Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

quarta-feira, 30 de junho de 2010

"Do Lado Mais Calado do Tempo"

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photograph
Fotografia Walker Evans, 1936
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Do lado mais calado do tempo
podemos falar das mãos das mães,
tão frágeis, quando trazem nas costas
a febre dos filhos.
Podemos sentir o rosto perturbado
das crianças que nos mostram a boca
mordida pela fome.
Podemos querer de volta o fascínio
dos papagaios de papel e do tempo
em que não faltava ninguém
nas fotografias da família.

Graça Pires
in "O silêncio: lugar habitado"

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terça-feira, 29 de junho de 2010

"Boneca"

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Imagem Google
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Dentro da velha casa de bonecas
minha predileta está meio desconjuntada
braços de pano pendentes
cara de nada absoluto

Bobagem ou contradição em termos
não pode ser o nada absoluto se ainda é uma boneca
mesmo quase desfeita
mas penso :
parte dela virou pó
não é mais a boneca que foi
porque começa a navegar no nada

Triste e um pouco assustada
olho o espelhinho da casa e percebo que
o nada absoluto está em meu rosto também

Adelaide Amorim

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segunda-feira, 28 de junho de 2010

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Imagem Google
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Daria a minha vida por um verso
que fosse da vida o ápice perfeito
- um verso que não coubesse no universo
fosse embora à medida do meu peito
um só verso luzindo no disperso
desconcerto do mundo insatisfeito
que fosse da maldade o puro inverso
e fosse do amor o belo efeito
dez sílabas medidas e não mais
para atestar o desejado enlace
do verbo com o ser, núpcias reais
um verso que esculpisse a exacta face
da esfinge esquiva aos édipos mortais
um só verso que fosse, mas ficasse.

Cláudio Lima

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domingo, 27 de junho de 2010

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Imagem Google
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Às vezes eu acordo
no meio da noite
com um poema no pensamento
Então é preciso levantar
e ajeitar as palavras
antes que o dia amanheça
Porque poema
quando quer nascer de noite
não pode esperar
pelo despertar do dia.

Lou Witt

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sábado, 26 de junho de 2010

"Entardecer"

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Fotografia de Altruísta
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Hoje entardeci mais despida do que antigamente.
Não sei se pelos bosques tão devastados
se pelas bagas que colheste do meu dorso.

À tua sombra todos os amores são silvestres,
só as amoras são frutos impossíveis.

Catarina Nunes de Almeida

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sexta-feira, 25 de junho de 2010

"Água Morrente"

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Imagem Google
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Meus olhos apagados,
Vede a água cair.
Das beiras dos telhados
Cair, sempre cair.

Das beiras dos telhados,
Cair, quase morrer...
Meus olhos apagados,
E cansados de ver.

Meus olhos, afogai-vos
Na vã tristeza ambiente.
Caí e derramai-vos
Como a água morrente.

Camilo Pessanha

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quinta-feira, 24 de junho de 2010

"Serenidade"

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Safe Harbor
"Safe Harbor", by Charles Peterson
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As tormentas, que em alto-mar
Deixam meu barco à deriva,
Me fazem aumentar, a duras penas,
O alcance de minha vista
E a nitidez de meus horizontes;
A paciência de meus tímpanos
E a escassez de minhas palavras;
A delicadeza de minhas mãos
E a vastidão de meus gestos;
O cuidado com meus passos
E a anchura de meus caminhos;
As loucuras de meu coração
E a serenidade de meu juízo.

Oswaldo Antônio Begiato

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quarta-feira, 23 de junho de 2010

"Paraíso Imperfeito"

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"Um simples olhar sobre o céu", foto de Ana Isabel Martins
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Disse mecanicamente o homem sem tirar a vista das chamas
Que ardiam na lareira naquela noite de inverno:

- No paraíso há amigos, música, alguns livros...
O único mal de ir para o céu
É que dali o céu não se vê.

Augusto Monterroso

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terça-feira, 22 de junho de 2010

"Arco Iris de Enganos"

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Baloons n Lights, by Anil Nene
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Gostava de tinto e bebia verde
Gostava de Cesário Verde e lia Guimarães Rosa
Apaixonou-se por Rosa e casou-se com Violeta
O daltonismo tem destas coisas
Até jura que tem sangue azul

Fernando Gomes

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segunda-feira, 21 de junho de 2010

"Flores"

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Fotografia de Fodge
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As flores do inverno vão se abrindo
em arbustos sem folhas
candelabros de ramos
que se aquecem
na débil luz que emana das corolas.
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Falam em surdina, veladas de aroma,
as pétalas, bailarinas do pudor,
confidenciando nos vórtices secretos
dentro da pálpebra do dia sem calor.

Dora Ferreira da Silva

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domingo, 20 de junho de 2010

"Presságio de Tempestade"

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Fotografia de Amelia Kay
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Lá fora o
vento
usa as folhas
pra falar

Isaías Faria

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sábado, 19 de junho de 2010

"Certo"

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Milky Way / Via Láctea por Chaval Brasil.
"Milky Way", de Chaval Brasil
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Perdeste o senso! E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto ...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.

Olavo Bilac

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sexta-feira, 18 de junho de 2010

"Recém-Nascido"

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praying_figure_500.jpg (32717 bytes)
"Figure Praying" - 2005 - Steven Kenny
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Penugem de ave pequena.
No corpo fruta macia.
Na pele fresca açucena
Na vida raiar do dia.

Raio de luz, ilumina.
E sendo pássaro e planta
É inocência que germina,
É madrugada que canta.

Stella Leonardos
in Pedaço de Madrugada

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quinta-feira, 17 de junho de 2010

"Cérebro e Coração"

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Franz Xaver Winterhalter, 1864 - Portrait of Madame Barbe de Rimsky-Korsakov
Musée d'Orsay, Paris
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Dizia o coração: "Eternamente,
eternamente há de reinar agora
esta dos sonhos teus nova senhora,
senhora de tu'alma impenitente."

E o cérebro, zombando: "Brevemente,
como as outras se foram, mar em fora,
ela se há de sumir, e há de ir embora,
esquecida também, também ausente."

De novo o coração: "Desce! Vem vê-la!
Dize, já viste tão divina estrela
no firmamento de tu'alma escura?"

E o cérebro por fim: - "Todas o eram...
Todas... e um dia sem amor morreram,
como morre, afinal, toda ventura!"

Medeiros e Albuquerque

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quarta-feira, 16 de junho de 2010

"Um Dia"

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Ashes and Snow - Gregory Colbert
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Um dia, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.

O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nosso membros lassos
A leve rapidez dos animais.

Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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terça-feira, 15 de junho de 2010

"Anestesia"

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Por trás de mim
vejo-me combalido
tombado sobre a relva
úmida de sereno.

Sereno durmo
e meu adormecer se alonga na noite
castigado por meus sonhos.

Não desperto.
Despertar é uma utopia:
É como carregar o mundo.

É como ser o mundo.

Oswaldo Antônio Begiato

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segunda-feira, 14 de junho de 2010

"Espelho"

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Imagem Google
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Espelho, espelho meu:
diga a verdade,
quem sou eu?

Se às vezes me estilhaço,
se às vezes viro mil,
se quero mudar o mundo,
se quero mudar o rosto,
se tenho sempre na boca
um gosto de água e de céu,
se às vezes sou tão só
quando me viro do avesso,
se às vezes anoiteço
em plena luz do sol
ou então amanheço
com vontade de voar,

espelho, espelho meu:
diga a verdade,
quem sou eu?

Roseana Murray

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domingo, 13 de junho de 2010

"Da Paz das Borboletas"

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Imagem Google
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Moram em mim animais bravios.
Perigosos, eriçam os pêlos
rangem os dentes
emitem urros
por qualquer hora ou motivo.
Mas dormem em mim, tranqüilos
quando lhes conto das borboletas
pousadas sobre os vitrais noturnos.

Tanussi Cardoso

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sábado, 12 de junho de 2010

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Imagem Meme Yahoo
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Urge dispor o amor
de outra maneira
cultivar o desalinho
arrumar as dores
lavar as mágoas
polir a ternura
e depois
abandonar a casa

o amor não pode nunca ser
lugar de exílio

João Manuel Ribeiro

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Viva intensamente este "Dia dos Namorados"...
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sexta-feira, 11 de junho de 2010

"Ironia"

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"Anjo Azul", de Starblue
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Eis aqui os instrumentos
para esculpir a Poesia:
— brincam os anjos e os ventos
(e quem os libertaria?);

todo o céu se reconhece
no espelho onde os ventos pisam,
e a vida se ajoelha, em prece;
ventos e anjos se eternizam

no mármore azul do exílio.
Surge a noite, a luz é escassa
a Praça dorme em exílio,
a Poesia está na Praça.

Colombo de Souza
in Estágio

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quinta-feira, 10 de junho de 2010

"Madrugada"

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"Rio At Night", de Ben Tubby
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Do fundo de meu quarto, do fundo
de meu corpo
clandestino
ouço (não vejo) ouço
crescer no osso e no músculo da noite
a noite

a noite ocidental obscenamente acesa
sobre meu país dividido em classes

Ferreira Gullar

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quarta-feira, 9 de junho de 2010

"Vazio"

"Mar Azul", de F. Monteiro
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Todo o mar nos meus olhos, e não basta!
Enche-nos mais uma lágrima furtiva ...
Neste banquete azul, há um só conviva
Farto e feliz.
É o céu, que se debruça sobre as ondas
Sem amargura.
É ele, que não procura
Por detrás da verdade outra verdade.
Serenamente, lá da eternidade,
Bebe e come
A imagem refletida do seu nome.

Miguel Torga

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terça-feira, 8 de junho de 2010

"Leilão de Jardim"

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Fotografia Teresa Kenney
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Quem me compra um jardim com flores?
Borboletas de muitas cores,
lavadeiras e passarinhos,
ovos verdes e azuis nos ninhos?

Quem me compra este caracol?
Quem me compra um raio de sol?
Um lagarto entre o muro e a hera,
uma estátua da Primavera?

Quem me compra este formigueiro?
E este sapo, que é jardineiro?
E a cigarra e a sua canção?
E o grilinho dentro do chão?

(Este é o meu leilão.)

Cecília Meireles

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segunda-feira, 7 de junho de 2010

"XXXIII - Pobres das Flores"

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"Canteiro de Uma Casa Qualquer", de Andreh Santos
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Pobres das flores dos canteiros dos jardins regulares.
Parecem ter medo da polícia...
Mas tão boas que florescem do mesmo modo
E têm o mesmo sorriso antigo
Que tiveram para o primeiro olhar do primeiro homem
Que as viu aparecidas e lhes tocou levemente
Para ver se elas falavam...

Fernando Pessoa

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domingo, 6 de junho de 2010

"Mar"

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Fúria do Mar, de Lino Matos
...
Na melancolia de teus olhos
Eu sinto a noite se inclinar
E ouço as cantigas antigas
Do mar.

Nos frios espaços de teus braços
Eu me perco em carícias de água
E durmo escutando em vão
O silêncio.

E anseio em teu misterioso seio
Na atonia das ondas redondas
Náufrago entregue ao fluxo forte
Da morte.

Vinicius de Moraes

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sábado, 5 de junho de 2010

"A Mesa"

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Fotografia: Cozinha é Poesia
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O jornal dobrado
sobre a mesa simples;
a toalha limpa,
a louça branca

e fresca como o pão.

A laranja verde:
tua paisagem sempre,
teu ar livre, sol
de tuas praias; clara

e fresca como o pão.

A faca que aparou
teu lápis gasto;
teu primeiro livro
cuja página é branca

e fresca como o pão.

E o verso nascido
de tua manhã viva,
de teu sonho extinto,
ainda leve, quente

e fresco como o pão.

João Cabral de Melo Neto
in "O Engenheiro"
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sexta-feira, 4 de junho de 2010

"De Ruas e Saudades"

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fotografia: Ramarago
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Na rua vazia,
vadia a solidão caminha
-nua-
e no meu peito
uma dor crua
-sombria-
me lembra o medo
de uma ausência:
a tua.

Tadeu Paulo

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quinta-feira, 3 de junho de 2010

"Estado de Alma"

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"Dia de Chuva", biatelierdeartes
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Se eu fosse pintor,
pintaria este dia de chuva...

Depois
me mudaria
para o meu quadro...

J.G. de Araujo Jorge

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quarta-feira, 2 de junho de 2010

"O Beco"

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fotografia: Chosovi
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No beco escuro e noturno
Vem um gato rente ao muro.
Os passos são de gatuno.
Os olhos são de assassino.

Esgueirando-se, soturno,
Ele me fita no escuro.
Seus passos são de gatuno.
Seus olhos são de assassino.

Afasta-se, taciturno.
Espanta-o meu vulto obscuro.
Meus passos são de gatuno.
Meus olhos são de assassino.

Dante Milano

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terça-feira, 1 de junho de 2010

"O Cerne do Afeto"

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Imagem Google
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O cerne do afeto
está na música que ouvimos
como se nela disséssemos
todo amor que sentimos

O cerne do afeto
está naquela imagem bonita
daquela flor que diz do amor
com suavidade infinita

O cerne do afeto
é o caudal de um rio torrente
que desemboca no mar da paixão
num turbilhão resplandecente

O cerne do afeto
está ternamente escondido
no lugar onde há o de mais concreto
entre os meus e os teus sentidos

Maria Luiza Bonini

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Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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