Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

terça-feira, 30 de novembro de 2010

"Prospecção"


Imagem da Web

Não são pepitas de oiro que procuro.
Oiro dentro de mim, terra singela!
Busco apenas aquela
Universal riqueza
Do homem que revolve a solidão:
O tesoiro sagrado
De nenhuma certeza,
Soterrado
Por mil certezas de aluvião.
Cavo,
Lavo,
Peneiro,
Mas só quero a fortuna
De me encontrar.
Poeta antes dos versos
E sede antes da fonte.
Puro como um deserto.
Inteiramente nu e descoberto.

Miguel Torga


segunda-feira, 29 de novembro de 2010

"Três Caminhos"

Imagem Google

Percorri tantos caminhos,
tantos caminhos andei.
O primeiro era de nácar,
de rosa pura o segundo.
O terceiro era de nuvem,
no terceiro te encontrei.
O primeiro já trazia
teu nome brilhando no ar.
Não era nome de terra:
cantava coisas do mar.
Logo senti que o segundo
já era estrada de encantar.
Mas o terceiro, o terceiro
quantas voltas não foi dar!
Deixou meu corpo na terra,
meu coração no alto-mar.
Virou vento, virou bruma,
perdeu-se, rápido, no ar.

Emilio Moura


domingo, 28 de novembro de 2010

"Colecionador de Quimeras"

Imagem Google

Quando as minhas angústias
começam a morder-me
ponho-lhes a trela
saio à rua a passeá-las
e deixo-as ladrar
ao tédio transeunte.

Depois ponho-lhes asas
e deixo-as voar
como pássaros
em busca de primaveras
imprevisíveis.

António Tomé



sábado, 27 de novembro de 2010

"O Dia e a Noite'


andrew myers
Fotografia Andrew Myers

Não se discute o dogma.
Não se dicute o amor.
Não se discute a poesia.

Semeai enigmas.
Semeai ternuras.
Semeai sonhos, tristezas,
deslumbramentos.

Mas esse avanço das rosas
pressentindo meu corpo esverdeado;
acabará o amor;
e que poderei apresentar a Deus?

Murilo Mendes
in "O sinal de Deus - Poemas em Prosa" - Livro Segundo



sexta-feira, 26 de novembro de 2010

"Cançoneta"


Imagem Google

Um colarzinho de contas no pescoço,
as mãos sumindo num amplo regalo.
Os olhos passeiam em torno distraídos
e já não têm mais com que chorar.
A seda, que é quase violeta,
faz o rosto parecer mais pálido.
A franja, de cabelos tão lisinhos,
já chega até quase as sobrancelhas.
Não se parece em nada com um vôo
esse jeito lento de andar
como se numa jangada pisasse
e não nas pranchas firmes do assoalho.
A boca pálida, entreaberta,
o fôlego cansado, ofegante...
contra o peito treme o ramalhete
deste encontro contigo que não houve.

Anna Akhmátova
(tradução de Lauro Machado Coelho)


quinta-feira, 25 de novembro de 2010

"Contemplação"

Imagem daqui

Deito meus olhos
no berço do horizonte.
Re_colho Deus.

Tuca Kors


quarta-feira, 24 de novembro de 2010

"À Vida"

Imagem daqui

Não roubarás minha cor
vermelha, de rio que estua.
Sou recusa: és caçador.
Persegues: eu sou a fuga.
Não dou minha alma cativa!
Colhido em pleno disparo,
curva o pescoço cavalo
árabe
e abre a veia da vida.

Marina Tzvietáieva

terça-feira, 23 de novembro de 2010

"Verde e Azul"

Imagem daqui

É preciso saber ir embora
E contudo ser como as árvores:
como se a raiz ficasse na terra
como se a paisagem passasse por nós e não nos movêssemos.
É preciso conter a respiração
Até que o vento afrouxe
E o ar estranho comece a girar à nossa volta
Até que o jogo de luz e de sombras
De verde e de azul
Revele os velhos padrões
E nos sintamos em casa, onde quer que seja.

Hilde Domin


segunda-feira, 22 de novembro de 2010

"Canção Para Dar Coragem"

Imagem daqui

I
Nossos travesseiros estão molhados
pelas lágrimas
de sonhos alterados.

Porém novamente se ergue
a pomba
de nossas mão vazias
desamparadas.

Hilde Domin



domingo, 21 de novembro de 2010

"Um Jardim"


Imagem Google

Há um murmúrio de águas frescas, através
dos ramos das macieiras, as rosas ensombram
todo o solo, e das folhas trémulas
escorre o sonho.

Safo


sábado, 20 de novembro de 2010

"Receita Para Fazer o Azul"


Fotografia de Sakura

Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.

Por fim, peneira um resto de oiro da areia do meio-dia,
até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego
queimado.

Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma
vez ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto
de ocre na superfície dourada.
Podes, então, levantar a cor até à altura dos olhos,
e compará-la com o azul autêntico.

Ambas as cores te parecerão semelhantes,
sem que possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz — eu, Abraão ben Judá Ibn Haim,
iluminador de Loulé — e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu.

Nuno Júdice


sexta-feira, 19 de novembro de 2010

"Vende-se"


Imagem Google

Vende-se uma cama de casal
tamanho normal
ou troca-se por uma cama de solteiro;
ainda vai de brinde um travesseiro
e uma colcha rendada,
que está um pouco amassada
e só traz recordação.
Motivo: separação

Nelcí de Abdala


quinta-feira, 18 de novembro de 2010


Pintura de João Barcelos

Em todos os perdidos portos do mundo, sob o crepúsculo
balouçam barcos mansamente.
A brisa é uma carícia lenta
nos mastros e nas velas.
A voz da água é um segredo baixinho.
É preciso não acordar os homens.
É preciso que se encha o mundo de doçura infinita,
de infinito silêncio,
porque os homens estão fatigados, fatigados...

Tasso da Silveira
In:"Puro canto"


quarta-feira, 17 de novembro de 2010

"Ao Escrever Poemas"


Imagem Google

Tenho a mão pesada ao escrever poemas,
Abro, no papel, profundos sulcos, tipo, leito de um rio,
por onde navegam palavras, pensamentos, histórias,
coisas colhidas nas trilhas desta vida.

Não acaricio as palavras, espremo-as,
até ter delas seu sumo, seus significados.
Uso cores agressivas, por vezes exuberantes,
quando tento passar uma mensagem.
Quando falo de saudade prefiro o cinza,
nostalgia navega em branco e preto
e a revolta em águas barrentas, sempre!
Estou mais para a realidade, a vida me fez assim!

Tenho a mão pesada aos escrever poemas,
machuco o papel, até perceber que ali existe
sangue, suor, saliva, sentimento,
não sei escrever sem expor feridas.

Parir versos é remexer nas entranhas,
é cutucar cicatrizes, fazê-las ardidas,
só assim o poema sobrevive
e eu consigo exorcizar minha dor.



terça-feira, 16 de novembro de 2010

"Tarde"


Edgar Degas "Vor dem Spiegel"

Quando estiver velha, mente plana
e sem este desejo louco
com as Memórias dividindo minha cama
e a Paz dividindo meu fogo
Pentearei meus cabelos em dois coques
sob minha touca limpa arrumada
e olharei minhas mãos cansadas sem choques
no meu colo espalmadas
E terei robes de floridos panos
com rendas minha garganta beijando
mas oh, espero que esses abençoados anos
não estivessem se aproximando!

Dorothy Parker


segunda-feira, 15 de novembro de 2010

"Lua Alta"

Imagem Google

Lua alta
E por trás
de tantas nuvens
brilham estrelas...

Aqui,
por trás desta neblina,
brilho também.
Sozinha
e acomopanhada
de mim
e de mais ninguém...

Não direi mais nada
É o silêncio que mais convém...

Agradecida,
a lua
sussurra:
amém...

Ana C. Pozza


domingo, 14 de novembro de 2010

"Atitudes"

Fotografia Alicelink

Pise em seus anseios,
mas não sente no impossível.

Quebre o vidro do inconformismo,
mas não espalhe os cacos
pelo chão de estrelas.

Amasse o fermento vivo
de seu pensamento,
mas não tempere a realidade
com fantasia.

Engula o preparado
que lhe serve
na mesa da fatalidade,
mas não ignore
os farelos da motivação.

Adoce o refresco do desejo,
mas queira tomá-lo açucarado:
pode restar o azedo da decepção.

Rita de Cássia Alves
In Espaços do Coração


sábado, 13 de novembro de 2010

"Rosa Branca ao Crepúsculo"

Imagem Google

Inclinas triste o rosto
nas folhas, para a morte,
respiras luz fantástica
e emites sonhos pálidos.

Íntima como um canto,
à última luz flutua
no quarto, a tarde toda,
a doce fragrância tua.

No inefável se engaja
tua alma temerosa,
e vai rindo e morrendo
em meu peito, irmã rosa.

Hermann Hesse


sexta-feira, 12 de novembro de 2010

"Francesca"

Imagem daqui

Surgiste de dentro da noite
E havia flores em tuas mãos,
Agora surgirás de uma confusão de gente,
De um tumulto de conversas sobre ti.

Eu, que te vi surgir em meio às primícias
Zanguei-me quando disseram teu nome
Em locais baratos.
Eu quis que as frescas ondas pudessem fluir sobre minha mente,
E o mundo murchasse como folha seca,
Ou um pólen de dente-de-leão levado ao vento,
Para poder te ver de novo,
A sós.

Ezra Pound


quinta-feira, 11 de novembro de 2010

"Poemas aos Homens do Nosso Tempos"


"Passos perdidos", fotografia de Leonardo Amaro Rodrigues

(VIII)

Lobos? São muitos.
Mas tu podes ainda
A palavra na língua
Aquietá-los.

Mortos? O mundo.
Mas podes acordá-lo
Sortilégio da vida
Na palavra escrita.

Lúcidos? São poucos.
Mas se farão milhares
Se à lucidez dos poucos
Te juntares.

Raros? Teus preclaros amigos.
E tu mesmo, raro.
Se nas coisas que digo
Acreditares.

Hilda Hilst
“in” Poesia (1959-1979)


quarta-feira, 10 de novembro de 2010

"Pensamento Longe"


Imagem daqui

A leveza de teu vestido
E tuas mãos dizendo adeus.

Eu iria, mesmo com a certeza de não te encontrar,
E voltaria sem te ter visto,
Passeando com a tua lembrança.

Eu caminharia horas e horas pensando em ti,
Sem chegar nunca ao termo do caminho
Onde estivesse escrito: aqui se acaba o amor.

Dante Milano


terça-feira, 9 de novembro de 2010

Imagem Google

À meia-noite despeço-me do mundo
e corro a abrir a porta
dos meus sonhos.
Às vezes, com a pressa,
deixo cair na escada um sapatinho.
Quando de manhã alguém mo traz,
dizendo: deixas o sapato em qualquer lado,
volto a calçá-lo, distraidamente,
e vou ficando, outra vez,
desencantado.

Álvaro Guimarães


segunda-feira, 8 de novembro de 2010

"Soneto de Véspera"


Imagem Google

Quando chegares e eu te vir chorando
De tanto te esperar, que te direi?
E da angústia de amar-te, te esperando
Reencontrada, como te amarei?

Que beijo teu de lágrimas terei
Para esquecer o que vivi lembrando
E que farei da antiga mágoa quando
Não puder te dizer por que chorei?

Como ocultar a sombra em mim suspensa
Pelo martírio da memória imensa
Que a distância criou - fria de vida

Imagem tua que eu compus serena
Atenta ao meu apelo e à minha pena
E que quisera nunca mais perdida...

Vinicius de Morais


domingo, 7 de novembro de 2010

"Dia de Hoje"


Imagem daqui

Ó dia de hoje, ó dia de horas claras
Florindo nas ondas, cantando nas florestas,
No teu ar brilham transparentes festas
E o fantasma das maravilhas raras
Visita, uma por uma, as tuas horas
Em que há por vezes súbitas demoras
Plenas como as pausas dum vento.

Ó dia de hoje, ó dia de horas leves
Bailando na doçura
E na amargura
De serem perfeitas e de serem breves.

Sophia de Mello Breyner Andresen


sábado, 6 de novembro de 2010

"Janela Aberta"


Imagem Google

Chegaste em minha vida
como uma janela aberta
numa casa vazia e triste.

Trouxeste um dia de sol
um aceno de folhagem
um canto de pássaro.

Que importa se continuo
a ser a mesma casa
triste e vazia?

Debruçado à janela, agora,
posso te ver passar... todo dia...

J. G. de Araújo Jorge


sexta-feira, 5 de novembro de 2010

"Soneto 17"


Imagem Google

Se te comparo a um dia de verão
És por certo mais belo e mais ameno
O vento espalha as folhas pelo chão
E o tempo do verão é bem pequeno.

Ás vezes brilha o Sol em demasia
Outras vezes desmaia com frieza;
O que é belo declina num só dia,
Na terna mutação da natureza.

Mas em ti o verão será eterno,
E a beleza que tens não perderás;
Nem chegarás da morte ao triste inverno:

Nestas linhas com o tempo crescerás.
E enquanto nesta terra houver um ser,
Meus versos vivos te farão viver.

William Shakespeare


quinta-feira, 4 de novembro de 2010


VITÓRIA DE SAMOTHRACE no Louvre

Em alguma vida fui ave.

Guardo memória
de paisagens espraiadas
e de escarpas em vôo rasante.

E sinto em meus pés
o consolo de um pouso soberano
na mais alta copa da floresta.

Liga-me à terra
uma nuvem e seu desleixo de brancura.

Vivo a golpes
com coração de asa
e tombo como um relâmpago
faminto de terra.

Guardo a pluma
que resta dentro do peito
como um homem guarda o seu nome
no travesseiro do tempo.

Em alguma ave fui vida.

Mia Couto


quarta-feira, 3 de novembro de 2010

“Open Window”, by Szpytma

Existem manhãs
em que abrimos a janela
e temos a impressão
de que o dia
nos está esperando.

Charles Baudelaire


terça-feira, 2 de novembro de 2010

"Tormento"


Coração Na árvore Da Crosta
Fotografia daqui

Eu me pergunto pelo teu caminho,
pelas veredas desse teu viver;
porque eu quisera dar-te meu carinho
e ver teu rosto a cada amanhecer.

Eu te procuro... Mas não te adivinho,
onde meu toque possa te envolver...
E me pergunto se vives sozinho...
E se me guardas junto ao teu querer.

Eu te procuro, dia ou madrugada,
meu pensamento voa, sem parada...
Quem é aquela que te faz feliz?

Quem te resguarda, quando tens tristeza,
quem te acarinha, quando há incerteza...
Quem te aconchega, como eu sempre quis?

Patricia Neme


segunda-feira, 1 de novembro de 2010

"Canção da Pipa"


"Pipas", de Portinari

Voa, pequena pipa, voa,
Eleva-te com vontade aos ares
Empina, pequena coisa azul, empina,
Sobre a nossa catacumba de casas!

Se nós te seguramos pela linha
Tu te manténs nos ares
Escravo dos sete ventos
A levantar-te os obrigarás.

E nós ficamos a teus pés!
Voa, voa, pequeno ancestral
De nossos grandes aeroplanos
Olha ao teu redor para saudá-los!

Manuel Bandeira


Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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