Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

quarta-feira, 27 de março de 2013

"Travessia"



Desconheço a autoria da imagem

Amo-te — ela murmurou-lhe ao ouvido.
Ele acreditou.
E foram representar a palavra 
para um banco de jardim,
o rio morrendo-lhes nos olhos, 
quase no mar.
Ela deu-lhe a boca. 
Ele acreditou na travessia, 
no castelo do outro lado. 
Inventou um barco. 
Um remo para ele, outro para ela. 
Mas não atravessaram o sonho. 
Vagaram em círculo, sempre o mesmo círculo.

Ela não remou.

Vitorino Ventura


terça-feira, 26 de março de 2013

"Cansaço"



Desconheço a autoria da imagem

Por trás do espelho quem está
De olhos fixados nos meus?
Alguém que passou por cá
E seguiu ao deus-dará
Deixando os olhos nos meus.
Quem dorme na minha cama,
E tenta sonhar meus sonhos?
Alguém morreu nesta cama,
E lá de longe me chama
Misturada nos meus sonhos.
Tudo o que faço ou não faço,
Outros fizeram assim
Daí este meu cansaço
De sentir que quanto faço
Não é feito só por mim.

Luís de Macedo



segunda-feira, 25 de março de 2013




Imagem daqui

Vamos fazer limpeza, mas geral
e vamos deitar fora as coisas todas
que não nos servem para nada, essas
coisas que não usamos já e essas
que nada fazem mais que apanhar pó,
as que evitamos encontrar porquanto
nos trazem as lembranças mais amargas,
as que nos fazem mal, enchem espaço
ou não quisemos nunca ter por perto.

Vamos fazer limpeza, mas geral,
talvez melhor ainda uma mudança
que nos permita abandonar as coisas
sem sequer lhes tocar, sem nos sujarmos,
que fiquem onde sempre têm estado;
vamos embora só nós, vida minha,
para voltar a acumular de novo. 

Ou vamos deitar fogo ao que nos cerca
e ficarmos em paz com essa imagem
do braseiro do mundo face aos olhos
e com o coração desabitado.

Amalia Bautista



domingo, 24 de março de 2013

"Arte Poética"



Desconheço a autoria da imagem

A palavra despe-se
O silencio despe-se

Nus
os sexos ardem

Os seios da palavra
Os músculos do silêncio

O silencio
E a palavra

O poeta
E o poema

Daniel Faria


sábado, 23 de março de 2013



Imagem daqui

Solto-me ao passar pelo mundo

Quando amanhece penso:
Encontro-te no vento
virás abraçar-me como os ramos da árvore
e chegaremos ao coração da cidade

Ao meio-dia sei:
A distância do meu corpo ao teu grito
corresponde à do teu sopro ao meu ouvido -
eis a anatomia do silêncio

De tarde fico exausta:
Circulo pelas ruas e roço-me nas praças

À noite adormecemos:
Será que te lembras? Será que me lembro?

Amanhã alegro-me de novo:
Imagino a floresta, parto o espelho
e recomeço a ir ao teu encontro

Teresa Balté



sexta-feira, 22 de março de 2013

"Sobre o Poema"




O problema não é meter o mundo no poema; 
alimentá-lo de luz, planetas, vegetação. 
Nem tão- pouco enriquecê-lo, 

ornamentá-lo com palavras delicadas, 
abertas ao amor e à morte, 
ao sol, ao vício, aos corpos nus dos amantes -

o problema é torná-lo habitável, indispensável 
a quem seja mais pobre, a quem esteja mais só 
do que as palavras acompanhadas no poema.

Casimiro de Brito



quinta-feira, 21 de março de 2013




Meus primeiros poemas escrevi-os 
no silêncio sobre uma folha 
de nada e cetim 
arrepiada no beijo das calemas.
Ninguém os leu, ninguém os viu 
adivinhei-os inteirinhos só para mim. 
E ao fim das tardes roxas de paixão
vinha de mansinho pendurá-los na cabeleira 
verde-mar das casuarinas 
xaxualhando pela noite uma canção 
voz de mágoa 
de nada e de cetim 
adivinhando as saudades bailarinas
da terra que não sai dentro de mim.

Namibiano Ferreira


quarta-feira, 20 de março de 2013

"O Homem E Sua Sombra"




- Que sombra estranha me deram!
(o homem conjeturava
pois sua sombra
não andava).

Estática
ficava ancorada
onde bem lhe apetecia.

O homem a chamava
ela não se mexia.

Desguarnecido de sua sombra
seu dono já não sabia
se a ia ou se ficava.

Não ia
a parte alguma.
Ao redor da própria sombra
circulava.

Affonso Romano de Sant´Anna




terça-feira, 19 de março de 2013

"Meta_des"



Desconheço a autoria da imagem

A vida me faz em metades:
metade gente
metade natureza
metade alegria
metade tristeza

Tem dias que carrego o mundo dentro de mim.
em outros, sou vazio sem fim.

Tem dias que uivo noite adentro.
em outros gorjeio feito ave. 
adejando-me por entre nuvens e ventos,
às vezes piso em marte.

Tem dias que chovo,
ora fina, ora torrencialmente.
em outros broto-me semente.

Já desabrochei flor,
já despontei sol,
já adormeci loba,
já amanheci rouxinol.

Muitas vezes tento juntar as partes. nunca consigo!
elas se rejeitam... sofrem de incompatibilidades.

Assim me levo... tempo que segue, pedaços-metades!

Ana Merij

segunda-feira, 18 de março de 2013

"Para Uso Diário"



Desconheço a autoria da imagem

Se a vida não fosse tão insubstituível
talvez ousássemos utilizá-la.
Porém arrumamo-la na prateleira
como um vistoso par de sapatos
que é bonito de se ver
mas não para uso diário.
Assim, continuamos por aí sentados
numa expectativa descalça.

Margareta Ekström
Trad. de Eva Claeson


domingo, 17 de março de 2013

"O Espelho"



Imagem daqui

Esse que em mim envelhece
assomou ao espelho
a tentar mostrar que sou eu.

Os outros de mim,
fingindo desconhecer a imagem,
deixaram-me a sós, perplexo,
com meu súbito reflexo.

A idade é isto: o peso da luz
com que nos vemos.

Mia Couto
em "Idades, cidades e divindades"


sábado, 16 de março de 2013

"Narciso e a Xícara de Chá"




Olhava para a xícara de chá em minhas mãos
sentia um delicado odor
assim
de folha

quando parei
e cheguei a me assustar
com a face que ali estava
a me olhar

na figura refletida
dos contornos de meu rosto
algo tomara o lugar

como se minha face
meio Narciso às avessas
só se visse
com teu rosto
em seu
lugar 

Eliana Mora

sexta-feira, 15 de março de 2013

"Assovio"



By Fran Pep

Ninguém abra a sua porta 
para ver que aconteceu: 
saímos de braço dado, 
a noite escura mais eu. 

Ela não sabe o meu rumo, 
eu não lhe pergunto o seu: 
não posso perder mais nada, 
se o que houve já se perdeu. 

Vou pelo braço da noite, 
levando tudo que é meu: 
— a dor que os homens me deram, 
e a canção que Deus me deu. 

Cecília Meireles


quinta-feira, 14 de março de 2013

"Para Ti"




By Zena Holloway


Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida

Mia Couto
em "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"


quarta-feira, 13 de março de 2013

"Revés"




Perdoem-me o desencanto
e o desacato de não vos dizer
o óbvio e implícito:
estou trocando de pele,
estou trocando de face,
estou tentando trocar de vida,
estou em mutação,
em processo contínuo de transformação
e grito sem gritar,
assopro minhas dores,
regurgito meus temores,
por mim,
por egoísmo.
E por isso o meu silêncio,
estava digerindo os meus anseios,
devorando os devaneios,
ansiando,
aspirando,
suspirando,
as minhas quimeras,
uma ex-lagarta,
um casulo vazio...
Mas ainda não tenho asas,
ainda não sei voar
e me devoro...

Karla Dias


terça-feira, 12 de março de 2013

"Pré-Escrita"



Esta saudade
de te chamar pelo nome
Este receio
de te chamar pelo nome

Esta saudade
de manter a palavra
Este receio
de apenas manter a palavra

Esta saudade de uma vida
que não dê em poema
Este receio de um poema
que antecipe a vida.

Ulla Hahn


segunda-feira, 11 de março de 2013

"Poema Perto do Fim"



"Frozen Heart", de Mike Kemp

A morte é indolor.
O que dói nela é o nada
Que a vida faz do amor.
Sopro a flauta encantada
E não dá nenhum som.
Levo uma pena leve
De não ter sido bom.
E no coração, neve.

Thiago de Mello


domingo, 10 de março de 2013

Não havia um nome para a tua ausência



Imagem daqui

[...]
E não havia um nome para a tua ausência!
Mas tu vieste!
Do coração da noite? 
Dos braços da manhã? 

Dos bosques do Outono?
Tu vieste. E acordas todas as horas, 
preenches todos os minutos, 
acendes todas as fogueiras, 
escreves todas as palavras.

Um canto de alegria desprende-se 
dos meus dedos quando toco o teu 
corpo e habito em ti e a noite não existe,
porque as nossas bocas acendem, 
na madrugada, uma aurora de beijos.
[...]

Joaquim Pessoa





sábado, 9 de março de 2013

"Crepúsculo"



Fotografia de Fernando Campanella

Há pelo espaço um ciciar dolente
De prece, em torno da Igrejinha em ruína...

O Ângelus soa. Vagarosamente
A noite desce, plácida e divina.
Ouço gemer meu coração doente 
Chorando a tarde, a noiva peregrina.

Há pelo espaço um ciciar dolente
De prece em torno da Igrejinha em ruína...
Pássaros voam compassadamente;
Treme no galho a rosa purpurina...

E eu sinto que a tristeza vem suspensa
Sobre as asas da noite erma e sombria...
E que nessa hora de saudade imensa,

Rindo e chorando desce ao coração:
Toda a doçura da melancolia,
Todo o conforto da recordação.

Auta de Souza


sexta-feira, 8 de março de 2013

"Espera"



Desconheço a autoria a imagem

Horas, horas sem fim,
pesadas, fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.

Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça.

Eugênio de Andrade


Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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