Estou de volta... como a primavera!

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa..."

Manuel Antonio Pina

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Passemos


 

Arte: Laura Makabresku


Passemos, tu e eu, devagarinho,
Sem ruído, sem quase movimento,
Tão mansos que a poeira do caminho
A pisemos sem dor e sem tormento.
Que os nossos corações, num torvelinho
De folhas arrastadas pelo vento,
Saibam beber o precioso vinho,
A rara embriaguez deste momento.
E se a tarde vier, deixá-la vir...
E se a noite quiser, pode cobrir
Triunfalmente o céu de nuvens calmas...
De costas para o Sol, então veremos
Fundir-se as duas sombras que tivemos
Numa só sombra, como as nossas almas.

Reinaldo Ferreira

A cidade está deserta

 

Arte: Marian Sitchinava

(...)
A cidade está deserta,
E alguém escreveu o teu nome em toda a parte:
Nas casas, nos carros, nas pontes, nas ruas.
Em todo o lado essa palavra
Repetida ao expoente da loucura!
Ora amarga! ora doce!
Pra nos lembrar que o amor é uma doença,
Quando nele julgamos ver a nossa cura!''

Ornatos Violeta
(excerto)








Quando os males são físicos

 

Arte:  Stephen Maffin

Quando os males são físicos,
podes por gelo
sobre a zona afetada,
tomar um analgésico mais forte.
Mas se as dores
forem as da alma,
procura antes o suave triunfo do silêncio,
a companhia sempre amorosa da noite.
Uma canção de John Cale também pode ajudar,
mas não um poema,
não os poemas.
Os poemas não eliminam a dor, acariciam-na.
Não te iludas:
Não os poemas.

Luis Felipe Parrado








quinta-feira, 15 de maio de 2025

Obra-prima

 

Fotografia de Iris Anam Cara

Estou fazendo tudo bem;
estou fazendo
cada vez melhor.
Finalmente
perderei o coração.
Mas isso não têm importância.
O principal
é a eficácia.
Estou fazendo tudo bem;
estou fazendo
cada vez melhor.

Francisca Aguirre





Despertar

 

Imagem via Google

É um pássaro, é uma rosa,
é o mar que me acorda?
Pássaro ou rosa ou mar,
tudo é ardor, tudo é amor.
Acordar é ser rosa na rosa,
canto na ave, água no mar.

Eugénio de Andrade,
em 'Coração do Dia - Mar de Setembro '



Mão que voa

 

Arte de Richard Avedon

Poesia
não se aperta
na mão
como um pássaro
doente.

Poesia é a mão
que voa
com o pássaro.


Carlos Nejar


quarta-feira, 14 de maio de 2025

Devias estar aqui rente aos meus lábios

 

Arte de Marcela Bolívar

'Devias estar aqui rente aos meus lábios
para dividir contigo esta amargura
dos meus dias partidos um a um

- Eu vi a terra limpa no teu rosto,
Só no teu rosto e nunca em mais nenhum'


Eugénio de Andrade




Amor

 

Arte de Natalia Drepina

Quando te procurei em rotas de seda e ouro, eu não
sabia que o amor é uma espera de mágoa e mel. Nem
suspeitava que há nos corpos nus a enchente das
marés que altera a tempestade. E desconhecia que é
preciso empunhar o leme para que as águas inundem
desesperadamente as margens.

Graça Pires,
em “Cadernos de Significados”





domingo, 11 de maio de 2025

Tu és o meu amor

 

Arte: Natalia Drepina

Tu és o meu amor e o meu desespero.
És a minha loucura e a minha compreensão.
E és também todos os lugares onde nunca estive
e que me conclamam de todos os cantos do mundo.
Tu és esses seis versos
aos quais me restrinjo para não gritar.

Henrik Nordbrandt

Tradução por Luciano Dutra (poesia nórdica)







Pergunta-me

 

Fotografia de Mari Becker

Pergunta-me,
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue.

Pergunta-me,
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos.

Pergunta-me,
se voltei a te encontrar
de todas às vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser

se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente.

Qualquer coisa,
pergunta-me qualquer coisa,
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente,
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo, sem te responder
saibas o que te quero dizer.


Mia Couto





Traga seus olhos para conversar com os meus

 

Imagem via Pinterest

Traga seus olhos para conversar com os meus.
Gosto quando eles me falam de você.
Se preferir ficar calado,
apenas sente-se ao meu lado.
Mães sabem interpretar silêncios.
Aprendi a ler o seu olhar
desde o tempo dos joelhos esfolados,
do barquinho de papel,
do medo da barba do Papai Noel,
do gato que não morreu reu reu,
do sapato esgarçado que o tempo escondeu.

Quando seus olhos cintilam, eu festejo a vida.
Em contrapartida,
se uma sombra turvar sua emoção,
então eu me reparto
e lhe ofereço as fibras do meu coração.

Flora Figueiredo



São meus filhos

 

Arte: Xi Pan

São meus filhos. Gerei-os no meu ventre.
Via-os chegar, às tardes, comovidos,
nupciais e trementes
do enlace da Vida com os sentidos.

Estiveram no meu colo, sonolentos.
Contei-lhes muitas lendas e poemas.
Às vezes, perguntavam por algemas.
Respondia-lhes: mar, astros e ventos.

Alguns, os mais ousados, os mais loucos,
desejavam a luta, o caos, a guerra.
Outros sonhavam e acordavam roucos
de gritar contra os muros que há na Terra.

São meus filhos. Gerei-os no meu ventre.
Nove meses de esperança, lua a lua.
Grandes barcos os levam, lentamente…

Natércia Freire






quinta-feira, 8 de maio de 2025

E chega um dia

 

Arte de Rosario Barrios Young


E chega um dia em que reconhecemos
finalmente
a injustiça das palavras -
exatamente as mesmas
para quem vai e para quem fica
um dia
em que não há mais passado para contar
nem mais futuro para viver
apenas uma velha cantiga a embalar
uma casa desaparecida
e este limbo ocasional
onde o corpo espera que anoiteça

Alice Vieira





quarta-feira, 7 de maio de 2025

Sem eu saber, eu sabia

 

Arte de Marcela Bolivar

Sem eu saber, eu sabia
que o mar era uma dimensão exausta
que a vida era um caminhar insano
que no horizonte só existiam sonhos
que na areia os castelos se desfaziam
que a maré era inconstante
que os ventos eram desnorte
e o amor a redenção da alma.

Sem eu saber, eu sabia
que voar era a imagem plena
que o sol nascia a este
que o dia era tamanho
que o anoitecer era o conforto
que a lua era feiticeira
que os meus pés eram caminho
e que o amor era um lugar distante.

Eu saber, sabia
das hipérboles, das metáforas
das catacreses, das sinestesias
dos paradoxos.

Só não sabia do amor
como um hemisfério frio
nem do corpo
como lugar vazio.


Tereza Brinco de Oliveira
In Inconcepto




Interlúdio com ...

Will You Still Love Me Tomorrow - Norah Jones

Will You Still Love Me Tomorrow

Norah Jones

Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

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