Tu e Eu"

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Feliz o momento em que nos sentarmos no palácio,
Dois corpos, dois semblantes, uma única alma
- tu e eu.
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E ao adentrarmos o jardim, as cores da alameda
E a voz dos pássaros nos farão imortais
- tu e eu.
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As estrelas do céu virão contemplar-nos
E nós lhes mostraremos a própria lua
- tu e eu.
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Tu e eu, não mais separados, fundidos em êxtase,
Felizes e a salvo da fala vulgar
- tu e eu.
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As aves celestes de rara plumagem
Por inveja perderão o encanto
No lugar em que estaremos a rir
- tu e eu.
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Jalal al-Din Rumi
(1207-1273)

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sábado, 19 de setembro de 2009

"Meus Olhos e os Teus"

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Põe no teu rosto, amigo,
os meus dois olhos
e depois olha o mundo como eu.
E então me dá, amigo,
os teus dois olhos
para que eu olhe o mundo
como vês.
Depois, chega mais perto,
mais ainda.
Chega junto de meu rosto,
amigo, pra que eu me veja
nos meus olhos do teu rosto
e com os teus olhos nos meus.
Pois assim eu vou saber quem sou
sabendo em mim, amigo, quem tu és.
Depois, olha o teu rosto
com os teus dois olhos
no meu rosto, amigo,
para que saibas quem eu sou
e quem tu és.
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E assim... nos re-conhecermos
nos olhos do amigo...
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Carlos Brandão
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sexta-feira, 18 de setembro de 2009

"Homologia"

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Ralo
raro
esconso
escasso:
ocupa Deus
tão pouco
espaço?
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Antonio Fernando de Franceschi
in A Olho Nu
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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

"A Lua"

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Há tanta solidão nesse seu ouro.
A lua dessas noites não é a lua
Que viu o primeiro Adão. Os longos séculos
Da vigília humana cumularam-na
De antigo pranto.
Olha-a.
É teu espelho.
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Jorge Luis Borges
in A Moeda de Ferro
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quarta-feira, 16 de setembro de 2009

"O Vestido"

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A brisa balança o vestido azul no varal.
A moça olha e o rosto molha.
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O vento seca o tecido florido
E os olhos azuis da moça.
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A moça lembra o toque do ontem,
Mãos quentes em cada flor do vestido.
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O toque da lembrança traz o som
Das palavras frias, indiferentes
Ao amor que o vestido vestia.
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E indiferente às lágrimas da moça
O vento venta mais forte
Soltando o vestido florido do varal.
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As flores azuis do tecido voam, voam
Misturando-se ao azul imenso do céu.
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O vento leva o vestido, as flores
E os sonhos azuis da moça.
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A moça olha o varal vazio
E, vazia,
Chora o amor e os sonhos
Que o vento,
Num repente,
Lhe roubou.
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Isabella Benicio
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terça-feira, 15 de setembro de 2009

"Parece mínimo"

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Parece mínimo
compará-la à orquídea.
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Importa a mim
a beleza compartida.
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João Bandeira

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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

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Preciso ler um bom poema antes
de dormir
antes que a noite encerre o
diário inventário das lembranças
antes que o sono cale a boca e olhar,
antes
que o prumo caia
horizontal.
Preciso ler um bom poema antes
que seja tarde
que fique escuro
que chegue o frio.
Ler um bom poema
antes que a morte venha
e escreva o seu.
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Marina Colasanti

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domingo, 13 de setembro de 2009

"Inebrio"

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Que se perdure
esta sede
que embriaga
meus sentidos
e que nos metros
de saudade
que nos separam
minha ponte
encontre
a sua
e no remanso
da aurora
não me fuja
a poesia .
.
Cláudia Gonçalves

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sábado, 12 de setembro de 2009

"Tristes Lembranças"

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No baú de Carolina
Tem um monte de tralhas
Cavalos mancos de batalhas
Reis que perderam a majestade.
..
Um super-herói covarde
Moeda sem valor
Livros sem estórias
Tem até um arco-íris sem cor!
..
Tem um circo sem palhaço
Brincadeiras sem crianças
No baú de Carolina
As tristezas da infância.
..
Sérgio Luís da Silva Vargas

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sexta-feira, 11 de setembro de 2009

"À Lua"

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Como vens tão vagarosa, 
Oh formosa e branca lua! 
Vem co'a tua luz serena 
Minha pena consolar! 
Geme, oh! céus, mangueira antiga, 
Ao mover-se o rouco vento, 
E renova o meu tormento 
Que me obriga a suspirar! 
Entre pálidos desmaios 
Me achará teu rosto lindo 
Que se eleva refletindo 
Puros raios sobre o mar. 
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Silva Alvarenga

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quinta-feira, 10 de setembro de 2009

"Serial-Kiss"

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Trago
tudo bem planejado,
meticulosamente traçado
desde aquela
nossa meia
noite
meio louca:
matarei-te
em praça pública
com um beijo
à queima-boca.
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Múcio Góes
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quarta-feira, 9 de setembro de 2009

"Perplexidade"

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Perdemos a cor
dos últimos sonhos.
Qual imenso rio
marchamos, incautos,
para um longo vazio.
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No incerto amanhã toda a vida
é vã.
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Homem -
Guardião da ultima esperança –
que fizeste de tua
imagem e semelhança?
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Artur Eduardo Benevides
in Elegia Setentã e Outros Poemas de Entardecer
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terça-feira, 8 de setembro de 2009

"Cantiguinha"

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Brota esta lágrima e cai.
Vem de mim, mas não é minha.
Percebe-se que caminha,
sem que se saiba aonde vai.
Parece angústia espremida
de meu coração- pelos meus olhos fugida
e quebrada em minha mão.
Mas é rio, mais profundo,
sem nascimento e sem fim,
que, atravessando este mundo,
passou por dentro de mim.
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Cecília Meireles
in As palavras Voam
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segunda-feira, 7 de setembro de 2009

"Em Pé"

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Continuo em pé
por pulsar
por costume
por não abrir a janela decisiva
e olhar de uma vez a insolente
morte
essa mansa
dona da espera
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continuo em pé
por preguiça nas despedidas
no fechamento e demolição
da memória
.
não é um mérito
outros desafiam
a claridade
o caos
ou a tortura
.
continuar em pé
quer dizer coragem
.
ou não ter
onde cair
morto
.
Mário Benedetti
in A Ras de Sueño, 1967
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domingo, 6 de setembro de 2009

"Sombra e Névoa"

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Cai o crepúsculo. Chove.
Sobre a névoa ... A sombra desce ...
Como a tarde me entristece!
Como a chuva me comove!
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Cai a tarde muda a calma ...
Cai a chuva fina e fria ...
Anda no ar a nostalgia,
Que é névoa e sombra em minh’alma.
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Há não sei que afinidade
Entre mim e a natureza:
Cai a tarde ... Que tristeza!
Cai a chuva ... Que saudade!
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Da Costa e Silva
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sábado, 5 de setembro de 2009

"Pluvial"

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Nas águas do rio
as sombras dos carros
o lixo e a lama e as sobras
impuras escuras escusas
que ocultam (no leito
do rio) o caos da cidade.
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Márcia Maia

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sexta-feira, 4 de setembro de 2009

"Midas"

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A memória é um Midas.
Transforma em agora
todo passado que toca.
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Anderson Santos

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quinta-feira, 3 de setembro de 2009

"Poeta às Pressas"

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Achei que era fácil
versar o que sentia
tentei virar poeta
da noite para o dia.
Rimei minha quimera
e meu sonho-utopia
com a tal da primavera
e aquela luz do dia.
Preocupado com a rima
esqueci da poesia.
.
Ricardo Porto
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quarta-feira, 2 de setembro de 2009

"Setilha"

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Se ao passado só se volta
na garupa da lembrança;
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e ao futuro só se chega
no galope da esperança;
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o melhor é não ter pressa,
pois se alguém o tempo apressa,
'té do presente se cansa.
.
Carlos Alberto de Assis Cavalcanti

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terça-feira, 1 de setembro de 2009

"Vocabulário"

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.Beijo partilhado
é idioma
partido em dois:
um que sorve
outro servido,
um ao pé da letra
outro no céu da boca
ambos
pelo sentido
.
Edmar Monteiro Filho
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Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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