Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

sábado, 29 de fevereiro de 2020

Nenhum pescador jamais achará

 
Arte de Evelina de Oliveira

Nenhum pescador
jamais achará uma pérola num pequeno regato
que se esvazia num lago.

Eu conheço uma pequena e triste fada
que vive num oceano
e toca a flauta mágica do seu coração
suave, suavemente
pequena e triste fada
que morre com um beijo todas as noites
e com um beijo renasce a cada amanhecer.''
Forough Farrokhzad



Espanto




Arte de Igor Vorobey

Vive ignorante da própria beleza
como se no olhar
não transportasse o verde-azul do mar
e em seu redor a natureza
não corasse de espanto ao ver passar
quem assim tem cabelos de luar.

E porque a sua fala é um violino
ecoando na lonjura
entreguei-lhe o meu destino
e morro aos poucos de ternura.'
 
Torquato da Luz






Bonecas de corda



Imagem Pinterest

Podemos ser como bonecas de corda
e olhar para o mundo com olhos de vidro
e jazer durante anos entre rendas e lantejoulas
o corpo recheado de palha
dentro de uma caixa de feltro,
e a cada toque de luxúria
gritar sem nenhuma razão
Ah, que feliz sou !'
 
Forugh Farrokhzad




 

Contributo para as estatísticas


Fotografia de Maria Svarbova

Em cem pessoas,

sabedoras de tudo melhor –
cinquenta e duas;

inseguras de cada passo –
quase todo o resto;

prontas para ajudar,
desde que não demore muito –
quarenta e nove;

sempre boas,
porque não conseguem de outra forma –
dezoito;

constantemente receosas
de algo ou alguém –
setenta e sete;

aptas para a felicidade –
vinte e tal, quando muito;

individualmente inofensivas,
em grupo ameaçadoras –
mais de metade, com certeza;

cruéis
por força das circunstâncias –
é melhor não sabê-lo,
nem aproximadamente;

com trancas na porta depois de casa roubada –
quase tantas como
aquelas que as têm, antes de casa roubada;

não levando nada da vida a não ser coisas –
quarenta,
embora preferisse estar enganada;

agachadas, doloridas
e sem lanterna no escuro –
oitenta e três,
mais tarde ou mais cedo;

dignas de compaixão –
noventa e nove;

mortais –
cem em cem.
Número, até agora, não sujeito a alterações.
 
Wislawa Szymborska
in ‘Instante’, Relógio D’Água








Ainda te levarei



Arte de Vadim Stein

Ainda te levarei
Amor
Para comer nozes frescas
Na montanha
E pendurar cerejas nas orelhas
Como se fossem flores
Ou rubis.

As nozes
Meu amor
Mancham os dedos
E são verdes e exatas
Como ovos
Mas as cerejas
Ah! As cerejas
São quando a cerejeira sua
Seu manso sangue.

ainda te levarei àquela casa
onde floriam lilases
e serpentes tão claras quanto a água
deslizavam ao pé das macieiras.
te mostrarei três lagos
no horizonte
três queijos maturando
numa adega
três lesmas
escondidas sob um vaso.
estará tudo lá
à nossa espera
morangueiras quebradas
lagartixas.

Só não estará meu medo
de menina
aquele mais escuro que os ciprestes
ecos no mato passos sobre a ponte
garras na saia vento nos cabelos
e o latejar das veias repetindo
estou sozinha
e ninguém me salva

Marina Colasanti



 

Um pouco mais de nós



Arte:  Sweet Shop - Nigel Mason

Podes dar uma centelha de lua,
um colar de pétalas breves
ou um farrapo de nuvem;
podes dar mais uma asa
a quem tem sede de voar
ou apenas o tesouro sem preço
do teu tempo em qualquer lugar;
podes dar o que és e o que sentes
sem que te perguntem
nome, sexo ou endereço;
podes dar em suma, com emoção,
tudo aquilo que, em silêncio,
te segreda o coração;
podes dar a rima sem rima
de uma música só tua
a quem sofre a miséria dos dias
na noite sem teto de uma rua;
podes juntar o diamante da dádiva
ao húmus de uma crença forte e antiga,
sob a forma de poema ou de cantiga;
podes ser o livro, o sonho, o ponteiro
do relógio da vida sem atraso,
e sendo tudo isso serás ainda mais,
anônimo, pleno e livre,
nau sempre aparelhada para deixar o cais,
porque o que conta, vendo bem,
é dar sempre um pouco mais,
sem fatura, sem fama, sem horário,
que a máxima recompensa de quem dá
é o júbilo de um gesto voluntário.

E, afinal, tudo isso quanto vale ?
Vale o nada que é tudo
sempre que damos de nós
o que, sendo ato amor, ganha voz
e se torna eterno por ser único e total.

José Jorge Letria




Poema do eterno retorno


Desconheço a autoria da imagem 

Há o teu rosto dentro do teu rosto: único e múltiplo.
As tuas mãos de outrora nas tuas mãos de agora
há o primeiro amor que é sempre o último
antes do tempo ou só depois da hora.

E vinhas de tão longe. E era tão fundo.
E era por mim. E era por ti. E era por dois.
E havia na tua voz o principio do mundo.
E era antes da Terra. E era depois

Manuel Alegre
in "Todos os poemas são de amor"



 

Composição de lugar



Arte de Emmanuelle Brisson

Não caibo nesta tarde que me desfolhas
sobre o coração. Renovam-se-me sob os passos
todos os caminhos e o dia é uma página que lida
e soletrada descubro inatingível como o vento a rua e a vida
As mesmas mãos que antes desfraldavam
domésticas insígnias abaixo dos beirais e
emprestam novos pássaros às árvores.
Pétala a pétala chego à corola desta minha hora
Roubo o meu ser a qualquer outro tempo
não há em mim memória de alguma morte
em nenhum outro lugar me edifiquei
Arredondas à minha volta os lábios para me dizer
recuo de repente àquele principio que em tua boca tive
Eu sei que só tu sabes o meu nome
tentar sabê-lo foi afinal o único
esforço importante da minha vida.
Sinto-me olhado e não tenho mais ser
que ser visto por ti. Há no meu ombro lugar
para o teu cansaço e a minha altura é para ser medida
palmo a palmo pela tua mão ferida.


Ruy Belo



 

Lembrança

 
Arte: Rimel Neffati 

Ponho um ramo de flores
na lembrança perfeita dos teus braços;
cheiro depois as flores
e converso contigo
sobre a nuvem que pesa no teu rosto;
dizes suavemente
que é um desgosto.

Depois,
não sei porquê nem porque não,
essa recordação
desfaz-se em fumo;
muito ao de leve foge a tua mão,
e a melodia já mudou de rumo.

Coisa esquisita é esta da lembrança!
Na maior noite,
na maior solidão,
sem a tua presença verdadeira,
eu vejo o teu rosto o teu desgosto,
e um ramo de flores, que não existe, cheira!''

Miguel Torga
in "Diário I"





Completas



Arte: Emilie Spring

A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.

E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.

Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demônios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.


Manuel António Pina




                  

O poema é uma escada


 Arte de Sarah Wood
 
O poema é uma escada
que os olhos descem
enquanto a alma sobe
e,
contudo,
às vezes,
caio no fundo de mim.

Miguel Martins
 



Os contornos exatos das coisas


Arte: "Dark Mountain, Full Moon", by spacerocket

Resumindo a coisa
ao tomar uma folha por uma folha
ao tomar uma rã por uma rã
ao confundir um bosque com um bosque
estamos a comportar-nos frivolamente
esta é a quinta-essência da minha doutrina
felizmente já começam a vislumbrar-se
os contornos exatos das coisas
e já as nuvens se vê que não são nuvens
e os rios se vê que não são rios
e as rochas entra pelos olhos que não rochas
são altares!
são cúpulas!
são colunas!
e nós devemos dizer missa!

Nicanor Parra



 

Extravio



 Fotografia de Kersti K.
 
Devia a vida ser só isso,
O vinho, o pão, o som da chama.
Sapos no tanque. O olhar mortiço
Do mocho. O luar crivando a cama.

Mãos de mulher cerrando a fresta
Onde entra, como a morte, a bruma.
Mas nos perdemos na floresta
Onde não há árvore nenhuma.
 
Alexei Bueno 



 


A ponte

 
Arte de Antonio Mora

Se me dizem que estás do outro lado
de uma ponte, por estranho que pareça que estejas do outro lado
e me esperes,
eu cruzarei essa ponte.
Diz-me qual é a ponte que separa
tua vida da minha,
em que hora negra, em que cidade chuvosa, em que mundo sem luz está essa ponte,
e eu a cruzarei.

 Amália Bautista



 


Oriente


 
Arte de Haruyo Morita

Manda-me verbena ou benjoim no próximo crescente
e um retalho roxo de seda alucinante
e mãos de prata ainda (se puderes)
e se puderes mais, manda violetas
(margaridas talvez, caso quiseres)

manda-me osíris no próximo crescente
e um olho escancarado de loucura
(em pentagrama, asas transparentes)

manda-me tudo pelo vento:
envolto em nuvens, selado com estrelas
tingido de arco-íris, molhado de infinito
(lacrado de oriente, se encontrares)
 
Caio Fernando Abreu





LXIII (Tens a medida do imenso?)

 
Arte por Trisha Lambi
 
Tens a medida do imenso?
Contas o infinito?
E quantas gotas de sangue
Pretendes
Desta amorosa ferida
De tão dilatada fome.

Tens a medida do sonho?
Tens o número do Tempo?
Como hei de saber do extenso
De um ódio-amor que percorre
Furioso
Passadas dentro do vento?

Sabes ainda meu nome?
Fome. De mim na tua vida.

Hilda Hilst
in Cantares de perda e predileção



 

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Foram breves e medonhas as noites de amor



Arte de Felicia Olin

foram breves e medonhas as noites de amor
e regressar do âmago delas esfiapava-lhe o corpo
habitado ainda por flutuantes mãos
estava nu
sem água e sem luz que lhe mostrasse como era
ou como poderia construir a perfeição
os dias foram-se sumindo cor de chumbo
na procura incessante doutra amizade
que lhe prolongasse a vida
e uma vez acordou
caminhou lentamente por cima da idade
tão longe quanto pôde
onde era possível inventar outra infância
que não lhe ferisse o coração

Al Berto




Fissura



Fotografia (todos os direitos reservados ©) Raquel Gaio, Bruna Blum e Annie Spratt

uma idade que não acompanha
o envelhecimento dos ossos
que está sempre atrasada
devendo a algum deus
algo que nunca prometeu

fotografo eu menina
através do filme
que não perdoa os olhos
e exibo nesse corpo já gasto
tudo o que não fui

deve haver alguma dignidade nisso

nas fotos,
aparece a rachadura
que nasceu na tomada do quarto
ela está subindo em direção ao interruptor
e eu a admiro

sou feita dela
somos cúmplices na fissura
e não há nada que impeça

nosso lento avanço.

Raquel Gaio




A essência das coisas


Fotografia de Maurice Tabard

a essência das coisas, de tudo,
sentida, sem que uma única frase
fosse pronunciada. a infinita tristeza,
compartilhada, sem que qualquer som
fosse emitido. no espaço aberto, no
infinito do tempo, poeira, apenas. e
a intensidade dos seus olhos, do seu
olhar.

André Caramuru Aubert




Pode ser



Arte de Arvind Kolapkar

vem aqui e me abrace forte
pode até usar aquele perfume que te dei um dia
e me morder os lábios com força

pode contar as histórias que sei de cor
e cantar a música que um dia foi nossa
meus olhos vão brilhar como se fosse a primeira vez

diz que a lua nasceu hoje só pra nós
e que vai me cobrir quando esfriar de madrugada

se eu te der o meu amor intenso e quente como agora
talvez você fique aflito e saia
ou pode ser que goste
e ainda fique por algum tempo

não terei coragem de te dizer essas palavras
mas em algum lugar vão estar escondidas
sob o tapete nos lençóis
ou na poeira que sobe e sai pela janela

Adriana Godoy




sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

A balada da água do mar



Art: dailymail.co.uk

O mar
sorri ao longe.
Dentes de espuma,
lábios de céu.

- Que vendes, ó jovem turva,
com os seios ao ar?

- Vendo, senhor, a água
dos mares.

- Que levas, ó negro jovem,
mesclado com teu sangue?

- Levo, senhor, a água
dos mares.

- Essas lágrimas salobras
de onde vêm, mãe?

- Choro, senhor, a água
dos mares.

- Coração, e esta amargura
séria, onde nasce?

- Amarga muito a água
dos mares!

O mar
sorri ao longe.
Dentes de espuma,
lábios de céu.

Federico Garcia Lorca





Esta tarde



Ilustração de Helen Rogers

esta tarde

era necessário uma catástrofe imensa para que teu nome sobressaísse ou para que me caia o coração aos pedacinhos no telhado como cai a chuva num alarde de mansidão

era tarde e este poema ainda pode dar certo
não por ser o arremedo de uma voz confusa
quiçá rouca que brota aérea de uma roda gigante descomunal entre as folhas das mais altas árvores esta tarde

então dançamos sem olhar-nos bem ou justamente por olharmo-nos muito bem foi que demos as mãos e pudemos então fechar os olhos e simplesmente dançar

e assim respirar o ar mais puro e sentir o vento nos cabelos e o mundo a rodopiar-nos
numa estrada semicerrada entre o corpo e o espírito
há tua presença insone esta tarde

teu ser que balança e gira por entre o jardim
por entre as casas
por entre todas as coisas humanas
e não humanas

há tua solidão quase que do outro lado do país
permita deus que eu um dia nasça em Pernambuco
assim perto de você e do mar

um imenso coração cambaleia na avenida
esta tarde perto de uma praia
verde sobre o colorido alegre
de uma beleza pressentida em mim

Sérgio Villa Matta




   

Túrgida-mínima



"Flor Subeterranea" - por Pham Thu Trang 

Imaginei que te encantaria a luminescência dos meus cabelos
Pintei-os para entregar-te os caracóis na caixinha da dançarina
A cada volta da corda, ela gira, e teu rosto é meu pensamento

Assim me possuirás bem juntinho entre as rosas e os alecrins
do nosso jardim sagrado

Amor que resiste a silêncio fome
gesto
é fonte de júbilo força da pele
Virgem é artéria temporal o meu Amor

Não importa se moras em meu delírio
meu coração te reconhece em todos os espasmos
do Ar e da Água.

Lucia De Moura Chamma




Anotação


Desconheço a autoria da imagem

ajustarei tuas asas às minhas costas
para atravessar Pierrô Arlequim & Colombinas
e a ausência de um Mar
nas planícies de ti

ajustarei tuas asas aos meus sonhos
colando serpentinas em nosso coração quebrado, mas
docemente aceso

Lucia De Moura Chamma




A luva


Fotografia de Renato Reis (Nato Reis)

a luva | a mão na louça
areando o dia indigesto
_
e respingar de soluços
enquanto louca afio a faca
_
favos de jaca sobre a mesa exposta, visgo verde.
_

Nato Reis 





Insônia


Fotografia de Noriaki Yokosuka 

Falta me fazem carneiros.
Falta me fazem cabras
Falta me fazem cabritas.
Falta me fazem jardins.
Falta me fazem carteiros.
Falta me fazem cartas.
Falta me fazem itas
Falta me fazem jeans
Falta me fazem erros
Falta me fazem armas
Falta me fazem negras pedras
Falta me fazem fins.
Conto, aumento ponto.
Reconto e ainda falta algum.
Tem muita estrada.
Que nada - não é bem assim!
Tua sombra, de meu medo, zomba
Quando sou mais frágil.
Petrificada -mente menos- Ágil
cresce, ela, diante de mim.
Não. Não é o fim.
Falta me fizeste tu
Quando julguei amanhecer o dia, enfim.

Eupaitio Caska 




quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Algumas senhoras



Fotografia do filme Dracula, com o ator Gary Oldman

Todas a noites, algumas senhoras
disputam o assento da cadeira do meu quarto.
Algumas chegam assim que o sol se põe
vestidas ainda de algum resto luz.
Outras, velhas notívagas
chegam sempre mais tarde
travestidas de escuridão.
Melancolia é sempre a primeira
roupas longas e largas / e um véu opaco
a esconder-lhe a face misteriosa.
Gosta do pé da cama onde se instala
feito um gato / e finge que dorme.

Tão velha quanto a vida, a dor é visita constante
corcunda / coberta de trapos
parece carregar o mundo nas costas.
Traz nas imensas mãos martelo e ponteira
de latejar têmporas.

Há também uma louca descabelada
olhos arregalados que se contorcem
entre espantos antigos e vagares sem rumo
que compulsivamente faz versos
escreve / rasga / escreve / rasga / escreve
depois, atira tudo pela janela
[há sempre vento]
sob o olhar abismado de outras tantas senhoras
que invadiram o quarto e agora tentam
me sufocar.

É nessa hora então, que me atiro pela janela
[não há mesmo lugar onde se possa ir / ou ficar]

E assim amanhece / eu aos pedaços / descalça
vagando só, pelas ruas de pedra
e elas na minha cama
tecendo tramas pelas minhas costas.
Moiras – entre outras e outros
pois os velhos senhores também sempre chegam
embora mais tarde. E ainda mais graves.
como os pesadelos.

Nydia Bonetti









Sucessão



Imagem da Web

Depois que eu voltar
de dentro das molduras
apago os meus retratos
invento outras figuras

convoco os meus fantasmas
convido mil demônios
e dou posse a todos eles
no governo dos neurônios.

Pio Vargas




Recado






Desconheço a autoria da imagem
 
Preciso que você veja
Entre as coisas esquecidas
A louça suja na pia
O mofo pousando cruel na doçura das frutas
Observe, por favor, se não deixei
Naquele canto do quarto
Por onde os insetos entram
Na ferrugem do ferrolho da janela da cozinha
Essa que sempre te acorda
Quando eu insisto em abrir
Assim que o sol se ajeita melhor no céu
Procure, na caixa de areia dos gatos
Entre os pelos dos bichanos onde correm as pulgas que não matei
No desgaste da bicicleta largada no jardim
Talvez no banco de trás do carro que estraga estraga e você conserta
Olhe também embaixo das espreguiçadeiras
Na agua amarga do jarro de flores que você esquece de trocar
Na ansiedade que antecede a raiva, quando a moça do telemarketing
Não atende, não atende, não atende
Sua solicitação
Entre os livros da estante, tantos não lidos _ em eterno estado de espera e culpa burguesa
Nas mil declarações de amor que lhe chegam in box
Vigie se por ali, no cheiro do café
No pão cortado, os farelos sobre a mesa
No silêncio entre as notas de sua música preferida
Dá uma olhada se não larguei por esses cantos
Os sete pedaços do meu coração

Assionara Souza




4



 Fotografia minha, por do sol em Praia do Dentinho, Araruama - RJ

Tem uma estética linda no relógio. ... e a luz dessa hora, ah...
O entardecer me soa como algo parecido assim:
... se é para anoitecer, já te busco agora...

Marco Antônio Prado



 

Aceita-me do jeito que sou


"Império da Luz", obra de Rene Magritte

Nessa casa mora a rima
Ela se veste todinha de ti
Ensolara as janelas cerradas
Lavadas em bacias de mim.

A única Luz é o encanto que despertas
E o olho de Magritte esconde o muro!

Lucia De Moura Chamma





A casa





Fotografia de bL

 I

Tentava escrever

com a minha mão direita,
com a minha mão esquerda, alma corpo inteiro

[a casa, os movimentos da casa, a casa]

o osso aparente
a vértebra em silêncio,

a côdea dura do lume apagado. Tentava escrever o resíduo
a dobra da cal

descosida da sombra, a sépia

como se em silêncio o vestígio da casa
pudesse acontecer enquanto

escrevia. E escrevia

escrevia a janela, a luz, a pedra, a brisa
o sopro da cinza vaga do livro

[era azul poema, o livro]

a mesa aberta às sobras do norte, a poalha
transparente

o sopro agitado
[nesse lume obediente]

que sabe como arder na manhã áspera

devagar. Escrevia


II

e enquanto tentava escrever
acontecia

a casa.

breve Leonardo




A fera em si



Imagem "Iago e Othelo" by Drawerfun, em DeviantArt

iago está sempre em guerra:
contra sua sombra no lago
contra o voo do pássaro
contra o sol na janela

iago está sempre em guerra:
entre a pedra e o passo
entre a flor e o carrasco
entre o arco e a lira

iago nem imagina
que a inveja a fúria
o ciúme o ódio a ira
a mentira e a perfídia

escondem outra guerra:
a que se trava no espelho
entre o fundo da treva
e a fera de si mesmo

Carlos Moreira





Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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