Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina
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terça-feira, 12 de maio de 2020

Pomba



Imagem Google

Pomba: apenas uma ave,
dizem incompletamente.

Porém há gente que sabe
que também é irmã do vento

quando a deixam soltar
todo o voo que traz dentro.

A.M. Pires Cabral
In “Arado”




Motes e voltas


Natureza Morta com Maçãs Fruta Pintura de Vincent Van Gogh

1
Senhor, vão sendo horas.
Sei bem que o teu relógio
não tem de regular-se pelo meu
nem a tua vontade pela minha.

Mas é justo que seja aquele que sofre
do tempo os enxovalhos
a dizer quando vão sendo horas —

e não tu, Senhor, com quem
o tempo não colide
(decerto porque tu mesmo és o tempo
ou a ausência dele,
e não podes portanto avaliar
quando se nos torna o peso do Verão
desmedido, funesto, vexatório.)

2
Como foi longo o estio. Como se demorou
o Sol nas coisas com cínica indiferença
própria dos deuses.
Como o sol crestou a erva, a pele.

É tempo de vento à solta nas campinas.
Entorna, Senhor, o bálsamo das sombras
sobre o quadrante dos relógios de sol
e sobre tudo o mais que o verão escaldou.

Que vigorem as trevas, chuva e frio
com que se tece
o branco lenço da melancolia.

3
Estão colhidas, derramadas
na sua cama de palha,
as maçãs que hão de perfumar a casa
no inverno avesso a cheiros.
O vinho já ganhou
doçura e perfídia quanto baste.

Estas são, Senhor, as minhas provisões
para os dias de estio que aí vêm.

4
Eu fiz a minha casa com uma pedra
que me deste. Usei a tua madeira,
os teus metais. Posso dizer:
tenho uma casa, eu não sou daqueles
para quem o verão não foi mais que um embuste.

Mas sei de muitos a quem o sol cegou
e já não podem ver
o esplendor das trevas.
Isto é: já não podem construir
casa nenhuma.

5
Não estou só
Recrutei companheiros para o inverno
que não o temem como se teme um lobo,
mas apenas como é justo que se tema
o desdobrar das páginas do tempo:
com decoro. Então
aconchegados a mim, e eu a eles.
Somos uma parede.

Mas há quem esteja só
e assim deva ficar.

A esses, tudo aquilo que o nocivo
inverno lhes trouxer
recordará o que ficou retido
nas levianas demasias do verão.

As cartas que usarão como recurso
contra a ausência do sol
ninguém lhas lerá, ser-lhe-ão devolvidas
com um carimbo maquinal: «Desconhecido
neste endereço». Cartas descompostas
de terem ido e voltado.
Cartas que em boa verdade
escreverão a si mesmos
sob outros nomes e moradas. Cartas
semelhantes a ardilosos bumerangues
ou a cães ensinados a voltar para nós,
trazendo na boca, molhado de saliva,
o pau que arremessámos.

6
Mas possa eu, Senhor, não perder nunca
os olhos com que ao frio me enamoro
das folhas que se movem casuais
ao vento outonal das alamedas.

A. M. Pires Cabral



 

Não me mostre nenhum norte

 
Imagem via Pinterest
 
Não me mostres nenhum norte
nem estradas para lá:
são tudo embustes.
Mostra-me antes pedras, folhas mortas
de Outono atapetando o chão das matas,
voos de libelinhas rasando o sol poente,
cândidas risadas infantis.
Quero eu dizer: mostra-me coisas
daquelas que se corrompem sem pressa.

A. M. Pires Cabral



 

O vento


 Foto de Abbas Kiarostami

É fácil dizer que o vento
tem gatos na voz
enfurecidos.

Que afaga e despenteia,
traz a chuva.

Que levanta as telhas,
exercita na noite
os nossos mais pesados
pesadelos.

É fácil ser poeta
à custa do vento.

Fingir que não sabemos
que o vento não é senão
o vazio que muda de lugar.

A.M. Pires Cabral




Folha rubra




Fotografia  © Goodnightjane | Dreamstime.com

É bom sermos como essas folhas verdes
que prolongam todo o ano a Primavera.

Mas melhor do que isso
é sermos como aquela folha rubra
que antes das outras pressentiu o Outono
e vestiu para ele a sua melhor cor,

mesmo sabendo que o Inverno tem um plano
para em breve a dissolver no chão.

A. M. Pires Cabral



Confesso que voei


 
 Autoria desconhecida

~ excerto ~
 
2

Escolho o galho
mais ajeitado à minha condição
e, como a ave a quem o voo se esgota
temporariamente, apeio-me do voo.
E também como a ave que, acabada
de pousar, bate ainda as asas
por duas ou três vezes,
assim as bato eu.
Mas enquanto a ave as bate
como para sacudir delas
os resíduos do voo,
eu faço-o por exigência de equilíbrio:
o ramo verga, já não tenho
a agilidade doutros tempos,
cairia se não batesse as asas.
Isto é: bato-as da mesma forma que
o funâmbulo* tenteia a vara
e o cego a bengala.
Para me acomodar mais facilmente
no exterior do voo.

A. M. Pires Cabral


funâmbulo
substantivo masculino

    1.
    equilibrista que anda na corda bamba ou arame, demonstrando sua destreza em exibições públicas; aramista, burlantim.



Nasci para roer o silêncio


Desconheço a autoria da imagem 

Tenho um destino. Nasci
para roer o silêncio – e vou roê-lo
metodicamente

até que um dia se invertam os papéis
e seja o silêncio a roer-me a mim.

A. M. Pires Cabral
in Resumo: a poesia em 2011 






quarta-feira, 20 de junho de 2018

Semear tempestades



imagem: Google
 
semear tempestades
e assegurar que cresçam
foi para isso que os poetas foram feitos

esgrimir com a mais idônea

das espadas: a coragem
foi para isso que os poetas foram feitos

namorar a perfeição
e às vezes alcançá-la
foi para isso que os poetas foram feitos

A. M. Pires Cabral






Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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