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Imagem via Pinterest |
cabelos brancos
ondas espraiadas
fios de saudade
trançados
em rosários de esperanças
suaves lembranças
abraçadas
a fios negros teimosos
bela cabeça branca
pontuada de remorsos
Paulo Laurindo
Um poeta é um rouxinol que se senta na escuridão, e canta para se confortar da própria solidão com seus próprios sons. Seus ouvintes são homens arrebatados pela melodia de uma musica invisível, que se sentem comovidos e em paz, ainda que não saibam como nem porquê” (Percy Bysshe Shelley)
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Félix Vallotton - La bibliothèque, 1915 |
tem dia que me procuro pela casa
dentro das gavetas
atrás dos móveis
debaixo da cama
entre as almofadas do sofá...
e nada
nada de me encontrar
tem dia que esquecido
pareço haver me perdido
desde a última vez
que me achei numa esquina
um canto qualquer
entre o quarto e a sala
sem saber pra onde ir
nem o que procurar
outro dia me achei
dentro de uma velha sacola de viagem...
ao separar páginas amareladas de histórias
desenhos infantis, fotos, cartões postais
e outras lembranças difíceis de lembrar
foi possível chegar ao quebra-cabeça do meu zelo
aos jogos da minha desconfiança
e entender o porquê
vivo tanto a me esquecer por aí
Paulo Laurindo
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"O Beijo, de Gustave Klimt |
… e aquelas mentiras
- máscaras à disposição -
que contei
para parecer legal…?
… e os teus olhos crédulos
a trilha sem retorno
o magma da culpa
lava doída
castigo precipitado
e no último instante
a liberdade destemida do improviso
… isso ou o silêncio
e aí não haveria garantia
de que teus inocentes olhos
permanecessem grudados em mim
enquanto teus desprotegidos lábios
seriam surpreendidos
pelo meu desejo a assinalar o teu
… e nós dois destinados
a grandes feitos – cúmplices...
e o futuro que zerasse
- se futuro houvesse -
todo aquele mau começo
a singela
rubra
úmida
a pequena mentira
dita cabalisticamente
ao fogo generoso da tua boca
Paulo Laurindo
Study for Inner Improvement, Helena Almeida, 1977 |
dói
dói tanto que já nem sei
se é minha essa agonia
imagino que tanta consumição
a natureza nos pouparia
então
deve ser um tanto de fantasia
própria de quem tem medo de altura
que anda sempre na faixa
que olha para os dois lados da rua na hora de atravessar
que se desculpa
que pede licença pra tudo que faz na vida
que obedece à risca o respeito ao outro
(na igual proporção que deseja ser respeitado)
e que quando deseja beijar alguém
costuma se esconder nos versos de um poema…
e nessa aflição
que é do fato de existir
eis-me aqui
numa palavra
um contumaz idiota
do tipo que não deve
e não pode
e não tem porque duvidar de suas melhores intenções
do tipo acostumado a viver
esgueirado dos lindos olhos verdes de marialva aguardados
tão culpado
tão desastrosamente condenado
mas que ainda traz em si
em meio a este infinito desconsolo
um mundo inteiro de futuras e possíveis alegrias
Paulo Laurindo