A minha solidão
não é uma invenção
para enfeitar noites estreladas
Mas este querer arrancar a própria sombra do chão
e ir com ela pelas ruas de mãos dadas.
Mas este sufocar entre coisas mortas
e pedras de frio
onde nem sequer há portas
para o calafrio,
Mas este rir-me de repente
no poço das noites amarelas
- única chama consciente
com boca nas estrelas.
Mas este eterno só-um
(mesmo quando me queima a pele o teu suor)
- sem carne em comum
com o mundo em redor.
Mas este haver entre mim e a vida
sempre uma sombra que me impede
de gozar na boca ressequida
o sabor da própria sede.
Mas este sonho indeciso
de querer salvar o mundo
- e descobrir afinal que não piso
o mesmo chão do pobre e do vagabundo.
Mas este saber que tudo me repele
no vento vestido de areia
E até, quando a toco, a própria pele
me parece alheia.
Não. A minha solidão
não é uma invenção
para enfeitar o céu estrelado
mas este deitar-me de súbito a chorar no chão
e agarrar a terra para sentir um corpo vivo a meu lado.
José Gomes Ferreira
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