Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

"A Hóspede"


Fotografia de Fernando Campanella


Não precisa bater quando chegares.
Toma a chave de ferro que encontrares
sobre o pilar, ao lado da cancela,
e abre com ela
a porta baixa, antiga e silenciosa.

Entra. Aí tens a poltrona, o livro, a rosa,
o cântaro de barro e o pão de trigo.

O cão amigo pousará nos teus joelhos a cabeça.
Deixa que a noite, vagarosa, desça.
Cheiram a relva e sol, na arca e nos quartos,
os linhos fartos,
e cheira a lar o azeite da candeia.

Dorme. Sonha. Desperta. Da colméia
nasce a manhã de mel contra a janela.
Fecha a cancela
e vai. Há sol nos frutos dos pomares.

Não olhes para trás quando tomares
o caminho sonâmbulo que desce.
Caminha - e esquece.

Guilherme de Almeida


quinta-feira, 29 de novembro de 2012



Desconheço a autoria da imagem

Repara nesses traços,
a giz, no chão
e como cada traço é
um dia, um gesto,
o que perdura de um sorriso

Repara como depois a água
devolve brilho polido
à rugosa superfície das coisas

Repara, por fim, como pareces
ficar parado, suspenso, no
precipício de um cruzamento
ou como, por erro de paralaxe,
sou eu que fico eternamente preso
à esquina, enquanto tu, leve como
um sorriso, a barba em novelo,
te afastas rua fora, ao
encontro do teu destino

Innersmile, daqui


quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Se cada dia cai, dentro de cada noite



Fotografia de Rafa Francioli


Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

Há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.

Pablo Neruda


terça-feira, 27 de novembro de 2012


Desconheço a autoria da imagem

A poesia nem sempre
adota a forma
de um poema

Depois de cinquenta anos
a escrever
a poesia
pode apresentar-se
ao poeta
na forma de uma árvore
de um pássaro
que voa
de luz

Adota a forma
de uma boca
refugia-se no silêncio

ou vive no poeta
livre de forma e de conteúdo

Tadeusz Rózewicz


segunda-feira, 19 de novembro de 2012

"Anunciação"


Desconheço a autoria da imagem


Amigo: a tua próxima presença
Anuncia-me o mistério ainda não revelado.

Virás como o sonho, na noite, caído sobre as pálpebras
E como a alvorada debruçada sobre o mundo.
Virás com o teu verbo quente e a tua mão leal
Para o aperto solidário que nenhum poder separará.
Virás juntar a tua vida à minha vida,
Comer o mesmo pão, sugar o mesmo sol.

E virás, com o silêncio das horas em que as nossas bocas
não saberão falar,
Para selarmos num poema eterno o milagre das nossas almas
reveladas,
A fecundar a poesia viva as nossas vidas que não queremos estéreis
e ignoradas.

Vasco Miranda


domingo, 18 de novembro de 2012

"Prece"



Fotografia de John Smith

Dá-me a lucidez das
correntezas para que eu descubra
entre as tristezas que se
avoluman algum
sorriso mesmo
que não seja para mim

Dá-me a serenidade de uma
estrela para que eu imagine
entre as lágrimas que não
me deixam qualquer
paz ainda
que breve

Dá-me a claridade das
luas cheias para que eu invente
entre as angústias que se esparramam um
horizonte mesmo
que se transmude em ilusão

Dá-me a esperança das
árvores para que eu teça
entre as ausências que se
imensificam uma sanidade ainda
que estofada de
delírios

Adair Carvalhais Júnior


quarta-feira, 14 de novembro de 2012

"Regresso ao Lar"



Fotografia de Fernando Campanella

Ai, há quantos anos que eu parti chorando
deste meu saudoso, carinhoso lar!
Foi há vinte?... Há trinta? Nem eu sei já quando!
Minha velha ama, que me estás fitando,
canta-me cantigas para me eu lembrar!

Dei a volta ao mundo, dei a volta à vida.
Só achei enganos, decepções, pesar.
Oh, a ingênua alma tão desiludida!.
Minha velha ama, com a voz dorida.
canta-me cantigas de me adormentar!

Trago de amargura o coração desfeito
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu ninho estreito!
Minha velha ama, que me deste o peito,
canta-me cantigas para me embalar!

Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
pedrarias de astros, gemas de luar.
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!
Minha velha ama, sou um pobrezinho
Canta-me cantigas de fazer chorar!

Como antigamente, no regaço amado
(Venho morto, morto!...), deixa-me deitar!
Ai o teu menino como está mudado! 
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!

Canta-me cantigas manso, muito manso
Tristes, muito tristes, como à noite o mar.
Canta-me cantigas para ver se alcanço 
que a minha alma durma, tenha paz, descanso,
quando a morte, em breve, ma vier buscar!

Guerra Junqueiro 
em Os Simples


terça-feira, 13 de novembro de 2012

"À Noite"



Desconheço a autoria da imagem

A música no jardim
tinha dor inexplicável.
Um cheiro de maresia
vinha das ostras no gelo.

Ele disse: "Sou fiel!"
e tocou-me no vestido.
Tão diverso de um abraço
era o toque dessas mãos.

Como quem acaricia
um gato ou um passarinho,
sorria, com os olhos calmos,
sob o ouro das pestanas.

A voz triste dos violinos
cantava, em meio à névoa:
"Dá graças a Deus que enfim
estás a sós com o amado".

Ana Akhmatova


segunda-feira, 12 de novembro de 2012




Gosto do mar desesperado
A bramir e a lutar
E gosto de um barco ainda mais ousado
Sobre esta rebeldia a navegar

Miguel Torga
in Diário


quarta-feira, 7 de novembro de 2012


By Kiyo Murakami

Ficou para trás, quente, a vida,
a marca colorida dos meus olhos, o tempo
em que ardiam no fundo de cada vento
mãos vivas, cercando-me...

Ficou a carícia que não encontro...
senão entre dois sonos, a infinita
minha sabedoria em pedaços. E tu, palavra
que transfiguravas o sangue em lágrimas.

Nem sequer um rosto trago
comigo, já ultrapassado em outro rosto
como esperança no vinho e consumado
em acesos silêncios... 

Volto sozinha
entre dois sonos lá 'trás, vejo a oliveira
rósea nas talhas cheias de água e lua
do longo inverno. Torno a ti que gelas

na minha leve túnica de fogo.

Cristina Campo


terça-feira, 6 de novembro de 2012

"O Que É Que Eu Digo À Saudade?"



Desconheço a autoria da imagem

(...) O que é que eu digo à saudade
sem teus olhos para me olhar
o que é que eu digo à saudade
sem teus lábios para beijar

O que é que eu digo à saudade
sem teu corpo para amar
o que é que eu digo à saudade
se não me vens abraçar

O que é que eu digo à saudade
sem teu cheiro respirar
o que é que eu digo à saudade
com tanto amor para dar (...)

Mário Rainho e José Luis Gordo
(do Fado "O que é que eu digo à saudade")


segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Deixa que a minha solidão


Fotografia de Hans Neleman

Deixa que a minha solidão
prolongue mais a tua
- para aqui os dois de mãos dadas
nas noites estreladas,
a ver os fantasmas a dançar na lua.
Dá-me a tua mão, companheira,
até o abismo da ternura derradeira

José Gomes Ferreira





domingo, 4 de novembro de 2012



Fotografia in Sepia "Many Dinners", de Gerrit Greve

O anoitecer situa as coisas na minha alma
Como as cadeiras arrumadas
Quando os amigos partiram...

Vitorino Nemésio


sábado, 3 de novembro de 2012



Fotografia de Adam Hester

É um minúsculo coração
Com a ponta para o ar;
Altivo símbolo de amar,
É um mais terno coração.

Que pranto verte, de amor,
Mais que lava, corrosivo,
Mais q' um adeus, desmedido,
Branco como branca flor!

Paul Verlaine 
(Tradução de Luiza Neto Jorge)


sexta-feira, 2 de novembro de 2012

"Soneto da Saudade"



Desconheço a autoria da imagem

O céu desperta triste, em tom cinzento,
qual lhe fora penoso um novo dia;
aos poucos, verte, em gotas, seu lamento...
um pranto ensimesmado, de agonia.

Um rouco trovejar, pesado, lento,
parece suplicar por alforria,
numrogo já exangue, sem alento...
a chuva... o cinza... a dor... a nostalgia...

O céu despertou triste... o céu sou eu,
perdida num sonhar que feneceu,
sou prisioneira à espera de mercê.

Sonhando conquistar a liberdade
desta prisão, que existe na saudade...
saudade, tanta, tanta... de você!

Patrícia Neme


quinta-feira, 1 de novembro de 2012



Fotografia de Monalyn Garcia

É preciso avisar toda a gente
Dar notícia, informar, prevenir
Que por cada flor estrangulada
Há milhões de sementes a florir.

É preciso avisar toda a gente
segredar a palavra e a senha
Engrossando a verdade corrente
duma força que nada a detenha.

É preciso avisar toda a gente
Que há fogo no meio da floresta
E que os mortos apontam em frente
O caminho da esperança que resta.

É preciso avisar toda a gente
Transmintindo este morse de dores
É preciso, imperioso e urgente
Mais flores, mais flores, mais flores.

João Apolinário


Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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