Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Agora é tarde


Imagem: Google

Não é difícil um homem apaixonar-se.
Ferir a sua paisagem,
cinzas de um passado caído, fluente.
Ao fim de vidas partilhadas pode ser que
diga “estremeci durante anos sem te abraçar.” 
Agora é tarde.
Agora é tarde sobre a terra cercada.
Por planícies ficou o desespero,
a dor lilás dos homens soçobrados
na paciência noturna.
Só depois do terror os cães ladram fielmente
aos portais da manhã, só
após o gume das vidas partilhadas.
“Passei a vida a fugir para a tua boca,” e
confundo já o teu rosto
com um qualquer.

Rui Cóias


A casa está cheia de ti


Trabalho fotográfico de Francesca Woodman

A casa está cheia de ti
Não apenas os retratos os recantos
Os quadros
Não apenas os objetos onde
Roça ao de leve
A suave mão da tua ausência.
Mas aquela luz que trazias dentro
E deixavas de passagem
Nos seres e nas coisas.
Talvez agora mores entre as estrelas
Mas brilhas
Intensamente brilhas dentro de casa.

Manuel Alegre, in Dispersos e Inéditos




Pintura de Frank Mahler

vou buscar-te ao fim da tarde,
porque a noite só escurece contigo ao
meu lado, porque a noite aprende por ti
o caminho aberto das estrelas

vou buscar-te ao fim da tarde,
e verás como preparei a casa, como
escolhi a música, como, enfim, espalhei
os objetos mais impressionados contigo,
os que ganharam vida por se interporem
na espessura estreita que vai do meu
ao teu coração

e não mais devolvo, correndo todos os
riscos de não amanhecer nunca
numa loucura propositada por ti

não mais te devolvo,
ocuparás o mundo debaixo e sobre mim,
e não haverá mais mundo sem que seja assim

Valter Hugo Mãe, in pornografia erudita




Arte de Tiina Weckman

Por mim, e por vós, e por mais aquilo 
que está onde as outras coisas nunca estão, 
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo: 
quero solidão. 

Meu caminho é sem marcos nem paisagens. 
E como o conheces? - me perguntarão. 
- Por não ter palavras, por não ter imagens. 
Nenhum inimigo e nenhum irmão. 

Que procuras? - Tudo. Que desejas? - Nada. 
Viajo sozinha com o meu coração. 
Não ando perdida, mas desencontrada. 
Levo o meu rumo na minha mão. 

A memória voou da minha fronte. 
Voou meu amor, minha imaginação... 
Talvez eu morra antes do horizonte. 
Memória, amor e o resto onde estarão? 

Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra. 
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão! 
Estandarte triste de uma estranha guerra...) 

Quero solidão.


Cecília Meireles, in Obra Poética



Poema nonagésimo quarto


Arte do Pintor surrealista Alexander Sigov - 1955

Observo-te. Como um deus antigo que não sabe
escrever.

Os deuses, meu amor, não sabem escrever 
porque não precisam. Para isso criaram os poetas, 
os inquietos escribas do amor. 

Os que há milhares de anos 
continuam a beber e a fazer canções para acompanhar 
a bebida. 

E tratam das palavras como das rosas, e os poemas 
como terra perfumada para dar mais vida à vida. E acordam 
a água, sussurrando um nome de mulher. Porque o poeta 
não é só um poeta, é também um homem, um amante comum, 
com um amor comum e uma dor comum.

O poeta acredita, meu amor, que só um deus não é analfabeto:
aquele que sabe escrever até por linhas tortas.

Joaquim Pessoa, in Guardar o Fogo (Texto com supressões)

Amor e outros crimes em vias de perdão


Arte de Laurie Lipton

eu gostava de poder dizer
que entrei no teu corpo como um pássaro
espreitando de invisíveis ruínas
e que o som da tua voz bastava
para me salvar

mas de nada serve inventar palavras
quando as palavras que inventamos
não passam de frágeis lugares de exílio
dos gestos inventados fora de horas
delimitando o espaço de tantas mortes prematuras
de que juramos ressuscitar um dia

- quando os deuses se lembrassem
de acordar ao nosso lado

Alice Vieira, (excerto) in Dois Corpos Tombando Na Água



Contabilidade


Fotografia de Philipp Vogt

agora eu era linda outra vez
e tu existias e merecíamos
noite inteira um tão grande
amor

agora tu eras como o tempo
despido dos dias, por fim
vulnerável e nu, e eu
era por ti adentro eternamente

lentamente
como só lentamente
se deve morrer de amor

Valter Hugo Mãe



É o verbo


Fotografia de Fernando Campanella

No princípio é o caos
e a poesia se faz cosmo
e, unigênita, habita em mim

sempre a mesma gênesis:
premer o útero das sombras
para a explosão secreta -
a graça de alguma luz.

Fernando Campanella


quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Noite apressada


Fotografia de Sofia Silvano

Era uma noite apressada
depois de um dia tão lento.
Era uma rosa encarnada
aberta nesse momento.
Era uma boca fechada
sob a mordaça de um lenço.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!

Imensa, a casa perdida
no meio do vendaval;
imensa, a linha da vida
no seu desenho mortal;
imensa, na despedida,
a certeza do final.

Era uma haste inclinada
sob o capricho do vento.
Era a minh'alma, dobrada,
dentro do teu pensamento.
Era uma igreja assaltada,
mas que cheirava a incenso.
Era afinal quase nada,
e tudo parecia imenso!

Imensa, a luz proibida
no centro da catedral;
imensa, a voz diluída
além do bem e do mal;
imensa, por toda a vida,
uma descrença total!

David Mourão-Ferreira, in À Guitarra e à Viola



imagem:google

já espalhamos pela casa os retratos,
os silêncios

os sobejos das sombras apátridas escritas na mão;

era a cinza das cinzas

o pouco silêncio,
maior que nós

B. Leonardo



XXXVI


Imagem: tela de Cícero Dias

Deixei a menina gritando no coreto da praça.
Larguei lá - a menina chorando no quintal
passarinho morto na mão.

A menina parada
com seu vestido cada vez mais curto
estatelada.

Tanto gritou que escutei
e fui buscá-la.

Martha Galrão, in "A Chuva de Maria"



Circunspecto


Fotografia de Fernando Campanella

Candeeiro à beira da estrada
paisagens de neblinas e comas –
cheiram mimos de melissa 
dormem casas sombreadas
pupilas noturnas voam.

Coração circunspecto de Minas,
bate em noite, bate em dia,
abre uma artéria em mim.

Fernando Campanella



Acontecia



foto: Gustave Le Gray

o esboço, o esboço aparente, a cor baça
de rascunho e matriz

na folha onde se escrevia
a tinta luz, a apara

de espinho na nuvem. Era o corpo inquieto
o vestígio,

era

o horizonte 
na linha inacabada.

B. Leonardo



imagem: google

Metade de mim hoje
não está
não quer
não é.

Porque há dias assim
em que as metades do não
são maiores que as metades do sim.

(Poema encontrado na Internet, sem identificação do autor. 
Favor avisar-me se souberem de quem é.)

Mistério



Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.

Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca não aprende,
Murmúrios por caminhos desolados.

Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas...

Talvez um dia entenda o teu mistério...
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!

Florbela Espanca


quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Segredo


Imagem: fotografia minha, do por do sol na Praia do Dentinho em Araruama-RJ

Segreda-me a canção dos dias
sem que nos ouça a noite terrível
e deixa que dance em mim a voz,
a voz azul que é o lugar onde
o mundo não pára de nascer.

Segreda-me o teu nome, agora,
e farei de nós o amor, a constelação,
o sonho de uma estação sem morte.

Vasco Gato, in Um mover de mão


Ponto de interrogação


Imagem da Web

Como é que eu,
ouvindo tão mal, distingo
o teu andar desde o princípio do corredor?

Como é que eu,
vendo tão pouco, sei
que és tu que chegas, conforme a luz?

Como é que eu,
de mãos tão ásperas, desenho
a tua cara mesmo tão longe dela?

Onde está
tudo o que sei de ti
sem nunca ter aprendido nada?

Serei ainda capaz
de descobrir a palavra 
que larga o teu rasto na janela?

(Que seria de nós
se nos roubassem os pontos de interrogação?)

Mário Castrim, in Os Dias do Amor


sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Brincadeiras


Imagem: Pinterest

Brinca comigo à procura
de uma estrela noutro céu
Brinca e leva a noite escura
com os sonhos que Deus te deu

Começa devagarinho
- por favor, não tenhas medo,
que meu coração fez ninho
dentro do teu em segredo

Acorda os anjos que formem
com a luz do teu sorriso
Faz com que não se conformem
e saiam do paraíso

Deixa-os entrar de repente
no teu quarto, a esta hora
em que a verdade mais quente
é o sono que te devora.

Brinca comigo às escuras,
ensina-me o que não sei
Onde estás? Porque procuras
o coração que te dei?

Fernando Pinto do Amaral



Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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