Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina
Mostrando postagens com marcador Fernando Pessoa. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Fernando Pessoa. Mostrar todas as postagens

sábado, 30 de maio de 2020

Não digas nada


Arte de Hannie Sarris

Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender —
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada
Deixa esquecer

Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz
Não digas nada.

Fernando Pessoa
in "Cancioneiro"



 

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Chove

 
Fotografia de João Torres

Chove. Há Silêncio
Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego...
Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece...
Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente...

Fernando Pessoa
in "Cancioneiro"



 

quarta-feira, 14 de novembro de 2018


imagem daqui

Cheguei à janela,
Porque ouvi cantar.
É um cego e a guitarra
Que estão a chorar.
Ambos fazem pena,
São uma coisa só
Que anda pelo mundo
A fazer ter dó.
Eu também sou um cego
Cantando na estrada,
A estrada é maior
E não peço nada.

Fernando Pessoa, in Poesias Inéditas 



segunda-feira, 29 de abril de 2013

"In Articulo Mortis"




Que nos importa que a lua morta tenha ou não tenha traços 
Do antigo mundo que viveu rindo?
Que seja cinza o que era calor ao calor dos nossos abraços?
De nada nos serve...Fechemos os olhos, cruzemos os braços.
E desesperemos, sorrindo.

A vida é pouco e a dor é muito. Ao luar e à noite esquecemos
O nosso ser de sob o sol;
E já que a corrente nos leva silente, abandonemos os remos;
E visto o falar a a
ção nos lembrar, calemo-nos, escutemos:
Talvez cante o rouxinol.

E daí quem sabe na noite o que cabe? Da solidão infinda
Talvez raie um sol e um dia,
E à barca que erra...talvez uma terra lhe espere obscura a vinda.
Talvez não seja o rouxinol que cante...Esperemos ainda,
E talvez seja a cotovia.

Fernando Pessoa


sábado, 18 de junho de 2011

"O Teu Rosto"


Desconheço a autoria da imagem


É o teu rosto ainda que eu procuro
Através do terror e da distância
Para a reconstrução de um mundo puro.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Esta espécie de loucura

Esta espécie de loucura
Que é pouco chamar talento
E que brilha em mim, na escura
Confusão do pensamento,

Não me traz felicidade;
Porque enfim, sempre haverá
Sol ou sombra na cidade.
Mas em mim não sei o que há.

Fernando Pessoa


quinta-feira, 17 de março de 2011

"Se Alguém Bater Um Dia à Tua Porta..."



Se alguém bater um dia à tua porta,
Dizendo que é um emissário meu,
Não acredites, nem que seja eu;
Que o meu vaidoso orgulho não comporta
Bater sequer à porta irreal do céu.

Mas se, naturalmente, e sem ouvir
Alguém bater, fores a porta abrir
E encontrares alguém como que à espera
De ousar bater, medita um pouco. Esse era
Meu emissário e eu e o que comporta
O meu orgulho do que desespera.
Abre a quem não bater à tua porta!

Fernando Pessoa
5/9/1934

Image by Sophie Thouvenin

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

.
imagem daqui
.
Não
Não: devagar.
Devagar, porque não sei
Onde quero ir.
Há entre mim e os meus passos
Uma divergência instintiva.
Há entre quem sou e estou
Uma diferença de verbo
Que corresponde à realidade.
Devagar...
Sim, devagar...
Quero pensar no que quer dizer
Este devagar...
Talvez o mundo exterior tenha pressa demais.
Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo.
Talvez a impressão dos momentos seja muito próxima...
Talvez isso tudo...
Mas o que me preocupa é esta palavra devagar...
O que é que tem que ser devagar? ...

Álvaro de Campos

.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

"XXXIII - Pobres das Flores"

.
"Canteiro de Uma Casa Qualquer", de Andreh Santos
.
Pobres das flores dos canteiros dos jardins regulares.
Parecem ter medo da polícia...
Mas tão boas que florescem do mesmo modo
E têm o mesmo sorriso antigo
Que tiveram para o primeiro olhar do primeiro homem
Que as viu aparecidas e lhes tocou levemente
Para ver se elas falavam...

Fernando Pessoa

.

segunda-feira, 8 de março de 2010

.
Cafayate-Campanario
.
Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.
E é tão lento o teu soar,
Tão triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.
Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho,
Soa-me na alma distante.
A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.

Fernando Pessoa

.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

"A Criança Que Ri Na Rua"

.
.
A criança que ri na rua,
A música que vem no acaso,
A tela absurda, a estátua nua,
A bondade que não tem prazo
.
Tudo isso excede este rigor
Que o raciocínio dá a tudo,
E tem qualquer cousa de amor,
Ainda que o amor seja mudo
.
Fernando Pessoa

.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

"Sim, Sei Bem"

.
.
Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
Deixem-me me crer
O que nunca poderei ser.
.
Fernando Pessoa

.

terça-feira, 28 de julho de 2009

.
.
Ah, tudo é símbolo e analogia!
O vento que passa, a noite que esfria,
São outra coisa que a noite e o vento —
Sombras de vida e de pensamento.
Tudo o que vemos é outra coisa.
A maré vasta, a maré ansiosa,
E o eco da outra maré que está
Onde é real o mundo que há.
Tudo o que temos é esquecimento.
A noite fria, o passar do vento,
São sombras de mãos, cujos gestos são
A realidade desta ilusão.
.
Fernando Pessoa


.

sábado, 25 de abril de 2009

.
.
Deve chamar-se tristeza
Isto que não sei que seja
Que me inquieta sem surpresa
Saudade que não deseja.
.
Sim, tristeza - mas aquela
Que nasce de conhecer
Que ao longe está uma estrela
E ao perto está não a Ter.
.
Seja o que for, é o que tenho.
Tudo mais é tudo só.
E eu deixo ir o pó que apanho
De entre as mãos ricas de pó.
.
Fernando Pessoa
.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

"O Que Me Dói"

.
.
O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão...
São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.
São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma.
.
Fernando Pessoa
.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

"Interlúdio"

.
.
Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.
.
Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.
.
És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
.
Fernando Pessoa
.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

.
.
Coroai-me
Coroai-me de rosas,
Coroai-me em verdade,
De rosas — rosas que se apagam
Em fronte a apagar-se tão cedo!
Coroai-me de rosas
E de folhas breves.
E basta.
.
Ricardo Reis
.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

"A Pálida Luz da Manhã de Inverno"

.
.
A pálida luz da manhã de inverno,
O cais e a razão
Não dão mais 'sperança, nem menos 'sperança sequer,
Ao meu coração.
O que tem que ser
Será, quer eu queira que seja ou que não.
No rumor do cais, no bulício do rio
Na rua a acordar
Não há mais sossego, nem menos sossego sequer,
Para o meu 'sperar.
O que tem que não ser
Algures será, se o pensei; tudo mais é sonhar.
.
Fernando Pessoa
.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

"Como É Por Dentro Outra Pessoa?"

.
.
Como é por dentro outra pessoa?
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Como que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.
Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.
.
Fernando Pessoa
.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

.
.
Tudo quanto penso,
Tudo quanto sou
É um deserto imenso
Onde nem eu estou.
Extensão parada
Sem nada a estar ali,
Areia peneirada
Vou dar-lhe a ferroada
Da vida que vivi.
[...]
Fernando Pessoa

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

"Nada"

.
.
Ah, toca suavemente
Como quem vai chorar
Qualquer canção tecida
De artifício e de luar...
Nada que faça lembrar
A vida.
Prelúdio de cortesias,
Ou sorriso que fanou...
Jardim longínquo e frio...
E na alma de quem o achou
Só o eco absurdo do vôo
Vazio.
.
Fernando Pessoa

Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

Postagens populares

Total de visualizações de página