Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

sábado, 30 de abril de 2011

"A Casa do Tempo Perdido"



Bati no portão do tempo perdido,
ninguém atendeu.
Bati segunda vez e mais outra e mais outra.
Resposta nenhuma.
A casa do tempo perdido está coberta de hera
pela metade; a outra metade são cinzas.
Casa onde não mora ninguém, e eu batendo e
chamando pela dor de chamar e não ser escutado.

Simplesmente bater. O eco devolve minha
ânsia de entreabrir esses paços gelados.
A noite e o dia se confundem no esperar,
no bater e bater.
O tempo perdido certamente não existe.
É o casarão vazio e condenado.

Carlos Drummond de Andrade

Imagem daqui

sexta-feira, 29 de abril de 2011



Procura-se
A aurora desperta pelo azul do mar,
A quietude outonal que rasga o dia,
a vida que ressurge rara após noite escura.

Procura-se
a esperança que saiu voando sem rumo,
uma alma alada como pássaro,
que desapareceu entre o céu e o mar.

Procura-se
sonhos pássaros perdidos na névoa tardia,
ventos leves, leves como o pensamento.

Procura-se
uma chance, uma sorte, uma nova saída,
uma ilha, um pouco de paisagem,
um verso capaz de descrever o instante.

Sônia Schmorantz




quinta-feira, 28 de abril de 2011

"Silêncio"



Para caminhar sobre
a delicada ponte que leva
aos olhos do outro,
todo silêncio é pouco.

Para ouvir a música
que se desprende
de todas as coisas belas,
todo silêncio é pouco.

Para sentir na pele
o veludo de um jardim,
quando a noite
envolve o mundo em sua
rede de estrelas,
todo silêncio é ouro.

Para entender,
palavra por palavra,
a voz que vem do coração,
todo o silêncio é pouco.

Roseana Murray

Imagem daqui

quarta-feira, 27 de abril de 2011

"Remendo"



A calça rasgada
no bolso traseiro
ia da pobreza à sedução,
no ritmo audacioso
da dúvida provocada.

Essa viagem,
ida e volta,
acompanhava
o andar da bela,
que se escondia
para revelar,
que se exibia,
amocambada,
num olho mágico.

Eberth Alvarenga
“in” Suplemento Literário de Minas Gerais

Desconheço a autoria da imagem

terça-feira, 26 de abril de 2011

"Encontro das Águas"



Até então, eram dois rios - distintos
porém, pelo acaso dos cursos,
desaguaram no mesmo leito
misturando não apenas suas águas,
como também,
toda a memória das passadas margens
tornando-se assim, mais densos e profundos
para então, juntos,
seguirem um só curso
dividindo o mesmo sonho de Mar.

Até então, éramos dois seres - distintos...

Marcelo Roque

Desconheço a autoria da imagem

segunda-feira, 25 de abril de 2011



Encham a casa de rosas
Mas de rosas naturais
Dessas que trepam viçosas
Pelos muros dos quintais

Rosas de todas as cores
Que me tragam alegria
Que têm todas as flores
Abertas à luz do dia

E que sejam macias
Para as ter ao pé de mim
Mas não sejam rosas frias
Como essas de cetim

E seja tudo surpresa
Como se fosse a sonhar
Ponham, ponham flores na mesa
Que hoje não quero chorar.

Fernando Tavares Rodrigues


Pintura "Vasos na Varanda", Patricia Chinelli

domingo, 24 de abril de 2011

"Da Páscoa"



Porque para ressuscitar um Deus
não se prescrevem datas
(o divino brota
quando se rompem couraças)

e porque os símbolos, os mitos
são do humano a ceia mais farta,
peço-vos licença, Senhor de minha estória,
para à vossa mesa sentar-me,
com minha nudez
e toda fome de minha alma
inglória.

Fernando Campanella


sexta-feira, 22 de abril de 2011

"Precisa-se"



Tradutor-intérprete
de Deus.
Ouve-se bem.

Tuca Kors


Imagem obtida pelo observatório da ESO (European Southern Observatory) em La Silla, no deserto de Atacama em Chile, na constelação de Aquário, a 700 milhões de anos luz de distancia da Terra.


quinta-feira, 21 de abril de 2011

"Casa Trancada"



Que tipo de casa suburbana é o meu peito
Que guarda entre os seus cômodos vazios,
Vultos, sonhos e os anseios mais sombrios
Que de uma criatura singular é de direito?

Que dores percorrem o corredor estreito
E separa o imóvel como margens de um rio?
Qual foi o erro ou desengano que fez vazio
O espaço outrora alegre que envolve o leito?

Casa vazia. Triste como qualquer casa vazia.
Casa que apagou o sorriso de quem se ria
E se trancou com portas e janelas gradeadas.

Casa vadia. Triste como qualquer casa vadia,
Mas nas paredes ainda há quadros e fotografias
Enquanto a vida roda e continua na calçada.

Danilo del Monte

Fotografia de Talma

quarta-feira, 20 de abril de 2011

"Palavras ao Vento"



Palavras sujas,
jamais.

Um poeta as lava,
Cui-da-do-sa-mente,
Deli-ca-da-mente.

Ao vento,
alvas e alvorotadas,
escrevem versos
nos varais.

Paulo Renato Rodrigues

Desconheço a autoria da imagem

terça-feira, 19 de abril de 2011

"Despertar"




Fotografia de Chico Saragiotto
 
É um pássaro, é uma rosa,
é o mar que me acorda?
Pássaro ou rosa ou mar,
tudo é ardor, tudo é amor.
Acordar é ser rosa na rosa,
canto na ave, água no mar.

Eugênio Andrade


segunda-feira, 18 de abril de 2011

"Poema Para Piano Azul"


Hoje não é dia de desespero
nem desencanto
Nem será dia de amargura
ou desamor
Hoje não quero ouvir choro
não quero pranto
Quero que em cada olhar
se acabe a dor.

Hoje quero que as horas sejam de esperança
sonhada talvez, mas aqui presente
Quem não desiste, luta
Quem de amor vive, ama
Quem dá alegria, ri.

Hoje quero só que as letras do poema
se espalhem nos sons claros dum piano azul.

Else Lasker-Schüler

Desconheço a autoria da imagem

domingo, 17 de abril de 2011

"Depoimento"



Deponho
no processo do meu crime.
Sou testemunha
E réu
E vítima
E juiz
Juro

Que havia um muro,
E na face do muro uma palavra a giz.
MERDA! – lembro-me bem.
– Crianças...
– disse alguém que ia a passar.
Mas voltei novamente a soletrar
O vocábulo indecente,
E de repente
Como quem adivinha,
Numa tristeza já de penitente
Vi que a letra era minha...

Miguel Torga

Imagem: cena do documentário "que o mundo veja - retratos da pixação carioca". (foto: .divulgação.)

sábado, 16 de abril de 2011

"Canção da Escuta"



O sonho na prateleira me olha
Com seu ar de boneco quebrado.
Passo diante dele muitas vezes,
e sorrimos
cúmplices de nossos desastres
cotidianos.
Mas quando o pego no colo
para avaliar se tem conserto,
sinto que dentro dele ainda bate
um tambor obstinado,
marcando o ritmo dos meus passos.

Lya Luft

Desconheço a autoria da imagem

sexta-feira, 15 de abril de 2011

"Visitas"



A alma tua vem,
nas madrugadas
e pousa na minha
como uma brisa.

Suave...

São dias em que desperto,
iluminada,
com pés de bailarina
e olhos de luar...

Jade Dantas

Fotografia de LeoHorta

quinta-feira, 14 de abril de 2011

"Desfecho"



Não tenho mais palavras.
Gastei-as a negar-te...
(Só a negar-te eu pude combater
O terror de te ver
Em toda a parte).
Fosse qual fosse o chão da caminhada,
Era certa a meu lado
A divina presença impertinente
Do teu ventre calado
E paciente...
E lutei, como luta um solitário
Quando alguém lhe perturba a solidão
Fechado num ouriço de recusas,
Soltei a voz, arma que tu não usas,
Sempre silencioso na agressão.
Mas o tempo moeu na sua mó
O joio amargo do que te dizia...
Agora somos dois obstinados,
Mudos e malogrados,
Que apenas vão a par na teimosia.

Miguel Torga

Desconheço a autoria da imagem


quarta-feira, 13 de abril de 2011

"Alba"



Não faz mal que amanheça devagar,
as flores não têm pressa nem os frutos:
sabem que a vagareza dos minutos
adoça mais o outono por chegar.
Portanto não faz mal que devagar
o dia vença a noite em seus redutos
de leste - o que nos cabe é ter enxutos
os olhos e a intenção de madrugar.

Geir Campos

Fotografia de Antonio Costa

terça-feira, 12 de abril de 2011

"Psico-análise"



Corte-se em fatias finas.
Salgue e leve ao fogo brando.
Mexa, até ver o fundo... do Nada.

Tuca Kors

Fotografia de Grete Stern


segunda-feira, 11 de abril de 2011



E assim vou
com a fremente mão do mar em minhas coxas.
Minha paixão?
Uma armadilha de água,
rápida como peixes,
lenta como medusas,
muda como ostras.

Olga Savary

Desconheço a autoria da imagem


domingo, 10 de abril de 2011

"Eu Não Sinto a Solidão"



É a noite desamparo
das montanhas ao oceano.
Porém eu, a que te ama,
eu não sinto a solidão.
É todo o céu desamparo,
mergulha a lua nas ondas.
Porém eu, a que te embala,
eu não sinto a solidão.
É o mundo desamparo,
triste a carne em abandono
Porém eu, a que te embala,
eu não sinto a solidão.

Gabriela Mistral

Desconheço a autoria da imagem

sábado, 9 de abril de 2011

"Não Tenhas Medo do Amor"



Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão
devagar sobre o peito da terra e sente respirar
no seu seio os nomes das coisas que ali estão a
crescer: o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro
e as campainhas azuis; a menta perfumada para
as infusões do verão e a teia de raízes de um
pequeno loureiro que se organiza como uma rede
de veias na confusão de um corpo. A vida nunca
foi só Inverno, nunca foi só bruma e desamparo.

Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
da tempestade que faz ruir os muros: explode no
teu coração um amor-perfeito, será doce o seu
pólen na corola de um beijo, não tenhas medo,
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.

Maria do Rosário Pedreira

"Eros e Psique", mármore de Antonio Canova


sexta-feira, 8 de abril de 2011

"Mínimo"



Saudade da maré-cheia,
dos pequenos barcos tristes
com o exacto
tamanho dos meus anseios

Soledade Santos

Pintura "Veleiro ao Luar", de Déia Leal

quinta-feira, 7 de abril de 2011

"Quarto-Crescente"



Porque vejamos: uma lua destas
já nem lua é. A lua quer - se grande,
leitosa, apontável às crianças:
olha o homem da lua, os olhos, a

vassoura. Mas uma lua destas,
desfazendo - se em sombras, um ar
de quem passou o dia em claro
já nem lua é. Que não exija então

o impossível, que não se finja
a sério a pedir versos e algum olhar:
o poeta não usa telescópio,
nem se vai acordar uma criança
por gomos de luar

Ana Luísa Amaral

Fotografia de Rubens Terayama

quarta-feira, 6 de abril de 2011

"Cedimento"



A madrugada inunda a página -
cedo verdades sem palavras
ardem
ao sabor da hora
imensa
o tempo imperioso do momento
ressoa ao gesto incerto
é tua - guerreiro do azul perdido -
é tua a lembrança da noite?

Lilia Chaves

Fotografia de Passiflora Mare

terça-feira, 5 de abril de 2011



"No fundo, é isso, a solidão:
envolvermo-nos no casulo da nossa alma,
fazermo-nos crisálida e aguardarmos
a metamorfose;
porque ela acaba sempre por chegar."

August Strindberg

segunda-feira, 4 de abril de 2011

"Esqueces"



Baixas as pálpebras
para que teus olhos não me vejam.
esqueces que vivo dentro deles

(hesitei tantos séculos
até me aventurar por estes precipícios)

Sílvia Chueire


Desconheço a autoria da imagem

domingo, 3 de abril de 2011

"O Último Brinde"



Bebo à casa arruinada,
às dores da minha vida,
à solidão, lado a lado
e a ti também eu bebo –
aos lábios que me mentiram,
ao frio mortal nos olhos,
ao mundo rude e brutal
e a Deus que não nos salvou

Ana Akmatova


Imagem: Pintura de Toulouse Lautrec

sábado, 2 de abril de 2011

"Visita"



Que ela chegue
sem clarins ou trombetas,
entre como facho de luz
pelas gretas da janela
e atravesse o quarto
na sua claridade.

Que ela chegue
inesperada,
como a chuva
na tarde calorenta
e faça subir o odor
de poeira molhada.

Que ela chegue
e se deite ao meu lado,
sem que a perceba.
Que me lave
com água da fonte
e me cubra
com o bálsamo branco
do silêncio.

Donizete Galvão


Desconheço a autoria da imagem

sexta-feira, 1 de abril de 2011

"Memória Minha"



Durante um mês amamo-nos.
Foi-se embora depois creio que para Esmirna,
para lá trabalhar, e nunca mais nos vimos.
Ter-se-ão desfeado - se vive - os olhos cinzentos;
ter-se-á estragado o belo rosto.
Memória minha, guarda-os tu tais como eram.
E, memória, o que podes deste meu amor,
o que podes traz-me de volta esta noite.

K. Kavafis


Imagem retirada daqui

Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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