Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

"Recomeça..."

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foto de SunnySanny
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Recomeça…

Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças…

Miguel Torga


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Volto segunda-feira!

Bjs.

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domingo, 27 de dezembro de 2009

"Sai a Passeio"

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XIX

Sai a passeio, mal o dia nasce,
Bela, nas simples roupas vaporosas;
E mostra às rosas do jardim as rosas
Frescas e puras que possui na face.

Passa. E todo o jardim, por que ela passe,
Atavia-se. Há falas misteriosas
Pelas moitas, saudando-a respeitosas...
É como se uma sílfide passasse!

E a luz cerca-a, beijando-a. O vento é um choro
Curvam-se as flores trêmulas...
O bando das aves todas vem saudá-la em coro...

E ela vai, dando ao sol o rosto brendo.
Às aves dando o olhar, ao vento
o louro cabelo, e às flores os sorrisos dando...

Olavo Bilac

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sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

"Poema do Menino Jesus"

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Num meio-dia de fim de primavera
eu tive um sonho como uma fotografia:
eu vi Jesus Cristo descer à Terra.
Ele veio pela encosta de um monte, mas era outra vez
menino, a correr e a rolar-se pela erva
A arrancar flores para deitar fora,
e a rir de modo a ouvir-se de longe.
Ele tinha fugido do céu. Era nosso demais pra
fingir-se de Segunda pessoa da Trindade.
Um dia que Deu estava dormindo e o Espírito Santo
andava a voar, Ele foi até a caixa dos milagres e
roubou três.
Com o primeiro Ele fez com que ninguém soubesse que
Ele tinha fugido; com o segundo Ele se criou
eternamente humano e menino; e com o terceiro Ele
criou um Cristo eternamente na cruz e deixou-o pregado
na cruz que há no céu e serve de modelo às outras.
Depois Ele fugiu para o Sol e desceu pelo primeiro
raio que apanhou.
Hoje Ele vive na minha aldeia, comigo. É uma criança
bonita, de riso natural.
Limpa o nariz com o braço direito, chapinha nas poças
d'água, colhe as flores, gosta delas, esquece.
Atira pedras aos burros, colhe as frutas nos pomares,
e foge a chorar e a gritar dos cães.
Só porque sabe que elas não gostam, e toda gente acha
graça, Ele corre atrás das raparigas que levam as
bilhas na cabeça e levanta-lhes a saia.
A mim, Ele me ensinou tudo. Ele me ensinou a olhar
para as coisas. Ele me aponta todas as cores que há
nas flores e me mostra como as pedras são engraçadas
quando a gente as tem na mão e olha devagar para
elas.
Damo-nos tão bem um com o outro na companhia de tudo
que nunca pensamos um no outro. Vivemos juntos os dois
com um acordo íntimo, como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer nós brincamos as cinco pedrinhas no
degrau da porta de casa. Graves, como convém a um DEUS
e a um poeta. Como se cada pedra fosse todo o Universo
e fosse por isso um perigo muito grande deixá-la cair
no chão.
Depois eu lhe conto histórias das coisas só dos
homens. E Ele sorri, porque tudo é incrível. Ele ri
dos reis e dos que não são reis. E tem pena de ouvir
falar das guerras e dos comércios.
Depois Ele adormece e eu o levo no colo para dentro da
minha casa, deito-o na minha cama, despindo-o
lentamente, como seguindo um ritual todo humano e todo
materno até Ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma. Às vezes Ele acorda de
noite, brinca com meus sonhos. Vira uns de pena pro ar,
põe uns por cima dos outros, e bate palmas, sozinho,
sorrindo para os meus sonhos.
Quando eu morrer, Filhinho, seja eu a criança, o mais
pequeno, pega-me Tu ao colo, leva-me para dentro a Tua
casa. Deita-me na tua cama. Despe o meu ser, cansado e
humano. Conta-me histórias caso eu acorde para eu
tornar a adormecer, e dá-me sonhos Teus para eu
brincar.
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Trecho do poema de
Alberto Caieiro

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quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

"Natal, e Não Dezembro"

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Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.

David Mourão-Ferreira

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quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

"Asas da Primeira Idade"

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Longe de mim
Como a mais distante estrela.
Próxima de mim
Em meus olhos (e coração)
Que me permitem vê-la.

Pouco sobra da vaidade,
Da divisão dos tempos,
Da distribuição de afetos.

Ensina-me sobra, sombra, terra,
Aonde me perdi.
Ensina-me do orvalho
Que umedece o sonho de perfeição
Que não esqueci.

A minha aldeia chama-se:
Ninho de liberdade.
Mas onde terá ficado a asa
Da primeira idade?

Lindolf Bell

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terça-feira, 22 de dezembro de 2009

"A Primeira Vez Que Entendi"

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A primeira vez que entendi do mundo
alguma coisa
foi quando na infância
cortei o rabo de uma lagartixa
e ele continuou se mexendo.

De lá pra cá
fui percebendo que as coisas permanecem
vivas e tortas
que o amor não acaba assim
que é difícil extirpar o mal pela raiz.

A segunda vez que entendi do mundo
alguma coisa
foi quando na adolescência me arrancaram
do lado esquerdo três certezas
e eu tive que seguir em frente.

De lá pra cá
aprendi a achar no escuro o rumo
e sou capaz de decifrar mensagens
seja nas nuvens
ou no grafite de qualquer muro.

Affonso Romano de Sant'Anna

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segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

"Última Canção"

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Deus,
eu faço parte do teu gado:
esse que confinas em sonho e paixão
e às vezes em terrível liberdade.
Sou, como todos, marcada neste flanco
pelo susto da beleza, pelo terror da perda
e pela funda chaga dessa arte
em que pretendo segurar o mundo.
No fundo,
Deus,
eu faço parte da manada
que corre para o impossível,
vasto povo desencontrado
a quem tanges, ignoras
ou contornas
com teu olhar absorto.
Deus,
eu faço parte do teu gado
estranhamente humano,
marcado para correr, amar, morrer
querendo colo, explicação, perdão
e permanência.

Lya Luft

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domingo, 20 de dezembro de 2009

"Viagem ao Espelho"

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Espelho, espelho meu
Diga a verdade
Quem sou eu?
Se às vezes me estilhaço
Se às vezes viro mil
Se quero mudar o mundo
Se quero mudar o rosto
Se tenho sempre na boca
Um gosto de água e de céu
Se às vezes sou tão só
Quando me viro do avesso
Se às vezes anoiteço
Em plena luz do sol
Ou então amanheço
Com vontade de voar
Espelho, espelho meu
Diga a verdade, quem sou eu?

Roseana Murray

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sábado, 19 de dezembro de 2009

"Orçamento Deficitário"

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A vida toda tem por prêmio a morte
e tudo é vão, de tudo nada fica.
O homem por acaso (ou pura sorte),
é inútil, como tudo o que fabrica.
A vida é pouca, face à morte rica:
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— o espírito é pequeno e a carne é forte.
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Viriato Gaspar
in Manhã Portátil

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sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

"Os Lírios"

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Certa madrugada fria
irei de cabelos soltos
ver como crescem os lírios.

Quero saber como crescem
simples e belos — perfeitos! —
ao abandono dos campos.

Antes que o sol apareça
neblina rompe neblina
com vestes brancas, irei.

Irei no maior sigilo
para que ninguém perceba
contendo a respiração.

Sobre a terra muito fria
dobrando meus frios joelhos
farei perguntas à terra.

Depois de ouvir-lhe o segredo
deitada por entre os lírios
adormecerei tranqüila.
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Henriqueta Lisboa

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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

"Os Retratos"

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Os antigos retratos de parede
Não conseguem ficar longo tempo abstratos.

Às vezes os seus olhos te fixam, obstinados
Porque eles nunca se desumanizam de todo

Jamais te voltes pra trás de repente.
Não, não olhes agora!

O remédio é cantares cantigas loucas e sem fim...
Sem fim e sem sentido...

Dessas que a gente inventava
enganar a solidão dos caminhos sem lua.
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Mário Quintana

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quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

"Inconstância"

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Procurei o amor, que me mentiu.
Pedi à Vida mais do que ela dava;
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!

Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!

Passei a vida a amar e a esquecer...
Atrás do sol dum dia outro a aquecer
As brumas dos atalhos por onde ando...

E este amor que assim me vai fugindo
Fé igual a outro amor que vai surgindo,
Que há-de partir também... nem eu sei quando...

Florbela Espanca

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terça-feira, 15 de dezembro de 2009

"Agora o nada é nada"

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Deixei de perseguir as horas,
parei de contar os dias,
as mãos que sustinham sonhos
- águias que voaram alto! -
de tão sós já são sombrias...
e o meu eu é um armazém
de prateleiras vazias.

Triste de quem, sem memória,
de si não guarda crianças
que esperam
para ouvir a história!

Maria Amélia Fernandes

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segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

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Lembro-me tão bem:
lembro-me da forma
como me tocaste o rosto
com as pontas dos dedos
e me beijaste numa carícia
de pétalas vermelhas.

Lembro-me tão bem:
lembro-me de acordar
e sentir-te ainda, desejar-te
ainda, e fechar os olhos
e tentar adormecer e
não, não, não conseguir.

Lembro-me tão bem
lembro-me tão bem
da forma como te sonhei.

Luís Ene

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domingo, 13 de dezembro de 2009

"Janela sobre uma mulher - I "

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Essa mulher é uma casa secreta.
Em seus cantos, guarda vozes e esconde fantasmas.
Nas noites de inverno, jorra fumaça.
Quem entra nela, dizem, não sai nunca mais.
Eu atravesso o fosso profundo que a rodeia. Nessa
casa serei habitado. Nela me espera o vinho que me
beberá. Muito suavemente bato na porta, e espero.
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Eduardo Galeano

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sábado, 12 de dezembro de 2009

"Onomástica"

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Se te chamasses Maria
a manhã que se prepara
em ti talvez moraria
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ou, se te chamasses Clara
o teu nome despertasse
as luzes do fim do dia
para pintar tua face
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mas quis chamar-te Alegria
o mistério de que és filha
e o teu nome apenas brilha
dentro da noite vazia.
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Jayme Kopke

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sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

II

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Vou tocando meus versos
como conduziam ovelhas
os bem antigos pastores.
Alimento, toso, tranco o estábulo
e deixo uma intenção em fresta
para os olhos do mundo
para a luz-vaidade.
Mas sei que isso ainda não basta.
O sonho é mais vasto
E o infinito de mim
puxa mais embaixo.
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Fernando Campenella
da série 'O Eu Confesso'

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quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

"A Velha Casa"

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fotografia Irene Suchocki
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Havia sempre no passado
o momento de grande gargalhada.
Corríamos pela casa
como duas crianças
e sacudíamos os lençóis
com nossos corpos.
Tínhamos em comum
a admiração da lua
e um certo jeito de olhar o mundo.
E mesmo hoje no passado
em que já nos encontramos distantes
ainda corremos pela casa
desabitada.
E só.
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Heitor Ferraz Mello

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quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

"Das Contas"

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Sei
da vida
que me foge
aos poucos
todas as noites
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Sempre acordo
com a sensação
de que está me faltando
um dia.
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Ademir Antonio Bacca

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terça-feira, 8 de dezembro de 2009

"Os Versos Que Te Fiz"

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Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
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Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder ...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !
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Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!
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Amo-te tanto ! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
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Florbela Espanca
(8 de dezembro de 1894 + 8 de dezembro de 1930)

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Hoje, há 79 anos de sua morte, uma simples homenagem a esta
que é a maior poetisa do mundo...
pois tornou-se eterna a Mais Bela Flor do Alentejo...

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segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

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Imagem:"Sleeping Muse"
Constantin Brancusi
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... La poesía es como el viento,
o como el fuego, o como el mar.
Hace vibrar árboles, ropas,
abrasa espigas, hojas secas,
acuna en su oleaje
los objetos que duermen en la playa..."

José Hierro
(España, 1922 - 2002)

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domingo, 6 de dezembro de 2009

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Deixa que eu te toque
Com um só acorde de guitarra
Deixa que eu te componha nas minhas letras
E os meus dedos percorram a pauta da nossa música
Com uma só voz
com uma só vontade
Deixa que eu cante sussurrando
A melodia mais bela de amor
E te veja dançando nas minhas mãos
Deixa que eu te ouça
Com uma só nota musical
E te agarre,
te envolva e
te toque
Com um só toque
com o acorde da minha guitarra.

Vera Jesus

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sábado, 5 de dezembro de 2009

"Mozart no Céu"

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No dia 5 de dezembro de 1791 Wolfgang Amadeus
Mozart entrou no céu, como um artista
de circo, fazendo piruetas extraordinárias
sobre um mirabolante cavalo branco.
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Os anjinhos atônitos diziam: Que foi? Que não foi?
Melodias jamais ouvidas voavam nas linhas suplementares
superiores da pauta.
Um momento se suspendeu a contemplação inefável.
A Virgem beijou-o na testa
E desde então Wolfgang Amadeus Mozart foi o mais
moço dos anjos.
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Manuel Bandeira
in Lira dos Cinquent'anos

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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

"A Cor dos Meus Dias"

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Cinza leve de fundo
com um pingo vermelho
de paixão acesa.
Manchas descontínuas de verde esperança.
Um pouco de azul em tom de ilusão.
Pinceladas negras
em horas incertas.
Esta é a cor dos meus dias
tinta de óleo em mim pintada
que escorre lenta na tela da vida.
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Alice Daniel

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Update:
Fotografia de Chris Everard
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quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

"Mudança"

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Fotografia de Chris Everard
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Lá se vai a casa
cheia de medos da infância
e malas confidentes.
Os caminhos a levam.

Da viagem
o cansaço acomoda
panelas, móveis
e minha coleção de selo.

O assoalho geme à falta de intimidade.

A noite cuida do meu quarto:
olhos sonolentos tropeçam
na áspera parede de chapisco
— montanhas intransponíveis.
Amanhã saberei teus cheiros,
tua voz e o segredo de tuas cores.

Hoje não tenho a chave da porta.
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Augusto Sérgio Bastos
in Rascunho

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quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

"Fio"

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Afiada,
a pá lavra
a terra.
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Afiada,
a palavra
enterra.
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Oswaldo Antonio Begiato

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terça-feira, 1 de dezembro de 2009

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A palavra
tem a sede
do peixe
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escapa sempre
do poeta
em folha rasa
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vai ao fundo,
volta à tona,
respira
e escapa do poema
outra vez
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Ademir Antonio Bacca

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Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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