Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

quarta-feira, 31 de maio de 2023

Amor

 

Arte de Michaela Latattanzio


Na véspera de ti
eu era pouca
e sem
sintaxe
eu era um quase
uma parte
sem outra
um hiato
de mim.

No agora de ti
aconteço
tecida em ponto
cheio
um texto
com entrelinhas
e recheio:

um precioso corpo
um bastante sim.

Maria Esther Maciel



Conceito

 

Desconheço a autoria da imagem

 Teu corpo:

um porto
que eterniza
meus navios

um parto
que traduz
o meu avesso

a parte
que arremata
meu desejo.

Maria Esther Maciel




sexta-feira, 26 de maio de 2023

Metade pássaro

 

Arte de Daniel Bilmes


A mulher do fim do mundo
Dá de comer às roseiras,
Dá de beber às estátuas,
Dá de sonhar aos poetas.

A mulher do fim do mundo
Chama a luz com um assobio,
Faz a virgem virar pedra,
Cura a tempestade,
Desvia o curso dos sonhos,
Escreve cartas ao rio,
Me puxa do sono eterno
Para os seus braços que cantam.

Murilo Mendes


 

Agora escrevo pássaros

 

Imagem via Pinterest

 Agora escrevo pássaros.
Não os vejo chegar, não escolho, de repente estão aí,
um bando de palavras a pousar
uma por uma
nos arames da página,
entre chilreios e bicadas,
chuva de asas,
e eu sem pão para dar,
tão somente deixo-os vir.
Talvez seja isto uma árvore,
ou quem sabe,
o amor.

 
Julio Cortázar

 

 

 

Ciclo

 

Iris Van Herpen Fashion

 
manhã 

é quando nasço


meio dia 

chego ao meu apogeu


tarde

 me agito em alvoroço


crepúsculo

 me preparo para o fim


noite

 é tarde demais


madrugada

 ah, se estivesses aqui:
minha vida,
distante deste ciclo,
se tornaria espiral

 

Paulo Laurindo 

 

 

quinta-feira, 25 de maio de 2023

Asas

 

Arte de Giovanni Gastel
 

 Quando chegava o verão
Sentavas-te
À tardinha
Debaixo da figueira
Onde a brisa
Suave
Anunciava
O rumor das cotovias
Então pegavas
Delicada
Na minha mão
E contavas
Baixinho
Era uma vez um potrinho
Que adormecia
Feliz
A ouvir
As histórias do vento...
Sentia-te perto
E o tempo
Adormecido
No cantar do ribeiro
Parava
Enlevado
Para nos ver
Assim eram os dias
No tranquilo paraíso
Em que desenhavas
Minuciosa
O crescer das minhas asas
E eu sentia
Maravilhado
O vigor do teu voar.

A.C.

 

 

Chegou o esquecimento

 

Arte de Jaya Suberg


 Chegou o esquecimento,
recebo-o em silêncio,
agradecida.
Mas curvo-me
como uma folha seca,
Porque o vazio pesa.
 

Susana Cabuchi 




Tu tens um medo

 

Arte de Tullius Heuer
 

  Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.

E então serás eterno.

Cecilia Meirelles

 

 

terça-feira, 2 de maio de 2023

Malha morta

 

Imagem via Lucie Ann

 é segunda faço sopa
é terça mudo de roupa
não sei se mudo de pele
quando à quarta vou com ele
se à quinta corto as veias
à sexta estou sem ideias

sábado levanto e calo
domingo acordo e falo,
sempre com algum atraso
é tarde no meu buraco
faço de conta que esqueço
aquilo que não mereço

sinto-me tal qual
uma velha canção
sinto-me tal qual
um refrão que odiei

à segunda aperto o laço
do garrote que a mim faço
à terça espero que passe
à quarta uso disfarce
na quinta ponho um vestido
à sexta perco o sentido

a dias me sinto suja
o que lavo vira negro
não sei porque continuo
esta malha em segredo
faço de conta que esqueço
aquilo que não conheço

sinto-me mal qual
uma velha canção
sinto-me mal qual refrão que odiei

Ana Deus

 

 

Hipnose

imagem via Tumblr Blog


Ligo a tevê
à espera de notícias
cerejas
ameixas
na tela cor de abóbora.

O locutor insiste
em expelir parênteses
entre imagens
sem orquídeas e rosas
no canal
gaiola
com pêssegos em calda.

Sem áudio
o controle remoto
pitanga
sem pilhas
nenhuma alma
no sofá
azedinho-doce.

Saio do ar.

José Antonio Cavalcanti

 

 

 

De tanto chamamento

 

Fotografia de Andrey Godyaykin

  Caminho de encontro ao entardecer,
com a língua salgada de incendiar
a paisagem de quantos verões
me couberam na boca.
A curva do meu riso indicia o sul da mágoa.
Tenho um barco tatuado nos ossos
e os braços, quase enfermos,
de tanto chamamento.
No próximo verão, hei de vestir-me de branco,
para que os veleiros avistem a solidão do meu olhar.

Graça Pires


E dói-me

 

Arte de Eduardo Mata Icaza

  E dói-me esse rio de já me não amares
de já me não quereres assim como eu te quero
de não sobressaltares porque sou eu que te espero
em esquinas de lágrima ou sorriso
foi-se o amor chegou o siso
e eu
que não nasci para ter juízo

E dói-me o teu ventre que não afago
como quem depois de amanhã se afoga
e hoje apenas está, dê para o que der
e doa a quem doer

Passam sanguessugas pelos trilhos da memória
umas são mortas, outras são vivas,
outras são glória
de já não existir e teimar em persistir
e eu vou ao vento, sou palmeira seca,
sou teimoso sou frágil sou de teca de cetim
sou uns dias teu, outros assim assim

E dói-me o teu ventre que não afago
como quem depois de amanhã se afoga
e hoje apenas sente, e já pouco quer
para além de seres mulher

E sei que já não sinto o que senti nem sei quem sou
mas seja eu quem for fazes-me falta, ainda és música
perdi a pauta, nada sei cantar, acho que esta conversa
é coça umbigo, vai ter que parar

Mas dói-me o teu ventre que não afago
como quem não sabe nadar
e hoje é de festa, amanhã é de mar
é de mar

Manuel Cintra

 

 

Empatia

 

Fotografia de Luiz Fernando Branco

 O bem-te-vi que canta na minha janela
sabe do concreto
muros
armadilhas
e arames

O bem-te-vi que canta na minha janela
tem a absoluta certeza
do espaço
nada dessa cidade que e afoga
em margens de incertezas

O bem-te-vi que canta
na minúscula janela do banheiro
sabe que eu
sentada nesse espaço 1x2
tenho uma ausência de ninho
tão grande quanto a dele

Cida Pedrosa

 

 

 

Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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